sábado, 27 de abril de 2019

O Palácio de São Bento (Assembleia da República) como nunca viu...

Palácio das Cortes que veio a transformar-se na Assembleia da República depois de remodelações,
 1873-1895, Foto de autor não identificado, In AFML

A Ordem de São Bento ou Ordem Beneditina é a mais antiga ordem religiosa católica de clausura monástica, fundada em Itália por volta do ano 529. A presença dos Monges Beneditinos em Portugal, terá acontecido na sequência do Concílio de Coyanza (1050-1055) decorrido em Leão, Espanha. Aderiram, então, à beneditização diversos mosteiros de observância autóctone (Regra de S. Frutuoso) na região do Entre Douro e Minho, a Ordem Beneditina entrava em cada uma das regiões do Reino de Portugal à medida que estas eram conquistadas.

Palácio das Cortes, fachada e estátua de José Estêvão Coelho de Magalhães entre 1878 a 93.
Foto de Francesco Roccinino no Arquivo Municipal de Lisboa.

Depois do Concílio de Trento (1545 e 1563) e das alterações teológicas e litúrgicas dele decorrentes, D. Sebastião favorece a reformação monástica, à semelhança do que acontecia  com as reformas em Castela, por cá, a ação de Fr. Pedro de Chaves, abade geral e reformador da ordem em Portugal, propõe ao Cardeal-Rei D. Henrique(1512-1580), a instituição da “Congregação dos Monges Negros de S. Bento dos Reinos de Portugal”, que pela aprovação do Papa Pio V, a congregação fundou entre outros, o Mosteiro de São Bento em Lisboa.

Mosteiro de Nossa Senhora da Estrela, primeiro Mosteiro da Ordem Beneditina em Lisboa.
A torre sineira à esquerda na foto, corresponde a uma das duas torres da Basílica da Estrela.
Data e autor não identificados, Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, ACML

Frei Pedro de Chaves escolheu, para edificar o mosteiro, numa parte de uma quinta pertencente a Luís Alter Andrade, uma de duas grandes quintas que por volta do século XVI, ocupavam a zona que hoje conhecemos como Largo da Estrela. A compra do terreno teve o aval e apoio do Cardeal-Rei D. Henrique, em dois anos é construída a igreja e um mosteiro, denominado Mosteiro de Nossa Senhora da Estrela com capacidade para acolher cerca de trinta monges, nela é celebrada a missa de Natal de 1573.

Fachada principal do Palácio das Cortes e Largo das Cortes, finais do século XIX.
Gravura em papel vegetal, em delcampe.net.

Por diversas razões, nomeadamente necessidade de maior espaço para uma comunidade religiosa crescente, assim como por motivos de salubridade e desejo de maior proximidade com o núcleo urbano e seus fiéis, apartir de 1581 a Ordem de São Bento, em congregação geral, decidiu construir um novo mosteiro. Ainda que a mudança não fosse de imediato, o desejo de encontrar um lugar que ao mesmo tempo se encontrasse fora da cidade, respeitando os limites de isolação geográfica condição essencial da clausura monástica, por outro lado, a proximidade à cidade que permitiria maior aproximação das populações à igreja e os padres do convento, agradavam bastante à Ordem.

Palácio das Cortes, fachada e estátua de José Estêvão Coelho de Magalhães, 1906.
Bilhete Postal n.º 284, Editora M&R Lisboa, este e outros postais em delcampe.net.

Em 1596 adquiriram a quinta de Antão Martins, apelidada popularmente como "Quinta da Saúde" em virtude de lá se ter instalado, por volta de 1570, uma espécie de hospital de campanha para recolher os doentes atingidos pela peste. Para elaborar o projeto, escolheram o arquiteto Balthasar Alvares(1560-1630), da escolha a muito se deve a boa conta em que o tinha o Cardeal-Rei D. Henrique, pois a ele já tinha encarregue várias obras realizadas sobre tudo no Alentejo. As obras iniciam-se em 1598 sobre a ordem do Frei Balthasar de Braga e direção do Frei Pedro Quaresma.

Palácio das Cortes, fachada e estátua de José Estêvão Coelho de Magalhães, 1906.
Bilhete Postal n.º 117, Editora M&R Lisboa, este e outros postais em delcampe.net.

Em 1615 a fase da construção do novo mosteiro está concluída e os religiosos são todos transferidos para as novas instalações, deixando o Mosteiro de Nossa Senhora da Estrela devoluto até 1632, data em que este passa a albergar o Colégio do Noviciado. Este Convento de S. Bento-o-Velho, como também ficou conhecido acolheu o colégio até 1797 data em que por interesse do Estado, o edifício passa a acolher um hospital militar para utilização das tropas auxiliares britânicas, o Hospital Militar da Estela, como é conhecido ainda hoje, expandiu-se progressivamente para a cerca do Convento do Sagrado Coração de Jesus (Basílica da Estrela).

Palácio das Cortes, fachada e estátua de José Estêvão Coelho de Magalhães, 1905.
Bilhete Postal de Lisboa, Edição Francesa, este e outros postais em delcampe.net.

