sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Pensão e Restaurante Barros, Aveiro (Extinto)

Foto Editada: Delcampe.net

A Pensão e Restaurante Barros foi um icónico edifício da cidade de Aveiro construído estrategicamente ao pé da Estação de Caminhos de Ferro para dar apoios aos forasteiros que iam chegando na cidade.

O edifício constituído por três andares, apresentava uma planta rectangular longitudinal, que preenchia o gabeto da intercepção da Rua do Dr. João de Moura, rua da estação para a qual voltava a sua principal fachada e a Rua Almirante Cândido dos Reis, rua para a qual voltava a sua fachada mais estreita.

Recorte: Fátima Zegallo
A pensão foi manda construir por Manuel José de Barros, um empresário local, que viria a explorar o edifício no ramo de hotelaria e restauração juntamente com o seu irmão. O negócio fluiu até cerca da década de 1970, momento a partir do qual se dá uma separação entre os serviços de hotelaria, cuja a actividade demonstrava já um certo declínio, e restauração cuja espaço passa a ser denominado de "Jagunço" para se diferenciar do antigo Restaurante Barros. Todavia os estabelecimentos haviam de fechar até os finais do século XX, permanecendo devoluto desde então, vindo a deteriorar-se gradualmente até começar a constituir uma ameaça publica.

Numa acta de e de julho de 2004, resultante de uma reunião pública na sala de reuniões do Edifício dos Paços do Concelho de Aveiro, num ponto de Intervenção do Público, um popular, Sr. Pinto" Felicitou o Sr. Presidente pelo facto de já estar a ser restaurada a Pensão Barros, junto à Estação dos Caminhos de Ferro.", que deixa perceber que pelo inicio do século XXI, o município teve a intenção de preservar o edifício, contudo esta intervenção terá tido como objectivo a verificação do estado da fachada e a manutenção da segurança pública, uma vez que o município vinha já a desenvolver um projecto de transformação da Rua de João de Moura.

Foto Editada: Delcampe.net
Com efeito a inauguração da nova Estação dos Caminhos de Ferro de Aveiro em outubro de 2005,  veio dinamizar um pouco uma zona que se encontrava estagnada e devolver a esperança para o comércio local, ao contrário do belíssimo edifício da antiga estação que permanece até hoje sem uma nova função.  Com esta nova construção, o município pretende transformar a Rua de João de Moura,  os moradores e comerciantes da artéria pressionam a câmara municipal com essa reivindicação. Em causa, para a abertura da pretendida avenida, estava a demolição da Pensão Barros e edifícios contíguos, há vários anos largados ao abandono e cuja demolição era condição essencial para o efeito.

Foto: Tiago Mendonça, 2017
Em relação as demolições que necessitavam ser efectuadas para a viabilização do projecto da nova via, haviam das condicionantes impeditivas, por um lado o avultado valor que teriam que desembolsar para adquirir os prédios a demolir, por outro, o valor simbólico que a Pensão representava para a memória da cidade de Aveiro. 
Todavia, a situação precipitou-se em maio de 2017, durante dois dias, a Câmara de Aveiro manteve a circulação cortada no início da Rua João de Moura, junto à estação da CP, pelo facto do prédio ter manifestado o desabamento do telhado e derrocada no seu interior, assim e sem mais demoras a câmara viu-se na necessidade de intervir com a demolição do edifício até ao nível do primeiro piso, para segurança de circulação na via pública.

Quase um ano depois, em março de 2018, a Câmara Municipal promovei a demolição integral do edifício, apesar da sua venda estar ainda em negociações, as vistorias já efectuadas e relatórios técnicos que apontam para a demolição, uma vez  que comportava uma situação de risco elevado

O perímetro teve isolado durante 4 dias, tempo necessário para efectuar a demolição e recolher os escombros.  Numa entrevista ao Público, Carlos Santos, vereador responsável pelas Obras Municipais, terá se manifestado sobre um eventual projecto para a construção de uma unidade hoteleira no edifício da antiga pensão. Sobre este assunto o vereador acrescenta que "o projecto do hotel prevê um recuo razoável", para não interferir com o projecto da futura avenida, aida que realçando se tratar de mera suposição.

Foto: António Baptista, 2018
Hoje, o terreno encontra-se desocupado, o projecto para a nova avenida ainda não arrancou e o projecto para a construção de um novo hotel, encontra-se cada vez mais distante.
Que bom seria que ao invés da construção de um novo hotel, o emblemático edifício da antiga estação fosse reabilitado e quem sabe convertido num pequeno hotel ou pensão. 

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

A Casa de "Ti Ana", A Bruxa da Arruda dos Vinhos

Imagem: Arquivo RTP, 1999
Arruda dos Vinhos possui vestígios de ocupação Pré-histórica, nomeadamente na freguesia do Casal das Antas, onde se encontra a  "Anta de Arruda", escavada por José Leite de Vasconcelos em 1898, mas anteriormente referenciada pelo Padre Belchior da Cruz em 1883, fazia parte de um conjunto de monumentos funerários existente nesta localidade. Todavia esta estrutura havia sido destruída na década de 1970, hoje em dia não existem vestígios destes monumentos funerários no concelho.
Das escavações realizadas por Leite de Vasconcelos no "Antal de Arruda" apareceram inúmeros artefactos, nomeadamente “instrumentos de pedra polida, duas lâminas de sílex, dois punhais ou lanças, uma conta de colar, fragmentos de ídolos cilíndricos em calcário, um fragmento de placa de xisto decorada, dois fragmentos em cerâmica, um deles decorados e ossos humanos", que foram depositados no Museu Nacional de Arqueologia.

Quanto ao povoamento da vila todas os indícios apontam que surgiu desde muito cedo nas margens do maior curso de água da região, o Rio Grande da Pipa. A fertilidade dos solos e a presença de água tornou o local apetecível para a fixação de comunidades humanas, provas desta ocupação são as Antas da Povoação de Antas, o mesmo aconteceu com a fixação romana. Mas no que respeita ao topónimo "Arruda" como nome do lugar, existem algumas controvertias que têm vindo a acompanhar a história da sua existência.

