domingo, 5 de julho de 2020

A Revolta do Manuelinho de Évora, a Origem da Restauração da Independência de Portugal

A Revolta do "Manuelinho" representada num painel de azulejos de Jorge Colaço na Estação de Évora
Fotografia de JP Ribeiro, Wikipédia, 2017

O Manuelinho de Évora, foi um homem muito conhecido na cidade da época, 1.ª metade do século XVII, pela singularidade da sua personalidade e presença , o homem era conhecido por vaguear pela cidade não lhe era conhecida uma morada fixa, usava roupas desgastadas e encardidas pelo tempo e aceitava de bom grado a generosidade dos demais. Pelo seu comportamento, consta que padecia de distúrbios mentais, tido por doido, tolo ou mesmo profeta, também não era conhecedor da mais elementar letra.
Era, em todo o caso, um inimputável, razão pela qual, os organizadores dos motins de 1637 assinavam em seu nome os panfletos da revolta, terá ficado conhecido como o grande responsável pela organização, comunicação e distribuição da informação escrita entre do movimento da contra o reinando filipino e a demais população,  pois todos os folhetins informativos distribuídos pela cidade eram "assinados pelo próprio" Manuelinho de Évora. 
E assim, sem saber ler nem escrever, ficou o vagabundo conhecido por todo o pais como o organizador da revolta, pelo menos oficialmente. 
E se esses motins populares começaram por ser mera reacção contra o aumento de impostos, rapidamente assumiram o carácter revolucionário de aspirar à expulsão dos Filipes, ou seja: recuperar a independência perdida. Temos de perdoar a quem se serviu do nome do Manuelinho, tendo em conta a elevação dos propósitos.
Só tempos depois da reconquista efectuada, os verdadeiros responsáveis foram identificados publicamente.
Brasão da Cidade de Évora, Século XIX.
"As Cidades e Villas da Monarchia Portugueza que teem Brasão d'Armas"
Tipographia do Panorama, 1860
A História das cidades não é feita apenas do património edificado que as várias gerações nos legaram, mas sobre tudo das memória indeléveis dos grandes homens que em cada momento as calcaram coma suas convicções. 
Nesse sentido, Évora esteve presente em vários momentos cruciais da história de Portugal, não obstante da importância que mantinha já desde os períodos mais remotos.

Durante a ocupação romana, Évora era já uma importante cidade denominada "Liberalites  Julia" como o demonstram as ruínas de um templo clássico e os vestígios de uma cerca de muralhas.
No século IV a cidade aparece já como diocese restaurada em 1166, depois da intensa presença muçulmana e na sequência da sua reconquista em 1165 pelo General Sem-Pavor, data apartir da qual integra o Reino de Portugal.
Recebeu primeiro foral de D. Afonso Henriques que seria confirmado também por D. Afonso II em 1218. durante as duas primeiras dinastias, Évora reviu, por largos períodos, de capital do reino, nela reuniram-se cortes 12 vezes, entre 1282 e 1535. 
Ficaram celebres os tumultos de Évora, durante a crise de 1383-1385, em apoio do Mestre de Avis, colocando sobre prisão no castelo desta cidade em 1382.

D. Duarte constrói n'ela o edifício depois denominado Palácio de D. Manuel, onde casa em 1421.
Em 1437 realizam-se em Évora as cortes que precederam a infeliz empresa de Tânger.
D. Afonso V viveu durante vários anos nesta cidade, e n'ela iniciou D. João II o golpe decisivo contra a nobreza ao fazer decapitar a 20 de junho, na Praça do Geraldo, culpado por conspiração, o Duque de Bragança D. Fernando II. 
D. Manuel I teve a sua corte em Évora até 1511 e D. João II a partir de 1531.

História da Pátria Portuguesa (1937)
Publicação da Livr. Simões Lopes Domingos Barreira, Porto,1937
Ilustrações de Raquel Roque Gameiro (1889-1970)

Évora, com os lendários escritos de Manuelinho, viria a ser palco dos motins de 1637 que contribuíram decisivamente para o contagio da clima de crispação propicio e motivador da Restauração de Portugal em 1640.  