O Mosteiro de S. Bento, o Novo(para se diferenciar do "Velho" na Calçada da Estrela), da Saúde (em memória ao sítio da saúde), ou dos Negros (também assim designado por pertencer ao Frades Negros de Tibães e por estes envergarem hábito negro) tinha capacidade para albergar cerca de 50 monges. Inserido num amplo recinto, cercado por um muro aberto por duas portas,  propicio à circulação de viaturas, o Mosteiro de planta quadrangular, apresenta ao centro um pórtico enquadrado por seis colunas e cinco arcos sobre os quais corre uma valente cimalha e por cima dela, sobre os três arcos do meio, se apresentam três nichos de cantaria em arco redondo e sobre o arco do meio tem lugar o do meio frontispicio neoclássico. Este pórtico centrar dá acesso a igreja que se encontra entre dois corpos laterais, cada um com o seu claustro, que integram o mosteiro, para alem destes dois claustros fechados, existem um outro claustro aberto, incompleto, adjacente a um dos corpos laterais.

Palácio das Cortes (Mosteiro de São Bento da Saúde), vista lateral, 1875,
Foto de José Artur Leitão Bárcia, no Arquivo Municipal de Lisboa.

O projeto inicial contemplava quatro claustros fechados mas apenas dois vão ser executados por completo. A Igreja apresenta uma única nave central, capelas laterais, sacristia, coro, duas torres sineiras e uma cripta. O mosteiro integrava livraria, sala do capítulo, hospedaria, cárcere, enfermaria, botica, dormitórios, barbearia, cozinha, refeitório, adegas, lagares, celeiro, forno, oficinas e uma cerca.

Mosteiro de São Bento da Saúde e Mosteiro Convento do Santo Crucifixo,
Maqueta de Lisboa antes do Terramoto de 1755, José Vicente, Museu de Lisboa, 2013.

Quando em 1755 se dá o terramoto que arrasou quase por completo a cidade de Lisboa, o Mosteiro de S. Bento, o Novo, não sofreu danos de maior, já o Castelo de São Jorge onde se encontrava o Arquivo Nacional na "Torre do Tombo" desde a sua instituição, sofreu danos diversos que obrigaram a deslocalização dos documentos para outros arquivos. O Mosteiro por se encontra em boas condições e possuir uma grande parte desocupada, foi aproveitado a partir de 1757 para a acolher os arquivos provenientes da Torre do Tombo do Castelo de São Jorge. O termo "Torre do Tombo" utilizado para identificar o Arquivo Nacional, é também o nome da torre do castelo onde estavam depositados os arquivos recuperados da nação. Também o novo edifício de 1990, para onde é definitivamente transferido o Arquivo Nacional, é denominado Arquivo Nacional da Torre do Tombo e até 2006, é criado um organismo dependente do Ministério da Cultura, oficialmente denominado Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IANTT), possuindo simultaneamente funções de arquivo nacional e de órgão de coordenação da política arquivística nacional. Durante este período também esteve arquivado o depósito da Inquisição.

Convento do Santo Crucifixo de Lisboa e Convento de S. Bento da Saúde em Lisboa, 1853
Pintura de João Lewicki, Estúdios de Mário Novais, 1947, Arquivo Municipal de Lisboa.

Com efeito depois do terramoto de 1755 as estruturas com condições para acolher de imediatos as instituições e serviços públicos escassearam, desta feita os monges cederam uma parte das suas instalações para vários fins. De 1769 a 1772, foi sede da Patriarcal de Lisboa que depois da destruição da Capela Real, situada perto de São Julião, onde esteve sediada até 1755, deambulou por vários outros locais até ali se instalar durante esse período. Em 1757, também mo mosteiro se instalou a Academia Militar de Lisboa. Numa das suas dependências anexas, em 1791 se instalou o Cartório do Registo das Mercês. 

Retrato de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

Em 1796 e 1798, numa dependência que existia próxima ao refeitório dos Frades, uma das poucas salas que preserva a traça do antigo convento beneditino, terá existido uma prisão onde passaram ilustres portugueses, de entre eles o Poeta Barbosa du Bocage, na sequência da opressão religiosa (Inquisição), este episódio terá ocorrido a 17 de fevereiro de 1798.
Entre 1797 e 1801, serviu de instalação ao Batalhão de Gomes Freire de Andrade. Antes da extinção das ordens religiosas, o mosteiro também serviu de hospedaria para Bispos, sepultura de incógnitos e notórios como um Embaixador de Espanhol e , refúgio, depósito de destroços de regimentos militares, academia militar e patriarcal.

Brasão da Ordem de São Bento, do Mosteiro de São Bento, datados de 1630,
Encontra-se hoje no Museu Nacional do Azulejo.

Ainda antes da extinção das ordens religiosas, por volta de 1833 a comunidade de monges que havia decrescido significativamente, desloca-se para o Mosteiro de Tibães em Braga, a decadência daquele que foi um dos mais prestigiados mosteiros de Lisboa, no qual eram presenças assíduas a Corte  e as grandes famílias da nobreza, começou a partir do governo de Marquês de Pombal, acentuada pelas Invasões Francesas e pelas Guerras Liberais.
Na sequência da vitória do regime liberal, o local foi aproveitado para as reuniões das Cortes Constituintes (1820), consideradas como o primeiro parlamento português no sentido moderno do conceito, passando a ser denominado como Palácio das Cortes com as respetivas funções até 1911.

O Mosteiro de São Bento da Saúde, vista panorâmica, século  XVIII,
Museu Nacional de Arte Antiga.

Esta conversão de Mosteiro em Palácio proporcionou-se porque em 1834, na sequência da reforma eclesiástica levada a cabo pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar e executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), extinguem-se todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens. Desta reforma institucional resulta um extenso espólio patrimonial que é incorporado nos bens da Fazenda Nacional, muitos dos imóveis não vão ser adaptados, largados ao abandono, acabam por cair em ruínas consequentemente na perda inestimável de património religioso, cultural e artístico Português.