Em botânica, "arruda", é uma planta da família das Rutáceas, também denominada como arruda-fedida, arruda-doméstica, arruda-dos-jardins, ruta-de-cheiro-forte. Subarbusto originário do sul da Europa, de qualidades terapêuticas, muito cultivado nos jardins em todo o mundo, devido às suas folhas, fortemente aromáticas. Atinge até um metro de altura, apresentando haste lenhosa, ramificada desde a base.
Alguns autores defendem que o nome deriva da abundância do arbusto na região, podendo ser mais um dos casos em que as terras buscam os nomes nas suas plantas nativas. Neste sentido o nome terá sido aplicado depois do século VIII com a conquista muçulmana da região, estando o topónimo Arruda, associado ao étimo árabe "al-rawda" que significa jardim, campo ou prado, e que em árabe clássico se pronuncia "ar-rauda".
A importância da presença do arbusto era inquestionável, com efeito, durante a época medieval a localidade era conhecida como sendo protegida das epidemias e pestes que assolavam o pais, dizimando milhares de pessoas, sendo este feito associado às propriedades terapêuticas da planta.

Nesse sentido, no inicio do século XVI, também D. Manuel I e a sua corte aqui procuraram refugio durante uma temporada em que a peste voltava a ameaçar Lisboa. Saindo são e salvo deste episódio, em agradecimento, reedificou a Igreja da vila cunhando-lhe o seu estilo no pórtico e dedicando-a ao orago de Nossa Senhora da Salvação.  Estas obras deverão ter ocorrido por volta de 1517, ano em que  D. Manuel lhe atribuiu foral.

Por outro lado, outros estudiosos apontam outro caminho para justificar a origem do topónimo, remetendo para o contexto histórico, em que "Arruta" é referenciada por D. Afonso Henriques num documento guardado na Torre do Tombo, datado de Coimbra, do ano de 1172. 

Outra teoria aponta para que a origem do topónimo "Arruda" esteja na verdade relacionado com a palavra "rota", durante vários século Arruda dos vinhos era na verdade a rota dos vinhos e consequentemente o maior centro de comércio do sector, na região. Com base na sua localização geográfica, pela sua disposição territorial como ponto de passagem da rota dos vinhos do oeste e ainda à fertilidade dos seus próprios terrenos associada à produção vinícola. Os vinhos de Torres Vedras, Dois Portos, seriam escoados até ao Tejo, seguindo para exportação em navios mercantes. Arruda era também rota de passagem dos Caminhos de Santiago, pela Freguesia de Santiago que, segundo consta, foi fundada por cruzados no século XII.


As primeiras referencias a vila de Arruda aparecem documentadas por volta de 1160, altura em que D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal, lhe concede Foral, depois de fundada com a ajuda dos cruzados ingleses.
Os mouros que saíram ilesos da batalha de Santarém, lhe montaram cerco em 1285 e a tomaram se dificuldades por ser uma localidade sem defesas estruturais na época, pilharam-na, arrasaram-na e levaram grande numero de cativos. Assim que D. Sancho sobre ao trono, mando-a reedificar e povoar.

Segundo Rodrigo M. da Silva, após a reconquista da vila por D. Afonso Henriques, a Ordem de Santiago edificou ou reconstruiu a Igreja Matriz que se ergue no centro da povoação, então pertença do padroado real e doada ao prior do Convento de São Vicente de Fora. Já no século XIII, D. Sancho I doou-a à Ordem de Santiago, ficando integrada no bispado de Lisboa com as igrejas de Óbidos.
Com o avanço da reconquista, a Ordem de Santiago mudou-se para Lisboa, e no século XV, existem referências a um Frei João Velho, monge do convento de Arruda, ou Mosteiro da Mata, no qual Frei Álvaro seria o prior. É provável que o referido mosteiro seja o mesmo que albergou a ordem de Santiago.

No século XIV, na sequência da crise de sucessão de 1383-1385, em que  El Rei D. João de Castela reclamava a coroa para a sua esposa D. Beatriz, única descendente do Rei D. Fernando, sem filho barão como descendência, aparece, com o apoio da nobreza portuguesa, D. João I, o Mestre de Avis, filho bastado de D. Pedro I, como aspirante à coroa de Portugal.  
O casamento de D. Beatriz de Portugal e D. João de Castela foi acordado com uma condição que havia ficado conhecida como o tratado de Salvaterra de Magos, no qual, D. João I de Castela e Beatriz, abdicavam da sucessão à coroa portuguesa em detrimento de um hipotético neto do rei D. Fernando, o qual, três meses após nascer, seria trazido para Portugal e aqui criado sob a tutela dos avós ou de quem eles nomeassem, caso viessem a falecer quer antes quer depois do nascimento do dito neto ou neta.
Depois da morte de D. Fernando, a rainha Regente D. Leonor Teles reina nom clima de tensão, por estar latente a ideia de o reino cair nas mãos do rei castelhano, e que este não cumpra o acordo nupcial. Com o apoio do condestável do reino, Nuno Álvares Pereira, a nobreza portuguesa e os aliados ingleses, nas cortes de Coimbra, D. João I (Mestre de Avis) foi proclamado Rei de Portugal, 1.º Rei da Dinastia de Avis. 
Na sequência desta auto-proclamação, o  Rei de Castela declara guerra e invade Portugal, segundo Fernão Lopes, durante uma passagem do seu exército por Arruda do Vinhos, tendo como objectivo tomar Lisboa, acabaram por lá pernoitar e na sequência de uma tentativa falhada de assassinato do rei dos castelhanos, golpe levado a cabo por dois arrudenses que acabaram enforcados, a restante população com receio de retaliação  refugia-se numa das grutas da encosta da Mata conhecida como Caverna de Sintra. Os Castelhanos apercebendo-se da fuga incendiaram a entrada da gruta matando 40 residentes. 
Todavia seria na batalha de Batalha de Aljubarrota, cuja derrota inquestionável dos castelhanos reafirmou a nacionalidade, Castela retirou-se, acabando bastantes anos mais tarde por reconhecer oficialmente D. João I como rei de Portugal. 
Algumas fontes sujarem que a lenda da "Padeira de Aljubarrota" em que  Brites de Almeida, com a sua pá, tenha matado sete castelhanos que encontrara escondidos num forno, tenha aparecido como resposta à chacina dos 40 arrudenses  pelo exercito castelhano. 
E já que entrei na  área lendária, em Arruda dos Vinhos, existe uma lenda de um gigante muito cruel que matava pessoas e destruía casas, e que certo dia é atingido fatalmente por um raio. A população ainda que ressentida pelo mal que o gigante lhes causara, não se negou a proporcionar-lhe um enterro, respeitando os ensaiamentos das sagradas escrituras, mas que de tão grandes dimensões que o gigante possuía, depois de coberto formou-se um grande monte, conhecido como a "Cova do Gigante". E que mais uma vez, esta lenda é interpretada por alguns estudiosos como uma metáfora ao enterro dos quarenta aldeões assassinados, que quando enterrados terá sido necessário abrir uma grande cova , hoje denominada como vala comum. 