Com efeito, no dia 21 de Agosto de 1637, eclode em Évora um movimento popular em que o povo da cidade se amotina contra o aumento dos impostos decretado pelo governo dos Filipes. A elevação do imposto do real de água e a sua generalização a todo o Reino de Portugal, bem como o aumento das antigas sisas, fez aumentar a indignação geral, explodindo em protestos e violências. O povo de Évora deixou de obedecer aos fidalgos e desrespeitou o Arcebispo.

Os principais responsáveis pela revolta terão sido o Procurador e o Escrivão do povo. No entanto, as ordens para o movimento apareceram assinadas pelo "Manuelinho", um pobre tolo daquela cidade alentejana. Esta era uma forma de manter o anonimato dos impulsionadores.

Durante o movimento foram queimados os livros dos assentos das contribuições reais e acometidas algumas casas. Nem os nobres, nem os adeptos de Castela, se dispuseram a enfrentar a multidão enfurecida.

O movimento rapidamente se alastrou a outras partes do reino, com a intenção de depôr a Dinastia Filipina e entronizar novamente uma Dinastia portuguesa. Desse modo eclodiram insurreições e motins em localidades como Portel, Sousel, Campo de Ourique, Vila Viçosa, Faro, Loulé, Tavira, Albufeira, Coruche, Montargil, Abrantes, Sardoal, Setúbal, Porto, Vila Real e Viana do Castelo.

O movimento insurreccional não conseguiu destituir o Governo em Lisboa, sucumbindo ao reforço de tropas castelhanas que vieram em seu auxílio para reprimir a revolução.

COROAÇÃO DE D. JOÃO IV (1908) 
Quadro de Veloso Salgado (1864-1945).
Óleo sobre tela (325 x 285 cm) 
Museu Militar (Sala Restauração), Lisboa.
Ainda assim, o rastilho aqui aceso foi o início daquilo que se tornou a Revolta dos Conjurados e que culminou com a aclamação de João IV de Portugal em 1 de Dezembro de 1640.


Desta feita, vemos associado a História de Portugal uma pobre personalidade, cuja única participação nos feitos que lhe são atribuídos foi apenas a cadencie involuntária da sua identidade, utilizada para, de forma descarada, acobertar os verdadeiros organizadores do movimento. 
Fica a curiosidade de quantos "Manuelinhos" são ainda encomendados nos dias de hoje.... 


Fontes:
Évora, Guia Turístico de A a Z, Circulo de Leitores, 1990;
A Revolta do Manuelinho, mapa, Jornal de Informação e Crítica, Delfim Canedas, 26 MARÇO, 2013;
Revolta do Manuelinho, Wikipédia;

domingo, 28 de junho de 2020

Palacete das Lousas, (Escola Prática Comercial Raul Dória), Porto

Palacete das Lousas, Escola Prática Comercial Raul Dória
Fachada Principal do Corpo Administrativo Escolar
Foto in Ilustração Portuguesa, nº563, 4 de Dezembro de 1916 
O Palacete das Lousas, um esplendoroso e rico edifício,  terá sido construído em finais do século XIX, provavelmente como símbolo do sucesso de um empresário portuense, localizava-se entre a Rua de Gonçalo Cristóvão, nos números 189 e 191 e  o Largo de Camões, numa zona de natural elevação que lhe proporcionava uma maior imponência, principalmente quando visto do Largo.

Palacete das Lousas, Escola Prática Comercial Raul Dória
Fachada Posterior do Corpo Administrativo Escolar
Foto in Ilustração Portuguesa, nº563, 4 de Dezembro de 1916

No Largo de Camões tinha sido inaugurado em 27 de Novembro de 1886 o Novo Teatro Camões, que pouco tempo depois, em 1887, passou a chamar-se Teatro Chalet e que seria demolido em 1899 para ser ampliado o horto. Também neste largo, na década de 30 do século passado, com as suas típicas casas de pasto em redor, estacionavam as camionetas de passageiros que serviam as zonas arrabaldinas do lado oriental da cidade.

