Imagem: Arquivo RTP, 1999
Arruda dos Vinhos possui vestígios de ocupação Pré-histórica, nomeadamente na freguesia do Casal das Antas, onde se encontra a "Anta de Arruda", escavada por José Leite de Vasconcelos em 1898, mas anteriormente referenciada pelo Padre Belchior da Cruz em 1883, fazia parte de um conjunto de monumentos funerários existente nesta localidade. Todavia esta estrutura havia sido destruída na década de 1970, hoje em dia não existem vestígios destes monumentos funerários no concelho.
Das escavações realizadas por Leite de Vasconcelos no "Antal de Arruda" apareceram inúmeros artefactos, nomeadamente “instrumentos de pedra polida, duas lâminas de sílex, dois punhais ou lanças, uma conta de colar, fragmentos de ídolos cilíndricos em calcário, um fragmento de placa de xisto decorada, dois fragmentos em cerâmica, um deles decorados e ossos humanos", que foram depositados no Museu Nacional de Arqueologia.
Quanto ao povoamento da vila todas os indícios apontam que surgiu desde muito cedo nas margens do maior curso de água da região, o Rio Grande da Pipa. A fertilidade dos solos e a presença de água tornou o local apetecível para a fixação de comunidades humanas, provas desta ocupação são as Antas da Povoação de Antas, o mesmo aconteceu com a fixação romana. Mas no que respeita ao topónimo "Arruda" como nome do lugar, existem algumas controvertias que têm vindo a acompanhar a história da sua existência.
Em botânica, "arruda", é uma planta da família das Rutáceas, também denominada como arruda-fedida, arruda-doméstica, arruda-dos-jardins, ruta-de-cheiro-forte. Subarbusto originário do sul da Europa, de qualidades terapêuticas, muito cultivado nos jardins em todo o mundo, devido às suas folhas, fortemente aromáticas. Atinge até um metro de altura, apresentando haste lenhosa, ramificada desde a base.
Alguns autores defendem que o nome deriva da abundância do arbusto na região, podendo ser mais um dos casos em que as terras buscam os nomes nas suas plantas nativas. Neste sentido o nome terá sido aplicado depois do século VIII com a conquista muçulmana da região, estando o topónimo Arruda, associado ao étimo árabe "al-rawda" que significa jardim, campo ou prado, e que em árabe clássico se pronuncia "ar-rauda".
A importância da presença do arbusto era inquestionável, com efeito, durante a época medieval a localidade era conhecida como sendo protegida das epidemias e pestes que assolavam o pais, dizimando milhares de pessoas, sendo este feito associado às propriedades terapêuticas da planta.
Nesse sentido, no inicio do século XVI, também D. Manuel I e a sua corte aqui procuraram refugio durante uma temporada em que a peste voltava a ameaçar Lisboa. Saindo são e salvo deste episódio, em agradecimento, reedificou a Igreja da vila cunhando-lhe o seu estilo no pórtico e dedicando-a ao orago de Nossa Senhora da Salvação. Estas obras deverão ter ocorrido por volta de 1517, ano em que D. Manuel lhe atribuiu foral.
Por outro lado, outros estudiosos apontam outro caminho para justificar a origem do topónimo, remetendo para o contexto histórico, em que "Arruta" é referenciada por D. Afonso Henriques num documento guardado na Torre do Tombo, datado de Coimbra, do ano de 1172.
Outra teoria aponta para que a origem do topónimo "Arruda" esteja na verdade relacionado com a palavra "rota", durante vários século Arruda dos vinhos era na verdade a rota dos vinhos e consequentemente o maior centro de comércio do sector, na região. Com base na sua localização geográfica, pela sua disposição territorial como ponto de passagem da rota dos vinhos do oeste e ainda à fertilidade dos seus próprios terrenos associada à produção vinícola. Os vinhos de Torres Vedras, Dois Portos, seriam escoados até ao Tejo, seguindo para exportação em navios mercantes. Arruda era também rota de passagem dos Caminhos de Santiago, pela Freguesia de Santiago que, segundo consta, foi fundada por cruzados no século XII.
As primeiras referencias a vila de Arruda aparecem documentadas por volta de 1160, altura em que D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal, lhe concede Foral, depois de fundada com a ajuda dos cruzados ingleses.