Ao povo desta vila competia uma obrigação peculiar que não se verificava em outras povoações, todo o homem "peão" que cultivasse terras, vinhas e olivais, pagava um oitavo das suas colheitas à Comenda de S. Tiago, passa se isentarem desta obrigação, "levantavam-se cavaleiros" em câmara, no mês de maio,  e passavam a pagar 108 réis por ano. As viúvas destes cavaleiros, não casando depois com peões, e os filhos menores, e os filhos menores tinham os mesmos privilégios.
Os seus habitantes eram ainda obrigados a dar ao rei "colheita", no dia 1 de maio de cada ano, que nesta localidade muitas vezes substituíam por dinheiro, tentando fazer algo semelhante como o pagamento do oitavo, o que desagradava à coroa. A "Colheita" era um direito da casa real sobre todos os produtos que se transaccionassem nos locais de comercio, algo equivalente ao IVA de hoje, só que o pagamento era em espécie. 

Na sequência das invasões francesas, no inicio do século XIX, são construídas as três linhas de defesa de Lisboa, Arruda situava-se junto da 3ª linha, conhecida como a Linha de Torres, dessa época ficaram: o Forte do Cego (obra militar n.º 9); o Forte da Carvalha (Obra militar n.º 10); e o Forte do Passo (Obra Militar n.º 12), actualmente preservados na sequência do 2º centenário das invasões Francesas.

Hoje, Arruda dos Vinhos é uma vila do Distrito de Lisboa, região Centro e sub-região do Oeste, sede de um pequeno município subdividido em 4 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Alenquer, a este e sudeste por Vila Franca de Xira, a sul por Loures, a oeste por Mafra e a noroeste por Sobral de Monte Agraço.
A ligação a Lisboa pela A10 levou a que povoação adquirisse algumas características de dormitório de Lisboa. Actualmente a vila caracteriza-se por uma actividade marcadamente agrícola, em particular na área vitivinícola, mas já conta com algumas indústrias de expressão.

Ti Ana, A Bruxa de Arruda dos Vinhos:

Imagem: Arquivo RTP, 1999
Em Arruda, não obstante das propriedades medicinais atribuías à planta que lhe dá nome, existe uma longa tradição de curandeiros, cuja ensinamentos foram passados de geração em geração, sempre pela via feminina,  cujos conhecimentos terão sido herdados de algumas Comendadeiras da Ordem de Santiago, esposas dos cavaleiros da mesma Ordem, à qual a vila havia sido doada por D. Afonso Henriques em 1172  em agradecimento pela ajuda dada nas conquistas de importantes cidades ao mouros.

Não fosse a Cimaruta o talismã das bruxas e não seria Arruda a terra de tão misteriosa herança. 
Com efeito, Cimaruta significa, na língua italiana, "raminho de arruda." É talvez o mais antigo símbolo que restou da Bruxaria Hereditária, e é um poderoso amuleto contra o "mau olhado". 
O cimaruta é geralmente feito de prata ou de metal de cor branca em honra da deusa da lua, na forma de "rue". Seus poderes são reforçados por pequenos encantos ligadas a ele.
A cimaruta tradicional é formada por um galho de arruda , uma erva que é altamente caracterizado em magia e tradição italiana. 
Entre as Bruxas Hereditárias, a cimaruta contém os símbolos de peixe, galo, lua, serpente, chave, adaga e flor.
Deste legado, a mais populat, Ti Ana, também conhecida como a Bruxa de Arruda, hoje seria impensável que esta alcunha pudesse ter uma conotação que não negativa, mas na época certamente não teria porque a dita senhora era respeitada e estimada pela população e não se conhece desacato que por ventura esta tivesse provocado com alguém da vinhaça. 
Por entre os contares população ainda subsistem histórias sobre os seus feitos e suas magia, existem também alguns registos sobre as suas receitas, publicações e opiniões da concorrência sobre os seus trabalhos. 