Antigo Horto Municipal, na rua de Camões
No alto, o Palacete das Lousas
Foto de autor não identificado, 1903, CPF
Junto do manancial de Camões também funcionou, durante muitos anos, o Horto Municipal(que hoje ocuparia, se existisse nesse local, a área afecta à Estação de Metro da Trindade). Desapareceu quando, em 1938, o caminho-de-ferro do Porto à Póvoa se estendeu da Boavista até à Trindade. 
Até ali, a via férrea tinha o seu términos na estação da Boavista, junto à Avenida da França. Já tudo desapareceu para dar lugar ao metro. Sinais dos novos tempos.

A Escola Prática Comercial Raul Dória
Ilustração Portuguesa, nº563, 4 de Dezembro de 1916
A Escola Raul Montes da Silva Dória, foi um estabelecimento de ensino particular, fundado na cidade do Porto a 30 de Novembro de 1902, por Raul Montes da Silva Dória. Vocacionada para o ensino técnico comercial, a Escola Prática Comercial Raul Dória teve início na Monarquia, passou pela Primeira República e veio até ao ano lectivo de 1963/1964. Instalada durante dois anos na rua do Bonjardim, rapidamente sentiu necessidade de mudar de instalações, o que ocorreu em 1904 para a rua Fernandes Tomás, onde veio a permanecer três anos, altura em que se fixou definitivamente no denominado Palácio das Lousas, após as necessárias obras de adaptação, a 9 de Outubro de 1907.
Na inauguração das novas instalações, contou com a presença de seu pai, Silva dória, um industrial da alfaiataria e com a presença da imprensa, tendo marcado presença: O Primeiro de Janeiro; O Diário Nacional; A Palavra; O Jornal de Notícias; O Correio do Norte; A Voz Pública; O Comércio do Porto; O Diário da Tarde; O Norte; O Mundo, de Lisboa; A Vanguarda, de Lisboa e O Progresso da Foz.

Edifício do Jornal de Noticias, Porto, 2009
No decorrer dos anos quarenta deflagrou um incêndio na Escola, que destruiu parte da parte superior, em consequência do qual se levaram a cabo obras de alteração no edifício, conforme consta dos “projectos para a alteração do edifício: alçada principal e posterior, lateral esquerda e lateral direita”datado de 1949. A Escola Prática Comercial Raul Dória fechou as suas portas no final do ano lectivo de 1963/1964, ao fim de 62 anos de actividade. Com o encerramento da Escola, o Palacete das Lousas que albergou a Escola durante 57 anos, foi vendido e demolido em 1968 para no seu local se construir a nova sede do Jornal de Notícias.
Em 1990, procurando homenagear o antigo estabelecimento, foi fundada uma nova Escola Profissional Raul Dória que atualmente funciona no n.º 93 da Praça da República.



Fontes:

"A Escola Prática Comercial Raul Dória: Memória de um Espaço de Ensino Comercial (1902-1964)" - UNIVERSIDADE DO PORTO – FACULDADE DE LETRAS - DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA E EDUCAÇÃO - Mário Lázaro Santos Vieira, Porto, 2010; Pode consultar aqui.

Chalet Fiuza, Parede, Cascais


Chalet ou Villa Fiuza - Colégio de Portugal
Em frente à Estação de Comboios de Parede
Bilhete Postal Ilustrado, c.1930
1930 Chalet Fiúza (Estação Comboios de Parede)


O Chalet Fiuza, Villa Fiuza ou o Castelinho da Parede, localizava-se junto à Estação do Caminho-de-ferro da Parede, precisamente onde hoje se encontra um prédio descaracterizado na intercepção da Rua Dr. Dionísio Camilo Alvares coma Rua Marquês Pombal. O Chalet foi mando construir no ultimo quartel do século XIX por Maria Fiúza da qual adoptaria o apelido e foi projectado Gaston Landecks, responsável por muitos outros projectos na Linha de Cascais.