Os mouros que saíram ilesos da batalha de Santarém, lhe montaram cerco em 1285 e a tomaram se dificuldades por ser uma localidade sem defesas estruturais na época, pilharam-na, arrasaram-na e levaram grande numero de cativos. Assim que D. Sancho sobre ao trono, mando-a reedificar e povoar.
Segundo Rodrigo M. da Silva, após a reconquista da vila por D. Afonso Henriques, a Ordem de Santiago edificou ou reconstruiu a Igreja Matriz que se ergue no centro da povoação, então pertença do padroado real e doada ao prior do Convento de São Vicente de Fora. Já no século XIII, D. Sancho I doou-a à Ordem de Santiago, ficando integrada no bispado de Lisboa com as igrejas de Óbidos.
Com o avanço da reconquista, a Ordem de Santiago mudou-se para Lisboa, e no século XV, existem referências a um Frei João Velho, monge do convento de Arruda, ou Mosteiro da Mata, no qual Frei Álvaro seria o prior. É provável que o referido mosteiro seja o mesmo que albergou a ordem de Santiago.
No século XIV, na sequência da crise de sucessão de 1383-1385, em que El Rei D. João de Castela reclamava a coroa para a sua esposa D. Beatriz, única descendente do Rei D. Fernando, sem filho barão como descendência, aparece, com o apoio da nobreza portuguesa, D. João I, o Mestre de Avis, filho bastado de D. Pedro I, como aspirante à coroa de Portugal.
O casamento de D. Beatriz de Portugal e D. João de Castela foi acordado com uma condição que havia ficado conhecida como o tratado de Salvaterra de Magos, no qual, D. João I de Castela e Beatriz, abdicavam da sucessão à coroa portuguesa em detrimento de um hipotético neto do rei D. Fernando, o qual, três meses após nascer, seria trazido para Portugal e aqui criado sob a tutela dos avós ou de quem eles nomeassem, caso viessem a falecer quer antes quer depois do nascimento do dito neto ou neta.
Depois da morte de D. Fernando, a rainha Regente D. Leonor Teles reina nom clima de tensão, por estar latente a ideia de o reino cair nas mãos do rei castelhano, e que este não cumpra o acordo nupcial. Com o apoio do condestável do reino, Nuno Álvares Pereira, a nobreza portuguesa e os aliados ingleses, nas cortes de Coimbra, D. João I (Mestre de Avis) foi proclamado Rei de Portugal, 1.º Rei da Dinastia de Avis.
Na sequência desta auto-proclamação, o Rei de Castela declara guerra e invade Portugal, segundo Fernão Lopes, durante uma passagem do seu exército por Arruda do Vinhos, tendo como objectivo tomar Lisboa, acabaram por lá pernoitar e na sequência de uma tentativa falhada de assassinato do rei dos castelhanos, golpe levado a cabo por dois arrudenses que acabaram enforcados, a restante população com receio de retaliação refugia-se numa das grutas da encosta da Mata conhecida como Caverna de Sintra. Os Castelhanos apercebendo-se da fuga incendiaram a entrada da gruta matando 40 residentes.
Todavia seria na batalha de Batalha de Aljubarrota, cuja derrota inquestionável dos castelhanos reafirmou a nacionalidade, Castela retirou-se, acabando bastantes anos mais tarde por reconhecer oficialmente D. João I como rei de Portugal.
Algumas fontes sujarem que a lenda da "Padeira de Aljubarrota" em que Brites de Almeida, com a sua pá, tenha matado sete castelhanos que encontrara escondidos num forno, tenha aparecido como resposta à chacina dos 40 arrudenses pelo exercito castelhano.
E já que entrei na área lendária, em Arruda dos Vinhos, existe uma lenda de um gigante muito cruel que matava pessoas e destruía casas, e que certo dia é atingido fatalmente por um raio. A população ainda que ressentida pelo mal que o gigante lhes causara, não se negou a proporcionar-lhe um enterro, respeitando os ensaiamentos das sagradas escrituras, mas que de tão grandes dimensões que o gigante possuía, depois de coberto formou-se um grande monte, conhecido como a "Cova do Gigante". E que mais uma vez, esta lenda é interpretada por alguns estudiosos como uma metáfora ao enterro dos quarenta aldeões assassinados, que quando enterrados terá sido necessário abrir uma grande cova , hoje denominada como vala comum.