O episódio que terá estado na origem da sua popularidade foi quando Ana Piedade Louro, salvou a filha de um médico de Setúbal. 
Segundo reza a história, um médico residente em Setúbal desenganado em relação ao estado de saúde da sua filha que definhava, desesperado pede ajuda a vários colegas e por sugestão de um deles, aconselhou-o a recorrer à Bruxa da Arruda para esta tratar e curar a sua filha, Ana Loira, como também era conhecida, tranquilizou-o dizendo que salvaria a sua filha. O medico acabaria por ficar três dias na vila enquanto a filha era tratada. 
Segundo consta, o tratamento foi simples e consistiu no seguinte: Deitar a menina numa cama, com apenas um alguidar de leite à cabeceira, avisando a menina que não poderia tocar no leite e só poderia comer o que ela lhe desse. Durante dois dias só deu sementes de abóbora à criança e ao terceiro dia, esta expeliu uma cobra pela boca tendo ficado curada do seu mal.
Este episódio que se assemelha a uma fábula, é na verdade explicado pela ciência com algumas nuances, as sementes de abobora possuem um poderoso vermicida e provavelmente o que a criança teria eram lombrigas, ou uma grade lombriga que pode atingir os 30 cm de comprimento, e que foi expulsa do organismo pelo efeito tóxico das sementes e atraída pelo cheiro do leite.
Imagem: Arquivo RTP, 1999
No inicio do século XX, ainda havia uma grande crença na medicina alternativa praticada pela curandice, e  episódio demonstra de alguma forma  a sua superioridade. A fama da bruxa da Arruda espalhou-se por todo o país a ponto do Diário de Noticias publicar a 29 de novembro de 1906 um artigo intitulado "A Bruxa da Arruda", neste artigo o Diário de Notícias foi consultar  Ana Loira do qual se extrai a seguinte informação:
"A caminho do Casal das Neves É num casal com este nome onde reside a célebre bruxa, próximo de Arruda (…) Soubemos ali que a bruxa e uma sua filha, que também dá consultas de bruxaria, costumava ir vender queijos de ovelha ao mercado. Procurámo-las, mas não a encontrámos.
- Hoje é dia della ter muita freguezia e não pode vir com certeza – alguém nos disse. (…)
- Daqui a casa da bruxa é muito longe? – perguntámos (…)
O casal abrange uma grande área. Dá-lhe ingresso um caminho de cabras, tendo d’um e d’outro lado, mas só á entrada, um bocado de muro feito de pedra solta. Ao fundo é que fica a casita da bruxa, ou por outra, o consultório. (…) Apareceu-nos uma das filhas da bruxa, que é quem a substitue na sua ausência, dando consultas, ajudando a mãe, com quem aprendeu, quando a freguezia é muita. É uma mulher relativamente alta e forte, bonita, de olhos expressivos e cabellos pretos. (…)
- A sua graça? – perguntámos.
- Assumpção da Piedade Loira, uma sua criada.
- Muito obrigado. Só precisamos que venha a sua mãe… Também dá consultas?
- Dou. Quando não está a minha mãe, eu é que dou volta á freguezia, mas sempre cá em casa. Tenho outra irmã, que se chama Maria da Piedade Loira, que também sabe porque aprendeu, como eu, com a minha mãe.
- Onde é que ella dá consultas?
- Lá p’ra riba, no logar de Nossa Senhora da Ajuda.
- Qual é a que faz mais negocio?
- Mais negocio?! Aqui não se faz negocio; cura-se gente e advinham-se coisas. Mas quem faz mais, o que não admira, porque é a mais practica e antiga cá n’isto, é a minha mãe.
- Quantos filhos teve ella?
- Uma ‘catrefa’ d’elles. Foram 19".

Imagem: Arquivo RTP, 1999
No dia seguinte, 30 de Novembro de 1906, o Diário de Notícias publicou a segunda parte da reportagem, destacando-se os seguintes trechos:
«Sem um momento de vacilação, dirigimo-nos para a casa das consultas. (…) Quando entrámos, perguntámos á bruxa se era ali a sala do ‘consultorio’.
- É, é, porquê? Gosta d’ella? – respondeu-nos a mulher ‘milagreira’ com um sorriso nos lábios. (…)
Passado pouco tempo a Ana Loira começou assim a sua narrativa acerca da maneira como cura os doentes:
- Uma pessoa quando adoece vem cá para eu a escutar e ver o que tem e depois faço a oração e leio na água, com letras d’azeite, a doença que essa pessoa tem. Quando o doente não pode vir manda outra pessoa qualquer, que traz uma peça do seu vestuário, sendo sempre melhor vir uma camisa, ceroulas ou meias. Essa peça deve ser tirada do corpo da pessoa doente e sem ser lavada ou posta ao ar, embrulhada num papel ou n’um sacco. Eu então tiro para fora essa peça de roupa, ponho-a sobre o oratório e depois faço a oração. Para saber a doença que essa pessoa tem, cheiro muito bem a tal roupa e depois leio a doença na água, como já lhe disse. (…)
Passamos a fazer uma ligeira descripção do oratório onde se fazem os ‘milagres’.
É d’uma madeira negra, semelhante a pau de santo e bastante antiga, tendo os caixilhos pequenos. Pela parte de dentro, tem uma prateleira. Metade do oratório serve para os santos, tendo uma imagem do Christo Crucificado e outras imagens pequenas e grandes, umas de papel e outras de barro. O fundo é todo forrado por um grande numero de medalhas de papel com santos, que é costume vender nos arraiaes. (…) A outra parte tem de tudo, como na botica. Parece mais uma arrecadação de que um oratório.
Tem bonecos, objectos de barro, canecas, botijas com azeite, jornaes, caixas de lata, emfim, para nada lhe faltar, até vimos a um canto, uma tijella com vinho, tendo junto um molho de massarocas de milho. (…)
Junto, na meza do oratório, vêem-se os petrechos para as benzeduras. Ao centro um prato de louça, com agua, e ao lado uma espécie de panella, mas em miniatura, de folha, e que tem um pé que encaxa numa outra peça também de folha. Serve este exquisito objecto para o azeite, e para a bruxa serve de tinteiro, com ‘tinta’ de escrever. O ‘papel’ é a agua…
Na mesma meza, sobre a qual está collocado o oratório, vê-se uma chapa de metal amarello muito polida, do feitio e espessura dum pataco antigo. Dum lado vê-se nessa medalha gravada a imagem de Christo, sendo o verso liso.
Vimos também, com a peça de metal, um pé de cabra ou coisa parecida, tendo na extremidade uma figa. São estes os petrechos para a benzedura.
Sobre uma arca está uma lata d’azeite para deitar no ‘tinteiro’. (…)
A bruxa benzeu-se e seguidamente com a mão direita pegou no tal pé de cabra e com a esquerda na moeda de metal, e voltando-se para nós perguntou-nos com voz grossa:
- Como é o seu primeiro nome?
- António. (…)
Seguidamente aponta a tal figa no oratório e exclama:
- Christo!
E depois apontou-nos a mesma figa, exclamando também:
- António! (…)
Collocou depois os dois objectos, a figa e a chapa de metal, sobre a mesa e pondo as mãos como quem reza, encostou-as ao prato que continha a agua e sempre com o olhar fito no mesmo, foi rezando, em voz alta, relativamente é claro, uma oração muito complicada, que não nos ficou de memória, nem era possível.
Entre outros pontos disse:
- Santo António das bilhas, Santo António das fontes, Santo António dos amores, Santo António milagroso, tira o mal á alma do António, ‘desembruxa-o’ de quem o ‘embruxou’, ‘desfeitiça-o’ de quem o ‘enfeitiçou’, António, foste olhado mal olhado, o teu ‘esprito’ não é mau… (…)
E continuou rezando… até que, calando-se, lança mão da latinha de azeite, mettendo-lhe um dedo dentro, molhando-o com aquelle liquido, deixando depois cautelosamente cair um pingo dentro da agua, limpando immediatamente o dedo á testa e ao cabello. Põe novamente as mãos e continua com a mesma oração, que termina com outro pingo dentro da agua e as respectivas dedadas na testa e no cabello.
Passou então a ler a nossa doença… (…)
Para a ‘aformentação’ das costas, ópio e deldôque; para o ‘estamago’ e barriga uma ‘aformentação’ d’arruda, marcella e alfazema frita e manteiga de vacca, e posto no ‘estamago’ um ‘emprato’ de pão de trigo, banha de porco e um ovo, isto feito em agua de girvão e ‘tadegas’, para se cozerem e a agua fazer o ‘emprasto’. Para beber á noite erva de sete sangrias; estando agoniado, chá de erva cidreira, e se tiver enjoo de ‘estamago’ chá de marmello. Isto ´r feito de vinte em vinte quatro horas, durante nove dias a fio. (…)»
Trechos publicados na página oficia da Câmara Municipal da Arruda