Chalet ou Villa Fiuza - Colégio de Portugal
Em frente à Estação de Comboios de Parede
Bilhete Postal Ilustrado, c.1962




A partir de 1938 funcionou no Chalet Fiuza "Castelinho" , na sua fase inicial, o Colégio Pedro Alvares Cabral mais tarde designado Colégio Portugal reconhecido por Alvará n.º 484 de 20 de Maio de 1941 para os 1.º; 2.º; e 3.º Ciclos do ensino Básico. Tendo sido autorizado o Ensino Secundário em 23 de Fevereiro de 1948.

O  Colégio esteve instalado no Chalet no mesmo período em que a SMUP - Sociedade Musical Uniao Paredense, se instalara no edifício vizinho, onde permanece actualmente, depois das recentes obras de reabilitação. 

Antes de ter acolhido o Colégio de Portugal, no pequeno Chalet terá funcionado o primeiro Casino da Linha de Cascais, Casino-Oceano.
A ultima função do edifício foi envergar grandes cartazes publicitários, quando já se encontrava em pleno abandono e avançado estado de degradação.


Chalet ou Villa Fiuza, Parede
Foto de autor desconhecido, c1900

O edifício acabaria por ser demolido em finais da década de 80, inicio da década de 90, existem rumores de que as suas pedras foram numeradas e as mesmas embarcaram rumo à América e lá foram empilhadas ordenadamente como de um puzzle se tratasse, certo é que ninguém sabe precisar o lugar onde supostamente se encontra actualmente



Estação de Parede e Chalet Fiuza.
Linha de Cascais.
Bilhete Postal Ilustrado, c.1900.

Parede


"Tem uma magnífica praia de banhos, e é hoje considerada como uma das mais importantes do concelho. […] Ainda não há 80 anos era pouco conhecida a praia de Parede, vendo-se apenas algumas barracas de pescadores, pequenas e pobres na povoação que fica ao Norte na estrada real. Desde então começaram-se a edificar vários chalets, mais ou menos importantes, e hoje são numerosas as construções, e vão ali passar muitas famílias de Lisboa, e de outros pontos, a época balnear. Parede era uma povoação vinhateira. Os rectângulos de terreno que se viam em grande quantidade, e de que hoje ainda alguns se vêem circundados por muros de pedra solta, eram vinhas que produziam o bom vinho de Carcavelos, e que a filoxera destruiu por completo. Justifica isto, também, a grande aridez, a ausência quase completa de árvores, que se notava ali, mas que hoje, graças aos cuidados dos modernos proprietários vão desaparecendo, pois em torno de muitos chalets vêem-se magníficos maciços de verdura. […] O que torna ainda mais importante aquela pitoresca povoação é o Sanatório de Santana, estabelecimento de caridade, fundado por uma benemérita senhora."
 PEREIRA, Esteves ; RODRIGUES, Guilherme – Portugal : dicionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático e artístico. Lisboa : João Romano Torres, 1904. Vol. I, p. 445.

Arquitecto Paul Leonard Gaston Landeck



Paul Leonard Gaston Landeck(1874-1951)
Paul Leonard Gaston Landeck, nasceu em Londres em 1874 e faleceu em Lisboa em 1951.

Gaston Landeck, como ficaria conhecido profissionalmente, era filho de um alemão Bernhard Landeck, professor de línguas e de uma francesa. 

Aos 15 anos vem para Portugal acompanhando a família que viria trabalhar para Cascais, aos 21 anos de idade começa a destacar-se como desenhador de edifícios com traços apreciados na arquitectura da época. 
A facilidade com que explorava os revivalismos, a casa à portugueza e as inovações espaciais, sem grandes decorações e com um desenho arquitectónico sóbrio, atraiu inevitavelmente a burguesia veraneante. A imagem que nos transmite revela despojamento e sofisticação. 