A primeira Sala da Câmara dos Deputados do arquiteto Joaquim
Possidónio Narciso da Silva. In A Guarda Avançada dos Domingos, 10 de maio de 1835.

Com efeito o vitorioso D. Pedro IV, em 1834 decreta que as Cortes (Câmaras dos Pares e dos Deputados) passam a funcionar no edifício do Mosteiro entretanto denominado Palácio das Cortes e submetido a diversas intervenções arquitetónicas a fim de promover as adaptações necessárias ao novo propósito laico político.
Esta primeira grande intervenção foi baseada num projeto da responsabilidade do arquiteto Joaquim Possidónio Narciso da Silva (1806 - 1896) do qual resulta alteração significativas no interior do edifício, sendo aproveitada a Sala do Capítulo para instalação da Câmara dos Pares e o claustro da ala esquerda para a construção de raiz da Câmara dos Deputados.

Sala do Pariato ou Pares do Reino, hoje Sala do Senado da autoria de Jean-François Gilles Colson,
Fotografia de Miguel Saavedra de 2011, publicada no Boletim da Assembler da Republica, aqui.

Em 1856 foi elaborado um projeto de remodelação do imóvel da autoria de Jean-François Gilles Colson (1833-1903) que acabou por não avançar por falta de verba, anos mais tarde, em 1863, são aprovadas obras na Sala do Pariato, projeto da autoria do mesmo arquiteto, este vai alterar a provisória sala onde reunia o Pariato desde 1834, resultante da conversão da antiga livraria e sala do Capítulo do extinto Mosteiro, transformadas pelo arquiteto de Obras Públicas João Maria Feijó.

Uma das mais belas salas de todo o edifício, começou por se chamar Sala do Pariato ou Pares do Rei durante a Monarquia, Sala do Senado entre 1911 e 1935 e Sala da Câmara Coperativa entre 1093 e 1974, voltando atualmente a denominar-se Sala do Senado. Embora hoje o Parlamento possua uma única Câmara e não lhe confira um utilização especifica, na sequência do incendeio de 1895 que destruiu a sala de Sessões, entre 1897 e e 1903 esta sala acolheu simultaneamente a Câmara dos Pares e a Câmara dos Deputados. Voltando em 2008 a acolher as sessões plenárias dos Deputados enquanto a Sala das Sessões sofria obras de reabilitação e restauro.

A mesa da presidência do Senado - presidida por Anselmo Braamcamp Freire,
Na antiga sala dos pares do reino em agosto de 1911.
Foto de Alberto Carlos Lima, no Arquivo Municipal de Lisboa, AML.

Um retrato do Rei D. Luís, monarca contemporâneo da inauguração da Câmara dos Pares, domina a tribuna da presidência, onde já tinha estado originalmente, depois de ser substituído pelo retrato de D. Carlos, com a República a coroa dourada que encimava o retrato foi substituída pela esfera armilar dourada e o retrato substituído por um pano aveludado e a Bandeira Portuguesa, mais tarde a esfera dourada foi substituída por uma esfera em madeira, que se mantém atualmente e o pano foi substituído por um busto da República, este por sua vez é substituído por uma pintura intitulada "Pátria" e em 1992 o retrato original volta ao seu pouso.

Era presidente da Câmara dos Pares em 1834, o Duque de Palmela, que durante uma comissão para discutir o casamento da D. MAria II com D. Fernado II, se terá manifestado contra alegando desvantagens politicas que apenas pretendiam camuflar a verdadeira intenção de casar seu filho com a herdeira da coroa.

Retrato de Pedro de Sousa Holstein, (1781-1850) 1.º Duque de Palmela
Presidente do Conselho de Ministros 1834/35, 1842 e 1846


Encontram-se distribuídas junto ás galerias do anfiteatro, os bustos em mármore correspondentes aos aos Pares do Reino, Duque de Palmela do escultor Araújo Cerqueira, D. Guilherme e Duque da Terceira, ambos da autoria de Manuel Bordalo Pinheiro, Conde de Lavradio, da autoria de Miguel Santos, Duque de Loulé, de Anatole Calmels ,Duque de Saldanha, de Alberto Nunes,  Duque de Ávila e Bolama e Fontes Pereira de Melo, ambos da autoria de Simões de Almeida. Todos esculpidos ao longo da segunda metade do século XIX.

Também em 1870 pelas mãos de Vitor Bastos nasce uma estátua de José Estêvão Coelho de Magalhães (1809-1862), um incondicional Liberal, que se destacou em várias áreas profissionais, nomeadamente na política quando fez parte deste parlamento. A sua estátua foi inaugurada em 1878 no Largo das Cortes.

Palacete de São Bento, Residencial Oficial do Primeiro Ministro, 2017
Autor não identificado, foto da Agenda Cultural de Lisboa, aqui.

Em 1877, nos terrenos pertencentes ao antigo mosteiro, existentes ao pé do jardim nas traseiras do Palácio de São Bento, foi construído o Palacete de São Bento, propriedade de Joaquim Machado Caires e sua residencia em Lisboa. Com a chegada de Oliveira Salazar ao poder, em 1937 o edifício foi expropriado e transformado em Residência Oficial do Presidente do Conselho de Ministros. Depois de alguma obras de adaptação, Oliveira Salazar passou a residir nele efectivamente. Depois das necessárias obras, Oliveira Salazar passou a residir neste palacete a partir de maio do ano seguinte. Hoje o palacete continua a ser a Residência Oficial do Primeiro Ministro e do Poder executivo.