Ao povo desta vila competia uma obrigação peculiar que não se verificava em outras povoações, todo o homem "peão" que cultivasse terras, vinhas e olivais, pagava um oitavo das suas colheitas à Comenda de S. Tiago, passa se isentarem desta obrigação, "levantavam-se cavaleiros" em câmara, no mês de maio, e passavam a pagar 108 réis por ano. As viúvas destes cavaleiros, não casando depois com peões, e os filhos menores, e os filhos menores tinham os mesmos privilégios.
Os seus habitantes eram ainda obrigados a dar ao rei "colheita", no dia 1 de maio de cada ano, que nesta localidade muitas vezes substituíam por dinheiro, tentando fazer algo semelhante como o pagamento do oitavo, o que desagradava à coroa. A "Colheita" era um direito da casa real sobre todos os produtos que se transaccionassem nos locais de comercio, algo equivalente ao IVA de hoje, só que o pagamento era em espécie.
Na sequência das invasões francesas, no inicio do século XIX, são construídas as três linhas de defesa de Lisboa, Arruda situava-se junto da 3ª linha, conhecida como a Linha de Torres, dessa época ficaram: o Forte do Cego (obra militar n.º 9); o Forte da Carvalha (Obra militar n.º 10); e o Forte do Passo (Obra Militar n.º 12), actualmente preservados na sequência do 2º centenário das invasões Francesas.
Hoje, Arruda dos Vinhos é uma vila do Distrito de Lisboa, região Centro e sub-região do Oeste, sede de um pequeno município subdividido em 4 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Alenquer, a este e sudeste por Vila Franca de Xira, a sul por Loures, a oeste por Mafra e a noroeste por Sobral de Monte Agraço.
A ligação a Lisboa pela A10 levou a que povoação adquirisse algumas características de dormitório de Lisboa. Actualmente a vila caracteriza-se por uma actividade marcadamente agrícola, em particular na área vitivinícola, mas já conta com algumas indústrias de expressão.
Ti Ana, A Bruxa de Arruda dos Vinhos:
Imagem: Arquivo RTP, 1999
Em Arruda, não obstante das propriedades medicinais atribuías à planta que lhe dá nome, existe uma longa tradição de curandeiros, cuja ensinamentos foram passados de geração em geração, sempre pela via feminina, cujos conhecimentos terão sido herdados de algumas Comendadeiras da Ordem de Santiago, esposas dos cavaleiros da mesma Ordem, à qual a vila havia sido doada por D. Afonso Henriques em 1172 em agradecimento pela ajuda dada nas conquistas de importantes cidades ao mouros.
Não fosse a Cimaruta o talismã das bruxas e não seria Arruda a terra de tão misteriosa herança.
Com efeito, Cimaruta significa, na língua italiana, "raminho de arruda." É talvez o mais antigo símbolo que restou da Bruxaria Hereditária, e é um poderoso amuleto contra o "mau olhado".
O cimaruta é geralmente feito de prata ou de metal de cor branca em honra da deusa da lua, na forma de "rue". Seus poderes são reforçados por pequenos encantos ligadas a ele.
A cimaruta tradicional é formada por um galho de arruda , uma erva que é altamente caracterizado em magia e tradição italiana.
Entre as Bruxas Hereditárias, a cimaruta contém os símbolos de peixe, galo, lua, serpente, chave, adaga e flor.
Deste legado, a mais populat, Ti Ana, também conhecida como a Bruxa de Arruda, hoje seria impensável que esta alcunha pudesse ter uma conotação que não negativa, mas na época certamente não teria porque a dita senhora era respeitada e estimada pela população e não se conhece desacato que por ventura esta tivesse provocado com alguém da vinhaça.
Por entre os contares população ainda subsistem histórias sobre os seus feitos e suas magia, existem também alguns registos sobre as suas receitas, publicações e opiniões da concorrência sobre os seus trabalhos.
O episódio que terá estado na origem da sua popularidade foi quando Ana Piedade Louro, salvou a filha de um médico de Setúbal.
Segundo reza a história, um médico residente em Setúbal desenganado em relação ao estado de saúde da sua filha que definhava, desesperado pede ajuda a vários colegas e por sugestão de um deles, aconselhou-o a recorrer à Bruxa da Arruda para esta tratar e curar a sua filha, Ana Loira, como também era conhecida, tranquilizou-o dizendo que salvaria a sua filha. O medico acabaria por ficar três dias na vila enquanto a filha era tratada.