Gaston Landeck torna-se no desenhador de eleição dos proprietários. A quantidade significativa de projectos de sua autoria existentes em arquivo da Caâmara Municipal de Cascais assim o comprovam.
Todavia, foi no Estoril que Gaston Landeck elaborou alguns dos seus projectos mais interessantes. Esta zona foi propícia à construção de residências de veraneio, em maior número que em Cascais. 

Fora do concelho de Cascais há um projeto conhecido de sua autoria: o Palácio Sotto Mayor, na Figueira da Foz, construção imponente realizada para o banqueiro Joaquim Felisberto da Cunha Sotto Mayor. Em 1937 naturalizou-se português e era desenhador na Administração Geral do Porto de Lisboa.

Fontes:


Semanário Ilustrado - Branco e Negro, N.º 31, I.º Anno, Lisboa, 1 de Novembro de 1896;
"O Passado Nunca Passa" - Catalogo da colecção de José Santos Fernandes, Professor João Medina (UUL);
"Arquivo de Cascais : História, Memória, Património" - João Miguel Henriques, Maria Conceição Santos, Henriques, João Miguel Santos, Maria Conceição, 2015;

Extinto Palacete Neo-Manuelino do Campo Grande, Lisboa

Palacete Neo-Manuelino do Campo Grande, c. 1910
Foto de Paulo Guedes - Arquivo Municipal de Lisboa
O Palacete Neo-Manuelino do Campo Grande terá sido mandado construir em 1918, por indicações especificas de João Maia Gomes, seu proprietariado.   
Localizava-se no extinto n.º 123 da Rua Ocidental do Campo Grande, contornando para a antiga Estrada de Malpique (zona da actual Faculdade de Farmácia). 

O palacete foi um excelente exemplo da corrente arquitectónica revivalista que se desenvolveu entre meados do século XIX e inicio do século XX.  

Durante este período, esta foi a corrente arquitectónica correspondente ao romantismo português, mais utilizada, essencialmente, devido à tendência em assumir carácter nacionalista na construção de grandes palacetes, esta tendência só viria a cair em desuso com a introdução da Arte Nova, responsável por uma nova roupagem do romântico na arquitectura em Portugal. 


Todavia, e apesar da riqueza arquitectónica envergada por todo o edifício, o mesmo viria a ser demolido no ano de 1951, em virtude do desenvolvimento daquela zona do Campo Grande muito às custas da construção da Cidade Universitária.



Prédio de gaveto entre o n.º 111 da Rua do Campo Grande e o n.º 2 da Rua Dr. João Soares 
Google Maps, 2019


Todo o quarteirão de prédios em estilo "português suave" iniciados  nos finais da década de 1950 com os nºs 111 a 115 do Campo Grande a Nascente e os nºs 2 a 18 da Rua Dr. João Soares a Poente e a Sul, foram construídos em deterimento da demolição de várias casas senhoriais, de entre elas, consta o ilustre Palacete Neo-Manuelino que se localizava no gaveto onde hoje existe um prédio de quatro andares, precisamente no n.º 2 da Rua João Soares e o n.º 111 do do Campo Grande.


Em todo o quarteirão, existe apenas um único edifício contemporâneo do palacete e se encontra perfeitamente preservado, trata-se de uma casa tipo "chalet" que sobreviveu até aos nossos dias e que terá sido "vizinha" do Palacete, localizada no actual n.º 20 da Rua Dr. João Soares.


Mário Alberto Nobre Lopes Soares (1924-2017)
17.º Presidente da Republica Portuguesa
Foto de Alfredo Cunha,1986.