Imagem: Arquivo RTP, 1999

Dr. Tito Bourbon e Noronha, um médico local que se interessou pelo caso, terá confidenciado sobre o fenómeno da bruxa de Arruda, numa carta data de 2 de Novembro de 1934, dirigida ao ilustre Dr. José Leite de Vasconcelos(linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo): 
"Sim a bruxa da Arruda existe, existiu e existirá […]. Quando vim para aqui em 1885, vai fazer cinquenta anos, pompeava a célebre bruxa da Arruda, no Casal da Neves, que, por sinal, não fica em o concelho da Arruda, mas sim no de Vila Franca de Xira, freguesia de São João dos Montes, mas muito perto desta Vila, e por isso era conhecida por bruxa da Arruda. Era ela de sua graça Ana Loura, saloia grossa de formas, mãe de numerosa prole; eu tive o prazer de lhe extrair a ferros o décimo sexto filho, uma bojuda pimpolha, actualmente moradora em Vale do Grou, a um quilómetro da Vila, e exercendo, como a mãe, a rendosa profissão, e que dá o nome de Adelina Toca Félix. Manda a verdade que se diga que a aura desta não é pálida sombra da da mãe. Uma outra filha, de nome Maria da Piedade, abriu consultório no lugar da Ajuda, freguesia de Arranho, deste concelho, ainda com a mãe viva, e fazendo-lhe concorrência; Também já morreu, deixando uma vergôntea, que só bruxoleia.
Uma terceira filha estabeleceu-se na Malveira, mas há uns anos ausentou-se, creio que para Lisboa. A bruxa mãe lia no azeite, deitado num prato com água, a doença do consulente, e receitava uns fumos de ervas, uns purgativos, não indo além da magnésia e sal amargo; para as dores opodeldoque. Não marcava o preço; recebia o que lhe davam e mais 300 réis para a escreventa."


O mesmo médico conta nas "Memórias de um João Semana": "Ao morrer, a Ti Ana, apezar da sua sabedoria todo, foi o tronco de uma dinastia de bruxas, nada menos do que cinco filhas lhe herdaram as artes e, como boas irmãs que se presavam de ser, resolveram separar-se, ficando uma no casal das Neves, outra em Vale de Grou, a dois passos da vila, outra em ajuda, a quarta foi para a Malveira e a quinta pré-opinante para Lisboa."

Imagem: Arquivo RTP, 1999

Segundo a neta de Adelina da Piedade Lourol e bisneta de Ana Loira, os seus tratamentos ficaram ainda mais famosos devido à cura de uma menina, filha de um médico de Setúbal, anteriormente abordado e que ficou conhecido como "O Caso da Filha do Médico",  e ainda um outro episódio que ficaria conhecido como "O caso do Sapo com a Boca Cosida" e que se resume no seguinte:
"Sobre os poderes do oculto conta-se, entre muitas histórias, o caso da filha de um casal de agricultores abastados que adoeceu de repente. Os pais, aflitos e assustados, tudo fizeram para curar a menina, mas todos os esforços foram em vão. Em desespero recorreram à bruxa que fez a leitura do mal que se abatia sobre a rapariga com recurso a um prato de azeite e outro de água e a algumas rezas. Após a leitura, a bruxa informou os pais que a sua filha seria vítima de mau-olhado e magia negra, aconselhando os seus pais a regressaram rapidamente a casa e a procurarem debaixo do colchão da cama de sua filha um sapo com a boca cosida, que o retirassem e descosessem a boca. A rapariga ia enfraquecendo e ficando moribunda à medida que o sapo ia morrendo. Seus pais seguiram o conselho da bruxa e a menina foi melhorando de dia para dia."
Imagem: Arquivo RTP, 1999
Na tradição popular que surge em torno da Bruxa da Arruda muitas histórias se contam, algumas atribuem os seus poderes ao oculto e bruxaria e a trabalhos como tratamentos para exorcismo e mau-olhado, outras ao domínio do conhecimento de ervas e plantas medicinais. 
O que é certo é que desde os primórdios dos tempos a ciência tem vindo a trabalhar na desmistificação dos seus resultados, conseguindo explicar racionalmente, através da física e da química, os processos que estão na base, e quanto ao fenómenos não explicados, aguardemos que se abram as portas do universo paralelo e que se explique a origem de tão inquietante sabedoria ancestral...