Obras de remodelação da Sala de Sessões no Palácio das Cortes/ São Bento, 1900
Autor desconhecido, Arquivo Municipal de Lisboa.

Na sequência de obras que decorriam na cobertura do edifício, a 17 de junho de 1895 deflagrou um incêndio que destruiu completamente a Câmara dos Deputados que havia sido construída num dos claustros do antigo Mosteiro, desta feita os deputados são instalados, provisoriamente, na Academia das Ciências de Lisboa e o Parlamento funciona na sua Biblioteca, posteriormente a Sala do Senado acaba por acolher as duas Câmaras.

Sala das Sessões da Assembleia da República no Palácio de São Bento c.1900
Foto de Domingos Alvão no Arquivo Municipal de Lisboa.

Apesar do incendeio ter atingido sobretudo a Sala dos Deputados, são pedidos projetos para a remodelação integral do antigo Mosteiro e novo Palácio das Cortes, para o efeito destacam-se duas propostas da autoria de Domingos Parente da Silva e outro de Miguel Ventura Terra, este ultimo acabaria por ganhar o concurso com um ambicioso projeto ao gosto neoclássico bem distante do discreto estilo conventual. A nova Sala das Sessões é inaugurada em 1903, a antiga Câmara dos Deputados desenhada por Possidónio da Silva, até então retangular, passa configurar a forma de anfiteatro.

Sala de Sessões da Assembleia da República, durante uma votação, 2019.

As obras de remodelação do edifício vão prolongar-se cerca de 50 anos com a intervenção também de outros arquitetos, escultores e pintores.
Luís Cristino da Silva e Lino António, trabalharam juntos nos estudos para a reformulação da zona envolvente do Palácio, nomeadamente a construção de uma dupla escadaria que liga os dois planos de jardins, o que liga o Palácio ao Palacete de S. Bento (Residencial Oficial do Chefe do Governo) e a sul o Jardim de São Bento onde ficava o Convento do Santo Crucifixo de Lisboa, demolido em 1911.

Sala Lisboa, Pintura Conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques (1147).
Foto de Eduardo Gageiro, 1999, In Assembleia da República.

O Pinto Lino António realizou também algumas obras pontuais no interior do Palácio, com destaque para os o friso na Sala Lisboa, é uma das salas mais conhecidas dos jornalistas, usada para conferências de imprensa e reuniões. Durante o Estado Novo era o gabinete de trabalho do presidente da Assembleia Nacional.


Salão Nobre da Assembleia da República, Foto de Miguel Saavedra, 2011.

O Salão Nobre da Assembleia da República ocupa o espaço do antigo coro alto da Igreja do Mosteiro de São Bento da Saúde e destina-se a recessões oficiais. A sala resulta de uma intervenção de Pardal Monteiro, ao gosto e estética do Estado Novo, seguindo o conteúdo programático da sua política cultural e histórica, concluída em em 1941. Decorado com pinturas de Adriano Sousa Lopes concluídas após a morte deste por Domingos Rebelo e Joaquim Rebocho. A única varanda da fachada principal é acessada por esta sala e foi nela que Anselmo Braamcamp Freire, Presidente da Assembleia Constituinte em 1911, anunciou ao povo de Lisboa que o Parlamento tinha proclamado a República.

Sala dos Passos Perdidos, 1913.
Bilhete Postal n.º 1607, Editora M&R Lisboa, em delcampe.net.

A Sala dos Passos Perdidos é assedio pela Escadaria Nobre e adjacente à Sala das Sessões, funciona como sala de intervalo entre sessões e sala de imprensa. O curioso nome desta sala está relacionada com o facto da cobrança de promessas que os requerentes vinham efetuar às portas da Câmara dos Deputados, muitas vezes, viagens perdidas ou passos perdidos. A sala, da autoria de Ventura Terra, foi construída sobre o Átrio, respeitando e seguindo o traçado e dimensões deste, já por si adaptadas ao desenho original da igreja monástica beneditina.

Escadaria Nobre da Assembler da Republica, Palácio de São Bento, 2004
Foto de Carlos Pombo, In Assembleia da República.

A Escadaria Nobre foi projetada pelo arquitecto Ventura Terra e reformulada pelo arquitecto António Lino, nos anos de 1936-1937, encontra-se onde anteriormente existia também a escadaria do antigo Mosteiro. O escadario da acesso a um conjunto de portas, ao nível do Andar Nobre, que ostentam frontões triangulares encimados por esculturas que representam as oito províncias existentes à época, Estremadura, Minho, Beira Alta, Trás-os-Montes, Algarve, Alentejo, Douro e Beira Baixa, identificadas pelos brasões das suas capitais, também representados na estatuária.

Biblioteca Passos Manuel, biblioteca parlamentar da Assembleia da República.