Segundo consta, o tratamento foi simples e consistiu no seguinte: Deitar a menina numa cama, com apenas um alguidar de leite à cabeceira, avisando a menina que não poderia tocar no leite e só poderia comer o que ela lhe desse. Durante dois dias só deu sementes de abóbora à criança e ao terceiro dia, esta expeliu uma cobra pela boca tendo ficado curada do seu mal.
Este episódio que se assemelha a uma fábula, é na verdade explicado pela ciência com algumas nuances, as sementes de abobora possuem um poderoso vermicida e provavelmente o que a criança teria eram lombrigas, ou uma grade lombriga que pode atingir os 30 cm de comprimento, e que foi expulsa do organismo pelo efeito tóxico das sementes e atraída pelo cheiro do leite.
Imagem: Arquivo RTP, 1999
No inicio do século XX, ainda havia uma grande crença na medicina alternativa praticada pela curandice, e episódio demonstra de alguma forma a sua superioridade. A fama da bruxa da Arruda espalhou-se por todo o país a ponto do Diário de Noticias publicar a 29 de novembro de 1906 um artigo intitulado "A Bruxa da Arruda", neste artigo o Diário de Notícias foi consultar Ana Loira do qual se extrai a seguinte informação:
"A caminho do Casal das Neves É num casal com este nome onde reside a célebre bruxa, próximo de Arruda (…) Soubemos ali que a bruxa e uma sua filha, que também dá consultas de bruxaria, costumava ir vender queijos de ovelha ao mercado. Procurámo-las, mas não a encontrámos.
- Hoje é dia della ter muita freguezia e não pode vir com certeza – alguém nos disse. (…)
- Daqui a casa da bruxa é muito longe? – perguntámos (…)
O casal abrange uma grande área. Dá-lhe ingresso um caminho de cabras, tendo d’um e d’outro lado, mas só á entrada, um bocado de muro feito de pedra solta. Ao fundo é que fica a casita da bruxa, ou por outra, o consultório. (…) Apareceu-nos uma das filhas da bruxa, que é quem a substitue na sua ausência, dando consultas, ajudando a mãe, com quem aprendeu, quando a freguezia é muita. É uma mulher relativamente alta e forte, bonita, de olhos expressivos e cabellos pretos. (…)
- A sua graça? – perguntámos.
- Assumpção da Piedade Loira, uma sua criada.
- Muito obrigado. Só precisamos que venha a sua mãe… Também dá consultas?
- Dou. Quando não está a minha mãe, eu é que dou volta á freguezia, mas sempre cá em casa. Tenho outra irmã, que se chama Maria da Piedade Loira, que também sabe porque aprendeu, como eu, com a minha mãe.
- Onde é que ella dá consultas?
- Lá p’ra riba, no logar de Nossa Senhora da Ajuda.
- Qual é a que faz mais negocio?
- Mais negocio?! Aqui não se faz negocio; cura-se gente e advinham-se coisas. Mas quem faz mais, o que não admira, porque é a mais practica e antiga cá n’isto, é a minha mãe.
- Quantos filhos teve ella?
- Uma ‘catrefa’ d’elles. Foram 19".
Imagem: Arquivo RTP, 1999
No dia seguinte, 30 de Novembro de 1906, o Diário de Notícias publicou a segunda parte da reportagem, destacando-se os seguintes trechos:
«Sem um momento de vacilação, dirigimo-nos para a casa das consultas. (…) Quando entrámos, perguntámos á bruxa se era ali a sala do ‘consultorio’.
- É, é, porquê? Gosta d’ella? – respondeu-nos a mulher ‘milagreira’ com um sorriso nos lábios. (…)
Passado pouco tempo a Ana Loira começou assim a sua narrativa acerca da maneira como cura os doentes:
- Uma pessoa quando adoece vem cá para eu a escutar e ver o que tem e depois faço a oração e leio na água, com letras d’azeite, a doença que essa pessoa tem. Quando o doente não pode vir manda outra pessoa qualquer, que traz uma peça do seu vestuário, sendo sempre melhor vir uma camisa, ceroulas ou meias. Essa peça deve ser tirada do corpo da pessoa doente e sem ser lavada ou posta ao ar, embrulhada num papel ou n’um sacco. Eu então tiro para fora essa peça de roupa, ponho-a sobre o oratório e depois faço a oração. Para saber a doença que essa pessoa tem, cheiro muito bem a tal roupa e depois leio a doença na água, como já lhe disse. (…)
Passamos a fazer uma ligeira descripção do oratório onde se fazem os ‘milagres’.