Fontes:
Archivo Histórico de Portugal, N.º 34, 1890;
Wikipédia;
Arquivo Digital: C. M. Arruda dos Vinhos;

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Atalaias Abaluartadas de Algalé(Baldio) e das Escarninhas, Arronches

Arronches é uma vila portuguesa no Distrito de Portalegre, região Alentejo e sub-região do Alto Alentejo. É sede de um município subdividido em 3 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Portalegre, a leste pelo de Campo Maior, a sul pelo de Elvas, a oeste pelo de Monforte e a nordeste pela Espanha. Arronches situa-se num extenso e fértil vale, de onde não se avista povoação nenhuma. O rio Alegrete ou Caia cerca os seus muros.
De entre as versões da origem desta vila, a mais seguida é que no reinado de Caio Caligula, pelos anos de 45 d.C., alguns habitantes da Andaluzia, vindos da vila de Arronches, emigraram neste ponto e fundaram uma povoação a que puseram o nome de "Arronchella", e depois os romanos, segundo a opinião de alguns escritores, lhe chamaram "Plagiaria", corrompendo-se com o andar dos tempos no de Arronches. 
É certo que já existia no começo da monarquia, que o seu castelo é fundação romana e que D. Afonso Henriques a tomou aos mouros em 1166, sendo, porém, recuperada por estes, que a conservaram até 1235, data em que D. Sancho II a reconquistou e perdeu, quase em seguida, passando definitivamente ao domínio cristão sete anos depois, em 1242, sendo a conquista dirigida e realizada por D. Paio Peres Correia. A 7 de janeiro de 1236, D. Sancho II a doou aos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra(Mosteiro de Santa Cruz). 

Foto: Fortificações de Arronches, 1772. Integra a Coleção Diogo Barbosa Machado. Acervo: Biblioteca Nacional (Brasil).
D. Afonso III trocou o senhorio de Aronches pelo padroado das igrejas de Obidos, Assumar e Albergaria de Poyares, fazendo esta troca por querer converter a vila em praça de armas, para o que muito se prestava pelas fortificações que a defendiam, sendo cercada de muros e barbacans. 
A 16 de junho de 1255, D. Afonso III lhe deu foral em Lisboa, o qual foi confirmado por outro do mesmo rei, dado na mesma cidade a 9 de janeiro de 1272.
Foto:Arronches, Alentejo, Portugal, 1720. Calcografia Espanhola, in Delcampe.net
D. Afonso incorporou na dotação de seu filho Infante D. Afosno, que possuiu por bastantes anos, até que nas disputas que teve com o seu irmão, El-Rei D. Dinis, lhe foi tirada passando ao senhorio da coroa. Nesta luta entre irmãos, não chegou a sofrer calamidade alguma, porque enquanto D. Dinis se preparava para lhe ir por cerco, a Rainha Santa Isabel voluntariou-se para mediar pacificamente o conflito levando os irmãos ao entendimento e evitando o derramamento de sangue. D. Dinis havia de reformar o castelo por volta de 1310.
Em 1475, na sequência de uma crise dinástica, D. Afonso V casou com a sobrinha D. Joana de Trastâmara, filha e herdeira de Henrique IV de Castela, assumindo pretensões ao trono de Castela, reuniu um poderoso exercito de 20.000 homens com que invadiu o vizinho reino em 1476, atraindo ao seu partido muitos nobres e grandes senhores de Castela, que o auxiliaram na tomada de diversas praças. 
Vencido na Batalha de Toro, pediu auxilio a seu filho D. João II, que governava o reino durante a expedição de seu pai em Espanha, o corajoso príncipe, numa das pelejas com os castelhanos, se cobriu de gloria e concorreu para que as armas portuguesas não sofressem uma completa derrota. D. Afonso V dirigiu-se a França a solicitar o auxilio de Luís XI, para fazer valer os direitos de sua noiva, estava porém escrito que esta senhora nunca chegaria a sentar-se no trono, apesar de lhe haver pertencido um por herança e haver adquirido de direito, pelo consorcio, outro.
Luiz XI nunca cumpriu as suas promessas, o papa anulou-lhe o casamento, por não haver sido solicitada previamente a dispensa, e D. Joana foi constrangida a encerrar-se no Convento de Santa Clara de Santarém, sendo transferida depois para o Convento de Santa Clara em Coimbra, onde veio a professar e onde morreu. Com sintomas de depressão, D. Afonso V abdicou da coroa para o filho, D. João II de Portugal, morrendo em 1481. Por sua vez D. João II morre também sem filhos legítimos, tendo escolhido para sucessor o duque de Beja, seu primo direito e cunhado, que viria a ascender ao trono como Manuel I de Portugal.
A 1 de junho de 1512 D. Manuel I concedeu a vila de Arronches novo foral.
Em 1549 D. João III deu a D. Julião d'Avila, Bispo de Portalegre, e senhorio desta vila, as igrejas suas dependentes, assim, como os de Leiria, Ourem e Óbidos, para o sustento do novo Bispo e Cónegos daquela Diocese.
Junto aos muros de Arronches, travaram-se diversas batalhas, em que sempre se provou o seu valor como praça de guerra. tomada de improviso por D. João de Áustria, filho bastardo de Filipe IV, que invadiu o reino com um forte exercito em 1661, para reduzir os portugueses ao domínio de Castela, de que se haviam libertado pela famosa e heróica revolução do 1.º de dezembro de 1640, viu o vencedor retirar de pronto em face dos valentes terços portugueses, que correram em seu socorro, em reduzido numero mas invectiveis na determinação pela independência nacional. 
No reinado de D. Afonso VI de Portugal foi instituído o título nobiliárquico de Marquês de Arronches, criado em 27 de Abril de 1674, a favor de Henrique de Sousa Tavares, 3º conde de Miranda do Corvo e 28º senhor da Casa de Sousa, passando mais tarde a integrar o morgadio do Dique de Lafões, D. Pedro Henrique de Bragança (1718-1743), 1º duque de Lafões e 7ª conde de Miranda do Corvo, neto do anterior titular.