A Biblioteca Passos Manuel, assim designada desde 2017 em homenagem ao Ministro Manuel da Silva Passos, que em 1836 cria por decreto a Biblioteca das Cortes, inicialmente localizada no antigo coro da Igreja Beneditina onde hoje se instala o Salão Nobre. Hoje situada no Andar Nobre do Palácio de São Bento, a anteriormente denominada Biblioteca Nacional e Biblioteca da Assembleia da Republica, ocupa quatro salas do espaço onde outrora estiveram instalados os aposentos de monges. A nova biblioteca foi projetada por Adolfo Marques da Silva e mobilada com estantes em dois pisos com galerias de acesso e postos de consulta, dispõe de um acervo com mais de 180 000 volumes, na sua grande parte relacionados com a a atividade parlamentar, Direito, Ciência Política, História, Economia e Estatística.


Sala D. Maria II, Palácio de São Bento, 2007
Foto de Carlos Pombo, Assembleia da República, aqui.

A Sala de D. Maria II foi concedida muito provavelmente pouco depois da construção da Sala do Pariato ou Pares do Reino e servia para acolher conferências entre os Dignos Pares do Reino e integra a galeria de retratos dos Presidentes da Câmara dos Pares.
De salientar o Retrato de D. Maria II de grandes dimensões pintado a óleo sobre tela. Retrato de corpo inteiro, destacam-se também o busto de seu pai, D. Pedro IV, e a Carta Constitucional de 1826. Trata-se de uma cópia de autor desconhecido do retrato existente no Palácio da Ajuda, concebido por Ferdinand Krumholz.


Claustro do Palácio de São Bento, preservado do antigo Mosteiro Ordem Beneditina, 2006.
Foto de Rui Morais de Sousa, in Assembler da República, aqui.

O Claustro da ala sul do palácio, um dos três construídos e único preservado mantém ainda muitos aspetos semelhantes à sua traça original dos projectos do arquitecto seiscentista Baltasar Álvares. De forma quadrangular, fechado por uma galeria formada por 12 arcos de volta perfeita e 8 arcos retos. A fonte que se apresenta ao cento remonta aos finais do século XVIII, inícios do século XIX.

Átrio do Palácio de São Bento, Eduardo Gageiro, 1999, In Assembleia República, aqui.

O Átrio Principal do Palácio de São Bento, juntamente com o antigo Refeitório dos Frades, são dos poucos espaços que mantêm elementos arquitetónicos originárias do antigo Mosteiro. Neste local alinhado com a fachada principal, encontrava-se a primitiva igreja da qual ainda se mantém o pavimento original revestido de mármores coloridos, configurando figuras geométricas. Os arcos de acesso às antigas capelas laterais, apresentam-se hoje fechados por paredes cegas formando pequenos nichos que foram preenchidos por bustos de grandes figuras nacionais, de entre elas encontram-se no átrio os bustos do escritor e poeta Luís Vaz de Camões, de alguns notáveis parlamentares da Monarquia e da 1ª República, como Hintze Ribeiro e António Cândido, Bernardino Machado, António José de Almeida, Afonso Costa e ainda o busto do Presidente da Assembleia Constituinte de 1975, Henrique de Barros. Os dois sinos que podem ser observados dispostos no piso deste átrio pertence à extinta torre desta Igreja, antes de ser desmantelada e convertida.


Refeitório dos Monges, do Antigo Mosteiro, atual Palácio de são Bento, 2011
Foto de , Miguel Saavedra, in Assembleia da República, aqui.

O antigo Refeitório dos Monges situado no piso térreo do palácio, apesar de não ter tido alterações muito significativas, também não tem uma utilidade de destaque que permita ser mais visitado e conhecido, de destacar apenas a função de Centro de Acolhimento ao Cidadão, onde os visitantes podem ver um vídeo sobre a Assembleia da República e descobrir outras informações sobre o Parlamento.

Aspeto das obras na fachada principal do Palácio de São Bento, 23 de novembro de 1935.

A nova fachada do Palácio de São Bento foi construída durante a primeira metade do século XX,  ao gosto neoclássico segundo um projeto de Ventura Terra, adaptado por Adolfo Marques da Silva a partir dos anos 20, em que este toma a direção da obra.
Caracteriza-se por um conjunto de volumes uniformes de três andares com vãos de janelas retangulares verticais encimadas por frontões triangulares e semicirculares no Andar Nobre, janelas quadradas simples no piso intermédio e janelas retangulares verticais no rés-do-chão.  


Escadaria e Fachada principal do Palácio de São Bento (Assembleia da República), s/d.
Bilhete Postal com fotografia autentica, Editora J.C.A.L, em delcampe.net.

A fachada possui um equilíbrio clássico de volumes distribuídos horizontalmente do qual se destaca um corpo avançado central, correspondente à entrada principal do edifício. Sobre o ultimo vão de escadas eleva-se uma arcada em volta perfeita com inscrição da palavra "Lex" nas colunas do arco central, símbolo alusivo à função legislativa do Parlamento. A marcar cada um dos arcos laterais, quatro estátuas alegóricas femininas representam a Prudência, a Justiça, a Força e a Temperança.
A grande escadaria exterior composta por vários lances de escadas, foi construida em 1941 pelo arquiteto Cristino da Silva, também responsável pelos jardins e outros apontamentos exteriores. Os lances de escadas são limitados por dois pequenos muros, rematados com dois leões sentinela de simbologia apotropaica (afastar o mal).

Fachada do Palácio de São Bento, foto de Rui Morais de Sousa, 2008.