É d’uma madeira negra, semelhante a pau de santo e bastante antiga, tendo os caixilhos pequenos. Pela parte de dentro, tem uma prateleira. Metade do oratório serve para os santos, tendo uma imagem do Christo Crucificado e outras imagens pequenas e grandes, umas de papel e outras de barro. O fundo é todo forrado por um grande numero de medalhas de papel com santos, que é costume vender nos arraiaes. (…) A outra parte tem de tudo, como na botica. Parece mais uma arrecadação de que um oratório.
Tem bonecos, objectos de barro, canecas, botijas com azeite, jornaes, caixas de lata, emfim, para nada lhe faltar, até vimos a um canto, uma tijella com vinho, tendo junto um molho de massarocas de milho. (…)
Junto, na meza do oratório, vêem-se os petrechos para as benzeduras. Ao centro um prato de louça, com agua, e ao lado uma espécie de panella, mas em miniatura, de folha, e que tem um pé que encaxa numa outra peça também de folha. Serve este exquisito objecto para o azeite, e para a bruxa serve de tinteiro, com ‘tinta’ de escrever. O ‘papel’ é a agua…
Na mesma meza, sobre a qual está collocado o oratório, vê-se uma chapa de metal amarello muito polida, do feitio e espessura dum pataco antigo. Dum lado vê-se nessa medalha gravada a imagem de Christo, sendo o verso liso.
Vimos também, com a peça de metal, um pé de cabra ou coisa parecida, tendo na extremidade uma figa. São estes os petrechos para a benzedura.
Sobre uma arca está uma lata d’azeite para deitar no ‘tinteiro’. (…)
A bruxa benzeu-se e seguidamente com a mão direita pegou no tal pé de cabra e com a esquerda na moeda de metal, e voltando-se para nós perguntou-nos com voz grossa:
- Como é o seu primeiro nome?
- António. (…)
Seguidamente aponta a tal figa no oratório e exclama:
- Christo!
E depois apontou-nos a mesma figa, exclamando também:
- António! (…)
Collocou depois os dois objectos, a figa e a chapa de metal, sobre a mesa e pondo as mãos como quem reza, encostou-as ao prato que continha a agua e sempre com o olhar fito no mesmo, foi rezando, em voz alta, relativamente é claro, uma oração muito complicada, que não nos ficou de memória, nem era possível.
Entre outros pontos disse:
- Santo António das bilhas, Santo António das fontes, Santo António dos amores, Santo António milagroso, tira o mal á alma do António, ‘desembruxa-o’ de quem o ‘embruxou’, ‘desfeitiça-o’ de quem o ‘enfeitiçou’, António, foste olhado mal olhado, o teu ‘esprito’ não é mau… (…)
E continuou rezando… até que, calando-se, lança mão da latinha de azeite, mettendo-lhe um dedo dentro, molhando-o com aquelle liquido, deixando depois cautelosamente cair um pingo dentro da agua, limpando immediatamente o dedo á testa e ao cabello. Põe novamente as mãos e continua com a mesma oração, que termina com outro pingo dentro da agua e as respectivas dedadas na testa e no cabello.
Passou então a ler a nossa doença… (…)
Para a ‘aformentação’ das costas, ópio e deldôque; para o ‘estamago’ e barriga uma ‘aformentação’ d’arruda, marcella e alfazema frita e manteiga de vacca, e posto no ‘estamago’ um ‘emprato’ de pão de trigo, banha de porco e um ovo, isto feito em agua de girvão e ‘tadegas’, para se cozerem e a agua fazer o ‘emprasto’. Para beber á noite erva de sete sangrias; estando agoniado, chá de erva cidreira, e se tiver enjoo de ‘estamago’ chá de marmello. Isto ´r feito de vinte em vinte quatro horas, durante nove dias a fio. (…)»
Trechos publicados na página oficia da Câmara Municipal da Arruda
Imagem: Arquivo RTP, 1999
Dr. Tito Bourbon e Noronha, um médico local que se interessou pelo caso, terá confidenciado sobre o fenómeno da bruxa de Arruda, numa carta data de 2 de Novembro de 1934, dirigida ao ilustre Dr. José Leite de Vasconcelos(linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo):
"Sim a bruxa da Arruda existe, existiu e existirá […]. Quando vim para aqui em 1885, vai fazer cinquenta anos, pompeava a célebre bruxa da Arruda, no Casal da Neves, que, por sinal, não fica em o concelho da Arruda, mas sim no de Vila Franca de Xira, freguesia de São João dos Montes, mas muito perto desta Vila, e por isso era conhecida por bruxa da Arruda. Era ela de sua graça Ana Loura, saloia grossa de formas, mãe de numerosa prole; eu tive o prazer de lhe extrair a ferros o décimo sexto filho, uma bojuda pimpolha, actualmente moradora em Vale do Grou, a um quilómetro da Vila, e exercendo, como a mãe, a rendosa profissão, e que dá o nome de Adelina Toca Félix. Manda a verdade que se diga que a aura desta não é pálida sombra da da mãe. Uma outra filha, de nome Maria da Piedade, abriu consultório no lugar da Ajuda, freguesia de Arranho, deste concelho, ainda com a mãe viva, e fazendo-lhe concorrência; Também já morreu, deixando uma vergôntea, que só bruxoleia.