Esta vila foi berço de muitos varões ilustres, de entre eles: 
Frei Álvaro de Castelo Branco, filho de Francisco de Sequeira Pestana e de D. Leonor de Castelo Branco, ambos descendentes de nobres famílias. Aos 21 anos recebeu o habito da ordem de Santo Agostinho, no convento de Lisboa a 3 de maio de 1640. Aprendeu com grande dedicação filosofia e teologia que ensinou com igual zelo no colégio de Santo Agostinho, em Lisboa. Grande pregador do seu tempo, chegou a fazer sermões perante as cortes, as suas pregações influenciaram o modo como se concluiu a paz  no ano de 1668. Foi nomeado pelo príncipe D. Pedro, regente do reino, para Arcebispo de Goa e depois Bispo de Portalegre, honras e privilégios que declinou  em detrimento da condição de religioso à vigilância de prelado. Faleceu no Colégio de Santo Agostinho de Lisboa, a 28 de fevereiro de 1668. Escreveu algumas obras muito apreciadas naquela época, as que se conservam na livraria do convento da graça desta cidade;
Padre Bento de Sequeira, nasceu em 1588 e na idade de dezasseis anos entrou na companhia de Jesus, no  Colégio de Évora, a 16 de fevereiro de 1602. Depois de ensinar letras, excresceu o ministério de orador evangélico, para o qual tinha todos os dotes necessários. Com grave prudência governou os colégios do Porto, Funchal, Lisboa e Coimbra, sendo ultimamente provincial da província do Alentejo. Assistiu à oitava congregação celebrada em Roma. Foi estimado dos domésticos e dos estranhos, principalmente dos Duques de Bragança, D. Teodósio II e seu filho El-rei D. João IV, glorioso libertador da coroa portuguesa. Promoveu com o seu exemplo a observância da disciplina regular, até que chegando à idade de 76 anos e 60 de companhia de jesus, faleceu no colégio de Évora, a 2 de junho de 1664. Dos muitos sermões que pregou publicaram-se: Sermão do Auto  de Fé, que se celebrou no terreiro do Paço da cidade de Lisboa a 6 de abril de 1642; Sermão em Santa Clara de Coimbra, a primeira pedra do templo e convento real que D. João IV levantou à Rainha Santa Isabel, sua avó, no momento da Esperança, e trasladação das suas relíquias, e mudança das religiosas para o templo e convento novamente levantando; Oração funeral em as honras do infante D. Duarte, irmão de El-rei D. João IV, a 15 de dezembro de 1649; Sermão na festa do Anjo Custodio do reino de Portugal, na ocasião e dia em que El-Rei D. João IV passou no Alentejo em direcção a Castela; Sermão de S. Francisco, no sei convento da Ponte, em Coimbra, a 4 de outubro de 1648; e Sermão no Auto de fé, que se celebrou na praça da cidade de Évora em 27 de julho de 1636. 
Padre Francisco Aranha, filho de Rodrigo Aranhas e de Catarina Lourenço. Tendo 15 anos de idade quando recebeu a roupeta da companhia de Jesus no colégio de Évora a 24 de dezembro de 1618, onde depois de aprender com suma habilidade as ciências amenas e severas, ensinou seis anos humanidades e retórica,  filosofia, teologia e moral. Foi perfeito dos estudos no colégio de Coimbra e reitor do colégio de Elvas, no qual por seus esforços se introduziu a agua, que lhe concedeu o senado daquela cidade. Era naturalmente jucoso, porém com tal moderação que nunca pôde ser arguido de pueril. Sofreu vários ataques de asma, até que por um fio privado da vida no colégio de Évora, a 16 de maio de 1677, contando 74 anos de idade e 59 de religião. Compôs as seguintes obras: Cometário a Virgilio, no qual se explicam os lugares  mais dificultoso do poeta; Sermão pregado em S. Gião de Lisboa, estando o Santíssimo exposto pelo feliz sucesso do exercito, que tinha saído à campanha a 20 de outubro de 1657.; Série dos reis de portugal, com suas pátrias, idades e mortes.; e Sitio e restauração da cidade de Évora.
O brasão de Armas era um Castelo em campo de sangue,  representado na gravura de Inácio de Vilhena Barbosa, em "As Cidades e Vilas da Monarchia Portugueza que teem brasão d'armas", Lisboa, 1860-1862.
É das poucas terras do reino que possuem "foral novíssimo", dado por D. Afonso  VI, em Lisboa, a 25 de julho de 1678, vindo a gozar dos seguintes privilégios: 
1.º Passado a 12 de maio de 1475, por D. Afonso V, e confirmado pelos sucessores, para não ser esta vila dada a senhorio nenhum;
2.º Não serrem os seus moradores obrigados a trabalhar nas muralhas, fontes, pontes, calçadas, etc. nem a levarem presos, nem servirem cargas de outros concelhos. (Por D. joão II, a 9 de março de 1463, também confirmado pro seus sucessores.);
3.º Não pderem fazer soldados nesta vila para fora dela. (por D. João I, em 4 de abril de 1423.);
4.º Para que as penhoras aos moradores não possam ser feitas em bens que tenham dentro de suas casas, nem em trigo que tiverem para semear, em em bois de lavoura. (Por D. Afonso IV e confirmado por D. João I, a 3 de abril de 1423.);
5.º Para que os moradores daqui não sejam obrigados a ter cavalos nem armas. (Por D. João II, a 29 de janeiro de 1463.);
6.º Para que, os que não tivessem cavalos não podessem servir de vereadores.(Por D. Afonso V, a 16 de março de 1458.);
7.º Para que os pastores tragam armas, menos em julho, agosto e setembo. (Por D. João I, em 1429.);
8.º Para que todos desta vila a seu termo possam trazer armas por todo o reino, sem lhes serem tomadas. (Por D. João I.);
9.º Todo o que quisesse vir povoar o termo desta vila lhe desse a camara terreno para a casa e horta.
Tinha ainda outros privilégios de menor importância.  
Transcrição com adaptação de Archivo Histótico de Portugal, n.º 30, Arronches, 1890
Foto: Delcampe.net
Nos finais do século XIX, a vila era composta por uma única paróquia cujo orago era Nossa Senhora da Assunção com Igreja Matriz situada junto dos Paços do Concelho e da Misericórdia, substituiu em meados do século XVI o antigo templo gótico de 1236, do padroado do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. possui hospital e misericórdia fundados pelo alcaide-mor Ruy Gonçalves no ano de 1372, dando para isso suas próprias casas e as necessárias rendas, o que consta duma inscrição que está na igreja da Misericórdia.  Teve também um convento de religiosos Agostinhos descalços e quatro ermidas das quais a mais notável, pela sua antiguidade, a ermida do Espírito Santo. 
Armas - Escudo de prata, com um castelo de púrpura aberto e iluminado do campo. Em chefe, cinco escudetes das quinas de Portugal, acompanhadas por dois ramos de sobreiro, folhados e lançados de verde. Em contra-chefe uma faixa ondada de azul. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres a negro : " ARRONCHES ".
Foto. Geocaching
Pela  sua antiguidade e importância histórica, promovida sobretudo pela sua localização fronteiriça, o concelho de Arronches possui um vasto património arqueológico, religioso e natural. A salientar:  
Abrigo Paleolítico;
Albufeira da Barragem do Rio Caia;
Anta dos Fartos; 
Anta das Sarnadas;
Atalaia do Baldio;
Castelo de Arronches;
Convento da Nossa Senhora da Luz;
Ermida do Rei Santo;
Ermida do Monte da Venda;
Igreja da Misericórdia;
Igreja de Nossa Senhora da Assunção, Matriz de Arronches;
Igreja de Nossa Senhora da Esperança;
Igreja de Nossa Senhora da Luz;
Igreja de Nossa Senhora do Rosário;
Igreja de São Bartolomeu;
Igreja de Santo Isidro;
Moinhos de água de Mosteiros;
Necrópole do Baldio;
ParqueNatural de São Mamede;
Praia Fluvial de Mosteiros; e
Atalaia do Baldio de Arronches, 

