A Revolta do "Manuelinho" representada num painel de azulejos de Jorge Colaço na Estação de Évora
Fotografia de JP Ribeiro, Wikipédia, 2017
O Manuelinho de Évora, foi um homem muito conhecido na cidade da época, 1.ª metade do século XVII, pela singularidade da sua personalidade e presença , o homem era conhecido por vaguear pela cidade não lhe era conhecida uma morada fixa, usava roupas desgastadas e encardidas pelo tempo e aceitava de bom grado a generosidade dos demais. Pelo seu comportamento, consta que padecia de distúrbios mentais, tido por doido, tolo ou mesmo profeta, também não era conhecedor da mais elementar letra.
Era, em todo o caso, um inimputável, razão pela qual, os organizadores dos motins de 1637 assinavam em seu nome os panfletos da revolta, terá ficado conhecido como o grande responsável pela organização, comunicação e distribuição da informação escrita entre do movimento da contra o reinando filipino e a demais população, pois todos os folhetins informativos distribuídos pela cidade eram "assinados pelo próprio" Manuelinho de Évora.
E assim, sem saber ler nem escrever, ficou o vagabundo conhecido por todo o pais como o organizador da revolta, pelo menos oficialmente.
E se esses motins populares começaram por ser mera reacção contra o aumento de impostos, rapidamente assumiram o carácter revolucionário de aspirar à expulsão dos Filipes, ou seja: recuperar a independência perdida. Temos de perdoar a quem se serviu do nome do Manuelinho, tendo em conta a elevação dos propósitos.
Só tempos depois da reconquista efectuada, os verdadeiros responsáveis foram identificados publicamente.
Brasão da Cidade de Évora, Século XIX.
"As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem Brasão d'Armas"
Tipographia do Panorama, 1860
A História das cidades não é feita apenas do património edificado que as várias gerações nos legaram, mas sobre tudo das memória indeléveis dos grandes homens que em cada momento as calcaram coma suas convicções.
Nesse sentido, Évora esteve presente em vários momentos cruciais da história de Portugal, não obstante da importância que mantinha já desde os períodos mais remotos.
Durante a ocupação romana, Évora era já uma importante cidade denominada "Liberalites Julia" como o demonstram as ruínas de um templo clássico e os vestígios de uma cerca de muralhas.
No século IV a cidade aparece já como diocese restaurada em 1166, depois da intensa presença muçulmana e na sequência da sua reconquista em 1165 pelo General Sem-Pavor, data apartir da qual integra o Reino de Portugal.
Recebeu primeiro foral de D. Afonso Henriques que seria confirmado também por D. Afonso II em 1218. durante as duas primeiras dinastias, Évora reviu, por largos períodos, de capital do reino, nela reuniram-se cortes 12 vezes, entre 1282 e 1535.
Ficaram celebres os tumultos de Évora, durante a crise de 1383-1385, em apoio do Mestre de Avis, colocando sobre prisão no castelo desta cidade em 1382.
D. Duarte constrói n'ela o edifício depois denominado Palácio de D. Manuel, onde casa em 1421.
Em 1437 realizam-se em Évora as cortes que precederam a infeliz empresa de Tânger.
D. Afonso V viveu durante vários anos nesta cidade, e n'ela iniciou D. João II o golpe decisivo contra a nobreza ao fazer decapitar a 20 de junho, na Praça do Geraldo, culpado por conspiração, o Duque de Bragança D. Fernando II.
D. Manuel I teve a sua corte em Évora até 1511 e D. João II a partir de 1531.
História da Pátria Portuguesa (1937)
Publicação da Livr. Simões Lopes Domingos Barreira, Porto,1937
Ilustrações de Raquel Roque Gameiro (1889-1970)
Évora, com os lendários escritos de Manuelinho, viria a ser palco dos motins de 1637 que contribuíram decisivamente para o contagio da clima de crispação propicio e motivador da Restauração de Portugal em 1640.
Com efeito, no dia 21 de Agosto de 1637, eclode em Évora um movimento popular em que o povo da cidade se amotina contra o aumento dos impostos decretado pelo governo dos Filipes. A elevação do imposto do real de água e a sua generalização a todo o Reino de Portugal, bem como o aumento das antigas sisas, fez aumentar a indignação geral, explodindo em protestos e violências. O povo de Évora deixou de obedecer aos fidalgos e desrespeitou o Arcebispo.
Durante o movimento foram queimados os livros dos assentos das contribuições reais e acometidas algumas casas. Nem os nobres, nem os adeptos de Castela, se dispuseram a enfrentar a multidão enfurecida.
O movimento rapidamente se alastrou a outras partes do reino, com a intenção de depôr a Dinastia Filipina e entronizar novamente uma Dinastia portuguesa. Desse modo eclodiram insurreições e motins em localidades como Portel, Sousel, Campo de Ourique, Vila Viçosa, Faro, Loulé, Tavira, Albufeira, Coruche, Montargil, Abrantes, Sardoal, Setúbal, Porto, Vila Real e Viana do Castelo.
O movimento insurreccional não conseguiu destituir o Governo em Lisboa, sucumbindo ao reforço de tropas castelhanas que vieram em seu auxílio para reprimir a revolução.
COROAÇÃO DE D. JOÃO IV (1908)
Quadro de Veloso Salgado (1864-1945).
Óleo sobre tela (325 x 285 cm)
Museu Militar (Sala Restauração), Lisboa.
Ainda assim, o rastilho aqui aceso foi o início daquilo que se tornou a Revolta dos Conjurados e que culminou com a aclamação de João IV de Portugal em 1 de Dezembro de 1640.
Desta feita, vemos associado a História de Portugal uma pobre personalidade, cuja única participação nos feitos que lhe são atribuídos foi apenas a cadencie involuntária da sua identidade, utilizada para, de forma descarada, acobertar os verdadeiros organizadores do movimento.
Fica a curiosidade de quantos "Manuelinhos" são ainda encomendados nos dias de hoje....
Fontes:
Évora, Guia Turístico de A a Z, Circulo de Leitores, 1990;
A Revolta do Manuelinho, mapa, Jornal de Informação e Crítica, Delfim Canedas, 26 MARÇO, 2013;
Revolta do Manuelinho, Wikipédia;