Curioso é o facto de que o 3.º andar do atual nº 2 da rua João Soares - à época rua de Malpique, tornou-se, anos mais tarde, a residência de Mario Soares e Maria Barroso. E assim foi até ambos falecerem, Maria Barroso em julho de 2015 e Mário Soares no dia 7 de janeiro de 2017. Esta casa era arrendada, mas o recheio vale uma fortuna: obras de arte e uma extensa biblioteca também constam da herança.



sábado, 27 de junho de 2020

Mosteiro de São Bento de Avé-Maria, o templo sacrificado para a construção da Estação de São Bento, Porto

Convento de São Bento de Avé-Maria
Fachada voltada para a Praça Almeida Garrett
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
O Mosteiro de São Bento de Avé-Maria foi um edifício que que albergou freiras beneditinas, demolido no final do século XIX, localizava-se no Largo de S. Bento (actual Praça de Almeida Garrett), cidade do Porto.
Estação de São Bento, Porto
Foto editada de Eurodicas Turismo, 2019
No seu local, no inicio do século XX, foi construída a actual Estação Ferroviária de São Bento, cujo nome foi atribuído em homenagem ao antigo mosteiro.

História

Mandado construir dentro dos muros da cidade, no local chamado das Hortas do Bispo por El-Rei D. Manuel I, no início do século XVI, o Mosteiro da Ave-Maria ou da Encarnação das monjas de São Bento(religiosas beneditinas), seria inaugurado no dia de Reis do ano de 1535, já no reinado de D. João III, depois de concluido a mando deste pelo  mestre de pedreiro João Lopes o Velho.
Convento de São Bento de Avé Maria,
Fachada da igreja,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
Inicialmente o Mosteiro teve como objectivo transferir as religiosas dos locais mais remotos para dentro da cidade. No século XVI recebeu algumas freiras de um extinto mosteiro em Macieira de Sarnes. Foi a sua primeira abadessa D. Maria de Melo, monja de Arouca e, ao mesmo tempo, regedora do Mosteiro de Tarouquela.

Mais tarde começou a receber mulheres com alguma condição social que ali se quiseram recolher, nomeadamente filhas de nobres que não conseguiram fazer casamentos satisfatórios, numa época em que as mulheres dependiam de um bom casamento para manterem a sua condição social. 
Convento de São Bento de Avé-Maria,
Sacristia,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
De três em três anos, quando da eleição das novas abadessas, realizavam-se os chamados Outeiros ou Abadessados para os quais eram convidados familiares e amigos das freiras e internas, figuras da sociedade e poetas famosos desse tempo. Eram uma espécie de serões culturais, que duravam três noites e terminavam altas horas da madrugada.

A eles assistiam muitas pessoas e sobressaíam poetas repentistas. Camilo, Guerra Junqueiro, Xavier de Novais, Alberto Pimentel, Guilherme Braga e tantos outros eram costumeiros destas diversões.

Convento de São Bento de Avé-Maria,
Fachada da igreja,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
Vários testemunhos referem-se ao Real Convento como uma maravilha em decoração e magnificência, deduzindo-se ter predominado inicialmente o estilo manuelino e mais tarde o barroco(século XVII) e barroco tardio (século XVIII). Deduz-se, pois foram muitas as alterações e aditamentos qua a igreja e o convento sofreram durante os anos, a última motivada por um incêndio em 1783, que ao tempo da demolição apenas restava um arco manuelino da traça primitiva. O responsável pela grande ultima intervenção na arquitectura do Mosteiro foi Manuel Álvares, na sequência do referido incendeio, é dele o riscado da ultima planta que o Mosteiro  apresentou.

Convento de São Bento de Avé-Maria,
Claustro,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.

Com a afirmação do Liberalismo no início do século XIX, as Ordens Religiosas são extintas com a publicação do famoso decreto de 1834, façanha de Joaquim de António de Aguiar, mais conhecido por “mata frades”.

Esse famoso decreto promovia a extinção imediata das ordens religiosas masculinas, a proibição de que novas freiras professassem os seus votos e a extinção dos conventos por morte da última freira que lá residisse nesse ano. O mesmo decreto determinava que os bens passassem a pertencer ao Estado. 