O copo central é rematado por um enorme frontão triangular construído a partir do espaço da galilé da antiga igreja do Mosteiro e decorado pelo escultor Simões de Almeida (sobrinho), dentro de uma estética contemporânea respeitando o programa ideológico da politica do Estado Novo, representando ao centro a "Pátria" rodeada por dezoito figuras representando, classes sociais.
A varanda que antecede a zona nobre do andar, cujo acesso é assegurado por cinco janelas em carco redondo, possui treze colunas coríntias que ostentam o imponente frontão.


Postal comemorativo dos 100 anos de Assembleia da República (1910-2010), em delcampe.net.

Pelo que o edifício representa historicamente, não apenas para a cidade de Lisboa mas para todo o País, por todas a serventia de que lhe foi dada utilidade, pelas importantes funções que desempenha ainda hoje, pela quantidade de peças de arte e arquivo histórico que encerra e disponível de contemplação e consulta a todos que lhe tenham especial interesse, o Palácio de São Bento conjuntamente com o seu meio envolvente foi classificado como Monumento Nacional desde 2002, por Decreto publicado no Diário da República.


Fontes:

Artigo "Palácio das Cortes (Antigo Mosteiro de S. Bento)", Archivo Pittoresco, n.º 52, 1860;

"Mosteiro de S. Bento da Saúde de Lisboa",Arquivo Nacional da Torre do Tombo, (Arquivo digital: digitarq.arquivos.pt);

"Mosteiro de São Bento da Saúde/ Palácio de São Bento/ Palácio das Cortes/ Assembleia da República", Sistema de Informação para o Património Arquitetónico;

Jornal "Correio da Manhã", artigo digital "15 PRECIOSIDADES DE SÃO BENTO"
Ler mais em: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/15-preciosidades-de-sao-bento

terça-feira, 23 de abril de 2019

A Casa e Fábrica de Colchões dos “Vianas”




Estas casas pertenceram a uma família denominada “Vianas”, o nome associado á família esta relacionado com a sua origem, as suas raízes são de Viana do Castelo.



Com uma óptima localização, no extremo da Rua do Carmo que é das mais antigas (mediaval) e históricas ruas de Penafiel. Emblemática pelos edifícios e património que contém e sua carateristica bairrista esta rua compreende-se entre a Igreja Matriz, passando pela Igreja da Nª Sª Carmo até ao entroncamento da Avenida de São Roque com a Avenida Tomás Ribeiro. Era também aqui que se situava o antigo colégio do Carmo, e onde nasceu o Baile dos Pauzinhos.



A casa fechava o gaveto entre o final da Rua do Carmo com o também final da Avenida Tomás Ribeiro, encontra-se desabitada há muitos anos e foi recentemente vitima de um incendeio que danificou uma parte da habitação.




Acolheram em suas dependências o negócio de família, uma pequena fabrica de enchimento de colchoes, numa época em que era feita com folhelhos. 



Feita a desfolhada, e seguindo o princípio de que nada se perde, lavavam-se cuidadosamente, as frágeis folhas que até aí envolviam o milho, e colocavam-se, imediatamente a secar debaixo do sol, que por essa altura já brilhava em dose generosa.



Depois de secas eram então desfiadas e entregues a mulheres que se tinham especializado no encher dos colchões.
A intervalos esse folhelho era retirado,e repetia-se a operação de lavagem e enchimento, até que nova colheita do cereal permitisse a sua renovação…



Na revista "Argus" n.º1, maio de 1907, podemos ver um anuncio, ainda que não esteja relacionado com esta fábrica, com algumas das principais soluções disponíveis para os enchimentos dos colchões, nessa categoria pode ler-se o seguinte "Culchões e enxergões; permanente fabrico e deposito completo em todas as dimensões e qualidades, pannos de riscado e linho para enchimento de palha, folhelho, lã e sumauma."


Fontes:

Informações obtidas de moradores locais.

O Castelo de Vila Viçosa e a Lenda da Bruxa do Castelo

Torre de Menagem do Castelo de Vila Viçosa, exterior à muralha,
Antes da intervenção do Engenheiro Duarte Pacheco,
Foto de 1942, in SIPA(editada)

Localizado na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, a mesma onde foi edificada uma Igreja em sua honra, a imagem foi oferecida por D. Nuno Alves Pereira em 1385, após a vitória portuguesa contra os Castelhanos em Aljubarrota, viria a ser proclamada Padroeira de Portugal, por D. João IV  em 1646, a partir de então, não mais os monarcas portuguesas da Dinastia de Bragança voltaram a colocar a coroa real na cabeça. 

Imagem da Nossa Senhora da Conceição,
Procissão saída do Castelo de Vila Viçosa,
Publicada por Dnevnik Najedine,
Foto da década de 1950(editada).

Hoje  na denominada União de Freguesias de freguesia de Nossa Senhora da Conceição e São Bartolomeu no concelho de Vila Viçosa, próximo à vertente nordeste da Serra de Ossa, ergue-se o Castelo Medieval, um exemplar de arquitetura militar, nos estilos gótico, quinhentista e seiscentista, de enquadramento urbano, isolado, coroado numa colina em posição dominante sobre a vila, defendida naturalmente pela Ribeira de Ficalho e pela ribeira do Carrascal, afluentes do rio Guadiana. 

Torriões circulares da Porta de Évora,
Ao fundo a as novas ameias da Torre de Menagem,
Foto da DGEMN, 1974 (editada)

Na reconquista cristão de alcácer do Sal, a região passa para os domínios de Sancho II, em 1270 recebe pelas mãos de Afonso III a primeira carta de foral, com esta deixa de ser denominada "Vale Viçoso" e passa a "Vila Viçosa", apesar de ter ascendido concelho alguns anos antes.