Uma terceira filha estabeleceu-se na Malveira, mas há uns anos ausentou-se, creio que para Lisboa. A bruxa mãe lia no azeite, deitado num prato com água, a doença do consulente, e receitava uns fumos de ervas, uns purgativos, não indo além da magnésia e sal amargo; para as dores opodeldoque. Não marcava o preço; recebia o que lhe davam e mais 300 réis para a escreventa."
O mesmo médico conta nas "Memórias de um João Semana": "Ao morrer, a Ti Ana, apezar da sua sabedoria todo, foi o tronco de uma dinastia de bruxas, nada menos do que cinco filhas lhe herdaram as artes e, como boas irmãs que se presavam de ser, resolveram separar-se, ficando uma no casal das Neves, outra em Vale de Grou, a dois passos da vila, outra em ajuda, a quarta foi para a Malveira e a quinta pré-opinante para Lisboa."
Imagem: Arquivo RTP, 1999
Segundo a neta de Adelina da Piedade Lourol e bisneta de Ana Loira, os seus tratamentos ficaram ainda mais famosos devido à cura de uma menina, filha de um médico de Setúbal, anteriormente abordado e que ficou conhecido como "O Caso da Filha do Médico", e ainda um outro episódio que ficaria conhecido como "O caso do Sapo com a Boca Cosida" e que se resume no seguinte:
"Sobre os poderes do oculto conta-se, entre muitas histórias, o caso da filha de um casal de agricultores abastados que adoeceu de repente. Os pais, aflitos e assustados, tudo fizeram para curar a menina, mas todos os esforços foram em vão. Em desespero recorreram à bruxa que fez a leitura do mal que se abatia sobre a rapariga com recurso a um prato de azeite e outro de água e a algumas rezas. Após a leitura, a bruxa informou os pais que a sua filha seria vítima de mau-olhado e magia negra, aconselhando os seus pais a regressaram rapidamente a casa e a procurarem debaixo do colchão da cama de sua filha um sapo com a boca cosida, que o retirassem e descosessem a boca. A rapariga ia enfraquecendo e ficando moribunda à medida que o sapo ia morrendo. Seus pais seguiram o conselho da bruxa e a menina foi melhorando de dia para dia."
Imagem: Arquivo RTP, 1999
Na tradição popular que surge em torno da Bruxa da Arruda muitas histórias se contam, algumas atribuem os seus poderes ao oculto e bruxaria e a trabalhos como tratamentos para exorcismo e mau-olhado, outras ao domínio do conhecimento de ervas e plantas medicinais.
O que é certo é que desde os primórdios dos tempos a ciência tem vindo a trabalhar na desmistificação dos seus resultados, conseguindo explicar racionalmente, através da física e da química, os processos que estão na base, e quanto ao fenómenos não explicados, aguardemos que se abram as portas do universo paralelo e que se explique a origem de tão inquietante sabedoria ancestral...
Fontes:
Archivo Histórico de Portugal, N.º 34, 1890;
Wikipédia;
Arquivo Digital: C. M. Arruda dos Vinhos;
Boa tarde
ResponderEliminarPor acaso sabe indicar-me onde fica em concreto esta casa?
ou a tal Aldeia das Neves / Casal das Neves, na freguesia de São João dos Montes?
Cumprimentos,
Fernando Liz
Alguém teria o PDF desse guia pratico da bruxa de arruda? Estou atrás faz anos
ResponderEliminarAcabei de descobrir a minha descendência 😂
Eliminar45999965379 eu tenho me manda mensagem
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