A palavra Atalaide derivou directamente do Árabe "at-talai'a", e serve para designar uma torre ou lugar elevado, posto de vigia de um determinado território delimitado, funciona como apoio a outro tipo de defesa mais complexa, como uma muralha ou um castelo, sendo distribuídas em lugares estratégicos na área ao redor. Em caso de ameaça, os vigilantes nas atalaias davam avisos ou sinais aos defensores do castelo. Poderiam ainda integrar um conjunto de fortificações avançadas de vigia da fortaleza de Arronches, a atalaia das Escarninhas é a primeira de um conjunto de sete que se estendiam até á actual fronteira com Espanha, as outras são conhecidas como Água de Raiz, Louções, Outeiro Branco, Torre das Areias, São Bartolomeu e Baldío, também conhecida como Algalé.
A existência de duas atalaias, cada uma no monte que lhes deu nome, das Escarninhas e Baldio, representam a importância significância de Arronches na estratégia da defesa do território nacional. As atalaias terão sido construídas no século XVII, no contexto da Guerra da Restauração da Independência, como defesas avançadas para impedir a infiltração inimiga e, particularmente, como torres de vigia. para alertar a população e as forças locais.

Atalaia Abaluartada de Algalé no Baldio:

A velha atalaia do Baldio de Algalé, situada junto ao monte Baldio, a sul da vila, e por isso também conhecida por esse nome, domina a paisagem envolvente, pela sua imponência é possível ser avistada da Estrada Nacional 246, entre Arronches e Elvas, para acede-la, corta-se na estrada municipal com direcção ao Baldio de Arronches, virando-se à direita para caminho em terra batida, a cerca de 270 metros.

Construída na centúria de  seiscentos para defender a região das investidas espanholas, integrando o complexo defensivo das Linhas de Elvas. 
A estrutura é uma construção vernácula em pedra granítica local que face à sua robustez, apresenta ainda um relativo bom estado de conservação. Exibindo uma arquitectura piramidal quadrangular, cujo vértice é interrompido por uma cobertura plana de suporte a um terraço que serve de posto de controlo no qual existe ainda um baluarte bem conservado voltado para o leste.

Atalaia Abaluartada das Escarninhas:

A atalaia das Escarninhas localiza-se a sul da vila de Arronches a cerca de 2 quilómetros da cerca da vila. 
A construção vernácula apresenta uma planta piramidal quadrangular cortada no vestisse onde se apresenta um posto de controle no terraço quadrado com merlões cônicos em três cantos e um baluarte no outro.
Implantada sobre um monte que lhe permite um destaque na paisagem e o domínio sobre uma área bastante abrangente, a atalaia encontra-se sobranceiro a um pequeno curso de água. 
O posto de vigia terá sido construído durante o século XVIII para defender o território nacional das tropas filipinas sobre o domínio castelhano.
Pela mesma época foram construídas sete torres de vigia, a de Escarninhas, Água de Raiz, Louções, Outeiro Branco, Torre das Areias, São Bartolomeu e Baldío, também conhecida como Algalé. De todos eles, apenas a de Escarninhas e Algalé ainda se encontram em pé, ambos ao sul da cidade. A Atalaia de Escarinhas foi recuperada recentemente, com o apoio do Programa Iniciativa Comunitária Leder +. A atalaia de Algalé encontra-se debilitada à espera de intervenção.