Gravura, Alain Manesson Mallet (1630–1706),
 "Les Travaux de Mars ou l'Art de la Guerre",
Data 1696. Acervo: Peace Palace Library.

O Castelo de Vila Viçosa como o vemos hoje é o produto  de três núcleos sobrepostos e de épocas diferentes. 

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 7, Muralhas de D. Dinis,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Castelo  e a Cerca Medieval de Vila Viçosa, foram mandados construir por D. Afonso III e concluído por D. Dinis ainda no século XIII. Por volta de 1290 estima-se que estivesse concluída a cerca da vila, rasgadas por três portas, a do Sol, a de Estremoz e a de Évora, franqueadas por cubelos, que harmonicamente às definiam.

Porta da Cerca exterior do Castelo
Foto de 2010, in guiadacidade.pt

Já pela mão de D. Fernando I, em finais do século XIV, a exemplo do que fez em outros castelos, procedeu a importantes melhorias na fortificação e mandou abrir a sudoeste da cerca a Porta da Torre. No contexto da 3.º Guerra Fernandina, Vila Viçosa tornou-se o quartel-general das operações. 

Gravura alusiva ao agradecimento de Nuno Álvares Pereira
a Nossa Senhora da Conceição pela vitória sobre Castela,
Autor e data não identificados.

No reinado de D. João I, os domínios de Vila Viçosa são doados ao Condestável do Reino, D. Nuno Álvares Pereira, em recompensa pelos serviços prestados na guerra castelhana, da qual em 1400, resulta o reconhecimento por Castela de D. João I como rei de Portugal. Vila Viçosa fica intimamente ligada a família Bragança, antes mesmo de esta ser a família Real em Portugal, quando era "apenas" a casa nobre mais poderosa do país.

Foral de D. Manuel I,
Coordenação, Introdução e Notas,
Manuel Inácio Pestana, 1993.

No início do século XVI, pelas mãos de D. Manuel I, Vila Viçosa recebe novo foral e entre 1515 e 1520 e por iniciativa de Jaime de Bragança inicia-se a construção de uma nova cerca no exterior da vila, envolvendo a antiga e incorporando o Novo Paço Ducal e os principais mosteiros, como consequência demoliram-se casas no interior da muralha medieval, parte do castelo e da cerca velha entre as portas de Évora e as do Sol.

Fortificação do Castelo de Vila Viçosa visto de Noroeste,
No interior os edifício mais recentes onde funcionam os museus,
Foto da DGEMN, 1974 (editada)

Entre 1525 e 1537, a construção cujo progeto atribuído a Diogo ou Francisco de Arruda, com algumas reservas uma vez que existem autores que defende que o projeto possa ter sido da autoria direta de arquitetos italianos, que na sequência do reinado de D. Filipe I, abundavam na Península Ibérica, certo é que o castelo foi transformado numa fortaleza de artilharia preparada para os desafios pirobalistica, as novas estruturas são pensadas de forma a dar resposta ao movimento das novas artilharias. De gosto e influência italianos, semelhante a uma planta de Leonardo da Vince, parecido com um castelo norueguês mandado construir por um bispo que vivei em Itália e ainda partilha algumas semelhanças com o castelo de Évora Monte, que terá sido projetado pelo mesmo arquiteto e com as mesmas influencias.

Planta de Vila Viçosa, 1 de janeiro de 1763,
Situation des stadt und fortificacion der citadel von Villa Viçosa,
Fonte. Centro de Informação Geoespacial do Exercito

O castelo fortificado, que se encontra dentro da cerca medieval da vila, apresenta uma planta quadrangular, dotada de dois potentes torreões semi-circulares em ângulos opostos. Isolado por um fosso seco, apresenta muralhas compactas e levemente inclinadas, coroadas por um parapeito corrido e rasgado por canhoeiras de vãos generosos. Desta forma, a sua silhueta afasta-se claramente dos castelos de tradição medieval, aproximando-se do perfil das fortificações modernas.

Potra do Cerco do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de 2018,  In vortexmag.net

No contexto da Dinastia Filipina (1580-1640) Vila Viçosa era sede da maior corte ducal da península Ibérica.

Porta do Cerco do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de Tiago Passão Salgueiro, 2015

Na Guerra da Restauração em 1640, João II de Bragança é encorajado por um grupo de conspiradores a aceitar o trono de Portugal, inicia-se assim a Dinastia dos Bragança com Ascenção ao trono de D. João IV e a definitiva independência de portugal. Ironicamente é aprtir dessa data que Vila Viçosa perde protagonismo com a inevitável transferência da família para o paço da Ribeira em Lisboa.

Fortificação do Castelo de Vila Viçosa visto de Este,
Aspeto anterior as obras realizadas na década de 1940,
Foto da DGEMN, 1942 (editada)

Na sequência da guerra que conduziu à definitiva independência de Portugal, o castelo e as muralhas da vila, foram objecto de uma grande reforma repartida por duas fases, ambas resultantes dos projetos do arquitecto francês Vauban: a primeira iniciou-se em 1643 e foi comandada por Pascásio Cosmander; a segunda é o produto da acção do conde de Schomberg, na década de 60. Derradeira intervenção no perímetro muralhado, esta última etapa contou com a construção de revelins e fortins que envolvem a estrutura medieval e também parte da cidade baixa, numa perspectiva defensiva bem diferente e abrangente da que animou as duas anteriores fases de definição deste conjunto militar, viria a ser crucial para repelir o assalto das tropas espanholas em 1665.