A portaria governamental que mandava demolir o convento das freiras beneditinas de S. Bento da Ave Maria, para no seu lugar se construir a estação central dos caminhos-de-ferro da cidade, foi publicada em 5 de Novembro de 1888.

No caso do Mosteiro da Avé Maria, a ultima freira terá falecido em 1892, ficando as instalações devolutas. 

A partir daí as instalações começaram a ficar devolutas, abrindo então caminho para a construção da estação de São Bento.
Demolição da Igreja do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria
Foto de autor desconhecido, c.1900
Arquivo Monumentos Desaparecidos
A demolição dos claustros inicia-se cerca de 1894 e a da igreja processa-se entre Outubro de 1900 e Outubro de 1901. As ossadas das monjas foram recolhidas numa catacumba mandada construir no cemitério do Prado do Repouso pela Câmara Municipal do Porto, em 1894.
Escombros da demolição da Igreja do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria
Foto, Jornal Público, 1901.
Muito do seu espólio perdeu-se por altura da demolição, incluindo uma grande variedade de azulejos-tapete, alguns dos quais foram recolhidos por Rocha Peixoto. O que resta do espólio pode apreciar-se no Museu do Seminário do Porto (talha), na Igreja de São João das Caldas em Vizela (retábulo-mor da igreja), Paço de S. Cipriano em Guimarães (azulejos do claustro), no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa (báculo da Abadessa) e no Mosteiro de Singeverga em Roriz (cibório com pedras finas).


As imagens da imponente igreja foram adornar altares de outros templos; a confraria do Senhor do Bonfim comprou o órgão; e os ossos das religiosas, que jaziam debaixo do soalho da igreja e sob o lajedo do claustro, foram levados para um sarcófago no cemitério do prado do Repouso que ficou assinalado com um belíssimo pórtico manuelino, velha relíquia salva da construção do tempo de D. Manuel I. 

Curiosidade 1

Em 1888, engenheiros e pessoal das Obras Públicas “invadiram” a clausura e começaram a tirar medidas com o propósito de dar início aos trabalhos de demolição. O mosteiro ainda estava habitado. À frente dos funcionários apareceu uma abadessa que lhes disse de forma calma e serena: 
- “podem tomar quantas medidas quiserem que o convento não vai a terra enquanto aqui houver religiosas; temos muita fé no nosso patriarca S. Bento que nos ouve e o milagre vai acontecer: ou o ministro morre ou cai o ministério…”

O ministro que era o Emídio Navarro não morreu, mas demitiu-se dias depois da pasta das Obras Públicas. O convento só começou a ser arrasado após a morte, em 17 de Maio de 1892, da última abadessa, D. Maria da Glória Dias Guimarães.

Desde então, subsistem várias histórias, entre as quais de que em certas noites, ainda é possível ouvir as rezas da última abadessa a ecoar pelos corredores das alas da estação!

Curiosidade 2

No subsolo da praça frente à Estação (Praça de Almeida Garrett) circula o Rio da Vila que resulta, naquele local, da junção de dois ribeiros: um nascido na Praça do Marquês e outro no Bolhão.

A estação de comboios de São Bento, no Porto, foi considerada uma das 14 mais belas do mundo pela revista norte-americana Travel+Leisure. Os painéis de azulejos azuis e brancos de Jorge Colaço, que enchem as paredes desta estação da Linha do Minho, colocaram o edifício na mesma lista de outras paragens ferroviárias como a neoclássica Gare du Nord, em Paris, ou Atocha, em Madrid.

Fontes:
O Mosteiro de São bento de Ave-Maria do Porto, 1518-1899, Uma Arquitectura no Século XVIII, Volume I, Isabel Maria Ribeiro Tavares de Pinho, Porto, 2000.
Rádio Portuguesa, A Voz da Invicta;
Wikipédia;