sábado, 27 de junho de 2020

Mosteiro de São Bento de Avé-Maria, o templo sacrificado para a construção da Estação de São Bento, Porto

Convento de São Bento de Avé-Maria
Fachada voltada para a Praça Almeida Garrett
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
O Mosteiro de São Bento de Avé-Maria foi um edifício que que albergou freiras beneditinas, demolido no final do século XIX, localizava-se no Largo de S. Bento (actual Praça de Almeida Garrett), cidade do Porto.
Estação de São Bento, Porto
Foto editada de Eurodicas Turismo, 2019
No seu local, no inicio do século XX, foi construída a actual Estação Ferroviária de São Bento, cujo nome foi atribuído em homenagem ao antigo mosteiro.

História

Mandado construir dentro dos muros da cidade, no local chamado das Hortas do Bispo por El-Rei D. Manuel I, no início do século XVI, o Mosteiro da Ave-Maria ou da Encarnação das monjas de São Bento(religiosas beneditinas), seria inaugurado no dia de Reis do ano de 1535, já no reinado de D. João III, depois de concluido a mando deste pelo  mestre de pedreiro João Lopes o Velho.
Convento de São Bento de Avé Maria,
Fachada da igreja,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
Inicialmente o Mosteiro teve como objectivo transferir as religiosas dos locais mais remotos para dentro da cidade. No século XVI recebeu algumas freiras de um extinto mosteiro em Macieira de Sarnes. Foi a sua primeira abadessa D. Maria de Melo, monja de Arouca e, ao mesmo tempo, regedora do Mosteiro de Tarouquela.

Mais tarde começou a receber mulheres com alguma condição social que ali se quiseram recolher, nomeadamente filhas de nobres que não conseguiram fazer casamentos satisfatórios, numa época em que as mulheres dependiam de um bom casamento para manterem a sua condição social. 
Convento de São Bento de Avé-Maria,
Sacristia,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
De três em três anos, quando da eleição das novas abadessas, realizavam-se os chamados Outeiros ou Abadessados para os quais eram convidados familiares e amigos das freiras e internas, figuras da sociedade e poetas famosos desse tempo. Eram uma espécie de serões culturais, que duravam três noites e terminavam altas horas da madrugada.

A eles assistiam muitas pessoas e sobressaíam poetas repentistas. Camilo, Guerra Junqueiro, Xavier de Novais, Alberto Pimentel, Guilherme Braga e tantos outros eram costumeiros destas diversões.

Convento de São Bento de Avé-Maria,
Fachada da igreja,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.
Vários testemunhos referem-se ao Real Convento como uma maravilha em decoração e magnificência, deduzindo-se ter predominado inicialmente o estilo manuelino e mais tarde o barroco(século XVII) e barroco tardio (século XVIII). Deduz-se, pois foram muitas as alterações e aditamentos qua a igreja e o convento sofreram durante os anos, a última motivada por um incêndio em 1783, que ao tempo da demolição apenas restava um arco manuelino da traça primitiva. O responsável pela grande ultima intervenção na arquitectura do Mosteiro foi Manuel Álvares, na sequência do referido incendeio, é dele o riscado da ultima planta que o Mosteiro  apresentou.

Convento de São Bento de Avé-Maria,
Claustro,
Foto de autor desconhecido, 1890-1894;
Arquivo Gisa, CMP.

Com a afirmação do Liberalismo no início do século XIX, as Ordens Religiosas são extintas com a publicação do famoso decreto de 1834, façanha de Joaquim de António de Aguiar, mais conhecido por “mata frades”.

Esse famoso decreto promovia a extinção imediata das ordens religiosas masculinas, a proibição de que novas freiras professassem os seus votos e a extinção dos conventos por morte da última freira que lá residisse nesse ano. O mesmo decreto determinava que os bens passassem a pertencer ao Estado. 

A portaria governamental que mandava demolir o convento das freiras beneditinas de S. Bento da Ave Maria, para no seu lugar se construir a estação central dos caminhos-de-ferro da cidade, foi publicada em 5 de Novembro de 1888.

No caso do Mosteiro da Avé Maria, a ultima freira terá falecido em 1892, ficando as instalações devolutas. 

A partir daí as instalações começaram a ficar devolutas, abrindo então caminho para a construção da estação de São Bento.
Demolição da Igreja do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria
Foto de autor desconhecido, c.1900
Arquivo Monumentos Desaparecidos
A demolição dos claustros inicia-se cerca de 1894 e a da igreja processa-se entre Outubro de 1900 e Outubro de 1901. As ossadas das monjas foram recolhidas numa catacumba mandada construir no cemitério do Prado do Repouso pela Câmara Municipal do Porto, em 1894.
Escombros da demolição da Igreja do Mosteiro de São Bento da Avé-Maria
Foto, Jornal Público, 1901.
Muito do seu espólio perdeu-se por altura da demolição, incluindo uma grande variedade de azulejos-tapete, alguns dos quais foram recolhidos por Rocha Peixoto. O que resta do espólio pode apreciar-se no Museu do Seminário do Porto (talha), na Igreja de São João das Caldas em Vizela (retábulo-mor da igreja), Paço de S. Cipriano em Guimarães (azulejos do claustro), no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa (báculo da Abadessa) e no Mosteiro de Singeverga em Roriz (cibório com pedras finas).


As imagens da imponente igreja foram adornar altares de outros templos; a confraria do Senhor do Bonfim comprou o órgão; e os ossos das religiosas, que jaziam debaixo do soalho da igreja e sob o lajedo do claustro, foram levados para um sarcófago no cemitério do prado do Repouso que ficou assinalado com um belíssimo pórtico manuelino, velha relíquia salva da construção do tempo de D. Manuel I. 

Curiosidade 1

Em 1888, engenheiros e pessoal das Obras Públicas “invadiram” a clausura e começaram a tirar medidas com o propósito de dar início aos trabalhos de demolição. O mosteiro ainda estava habitado. À frente dos funcionários apareceu uma abadessa que lhes disse de forma calma e serena: 
- “podem tomar quantas medidas quiserem que o convento não vai a terra enquanto aqui houver religiosas; temos muita fé no nosso patriarca S. Bento que nos ouve e o milagre vai acontecer: ou o ministro morre ou cai o ministério…”

O ministro que era o Emídio Navarro não morreu, mas demitiu-se dias depois da pasta das Obras Públicas. O convento só começou a ser arrasado após a morte, em 17 de Maio de 1892, da última abadessa, D. Maria da Glória Dias Guimarães.

Desde então, subsistem várias histórias, entre as quais de que em certas noites, ainda é possível ouvir as rezas da última abadessa a ecoar pelos corredores das alas da estação!

Curiosidade 2

No subsolo da praça frente à Estação (Praça de Almeida Garrett) circula o Rio da Vila que resulta, naquele local, da junção de dois ribeiros: um nascido na Praça do Marquês e outro no Bolhão.

A estação de comboios de São Bento, no Porto, foi considerada uma das 14 mais belas do mundo pela revista norte-americana Travel+Leisure. Os painéis de azulejos azuis e brancos de Jorge Colaço, que enchem as paredes desta estação da Linha do Minho, colocaram o edifício na mesma lista de outras paragens ferroviárias como a neoclássica Gare du Nord, em Paris, ou Atocha, em Madrid.

Fontes:
O Mosteiro de São bento de Ave-Maria do Porto, 1518-1899, Uma Arquitectura no Século XVIII, Volume I, Isabel Maria Ribeiro Tavares de Pinho, Porto, 2000.
Rádio Portuguesa, A Voz da Invicta;
Wikipédia;

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