Muralhas do Castelo de Vila Viçosa,
Foto da DGEMN, 191? (editada).

No contexto da Guerra da Sucessão Espanhola, um levantamento pelo Estado dos Instrumentos Militares em 1762, indicava graves falhas na estrutura das muralhas que permitiam o acesso facilitado, muro antigo da porta dos Remédios,  os postos e trilhos das rondas derrubados, a trincheira à volta da vila estava derrubada salvavam-se as quatro portas da vila que acresciam de  poucos conserto e estavam capazes de servir, talvez porque os acesso eram em parte efetuados pelas muralhas derrubadas.

Paço Ducal de Vila Viçosa,
Foto de 2015, in ruralea.com.

As célebres demolições para aproveitamento dos matérias para novas construções não era comportamento da exclusividade dos civis, neste caso em 1777 a Casa de Bragança mandou demolir o troço da cerca nova no rossio de São Paulo, para ampliação do Paço Ducal.

Porta principal do Castelo Artilheiro, Forte do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de 2006, in SIPA(editada)

Ainda no século XVIII procedeu-se a substituição da ponte levadiça da porta principal por uma de alvenaria, sobre abóbada.  Distingue-se também o facto de este castelo ser o único em Portugal
que conserva ainda uma porta de entrada principal com passadiço que assegurava a passagem da artilharia e cavalaria e de portilho para peões, que apresenta ainda uma ponte levadiça de madeira com um mecanismo de ferro enferrujado, sobre o fosso.

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 35, Vista parcial e Paço Ducal ao fundo,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Na sequência da Guerra Peninsular, face a vulnerabilidade do castelo, este foi saqueado por várias vezes, obrigando a casa de Bragança a efetuar obras de concertos e melhorias, que acabariam por acontecer entre 1821 e 1827.

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 34, Muralha de D. Dinis, Porta de Olivença,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Depois de quase trinta anos nas mãos do Regimento da Cavalaria,em 1852 o castelo retornou às mãos da Casa de Bragança que perante tentativas de assaltos  policiou o castelo durante vários anos.

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 27, Um Aspeto Exteriro do Castelo,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Em 1868, a casa da guarda da Porta de São Sebastião da cerca nova foi demolida para abertura da estrada municipal de São Romão, em 1885 procedeu-se a substituição da ponte de acesso à Porta de Armas por outra, de alvenaria no ano seguinte a construção do cemitério junto à Igreja Matriz sacrificou a Porta de Elvas.

Vila Viçosa, vista aérea sobre o Castelo Artilheiro,
 Francisco Piqueiro / Foto Engenho 2007, in SIPA.

Hoje, na área envolvente ao castelo encontramos algumas ruínas, arcos isolados e escadas sem destino, no interior da muralha, conserva-se grande parte da antiga vila, com ruas retilíneas que se cruzam ortogonalmente, erguendo-se sensivelmente no cruzamento dos dois eixos principais, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, separando-se da cerca virada a Noroeste.

Torre de Menagem do Castelo e Pelourinho de vila Visosa,
Autor, N/I, data de 1982.

Mesmo aos pés do torreão, a Sudoeste da fortificação, onde foi interrompida a cerca da vila, fica a Porta de Évora, a porta principal, interceta um eixo que coincide com a disposição da Praça do Município, um pouco mais à esquerda junto da cerca, mas do lado de fora, encontramos a torre de menagem que se faz acompanhar pelo Pelourinho, no lado oposto, dentro da cerca mantém-se o cemitério, onde podemos encontra o túmulo da uma célebre escritora portuguesa, Florbela Espanca.

Foto das obras de requalificação e reconstrução das muralhas
Entre o torreão da Porta de Évora e a Fortaleza,
Foto da DGEMN, 1933 (editada)

A par do que aconteceu com a reabilitação, na sequência das classificações de monumentos, em meados do século 20 foram introduzidas obras de restauro, que visaram a reintegração das caraterísticas medievais do castelo e de grande parte da estrela. O Projeto de a cargo do Engenheiro Duarte Pacheco levou ao descongestionamento da cerca velha e à demolição de grande parte do sistema tenalhado para a construção da avenida e arranjo urbanístico.

Porta da Cerca do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de Daniel Vilas Boas, 2013

Classificado como Monumento Nacional desde 1910, é propriedade da Fundação da Casa de Bragança, nele funcionam o Museu da Caça e o Museu de Arqueologia da Fundação conserva também no seu interior a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

Torreões semi-circulare do Castelo Artilhado,
Foto de José Manuel Netas, 2016.

Vila Viçosa candidatou-se em 2018 a aprovação de Património Mundial da UNESCO, candidatura estará em aprovação até 2020.

Porta de Évora do Cerco do Castelo de vila Viçosa,
Foto de Violante Freire, 2015.


A Lenda da Bruxa do Castelo de Vila Viçosa;


Quadro "Mulher com um xaile, Luto"
 Vincent Van Gogh (1853-1890)

Nos finais do século XIX, existiu uma velha, Maria Gertrudes, criada de recados, que a mandado da sua senhora percorria as ruas vielas da vila sobre insultos da da população.
Consta-se que esta fora vista já noite a dentro, nas ameias do castelo, agitando um candeia acesa, sobre a antiga porta de Elvas, mesmo junto do cemitério, voltada para Espanha.

"O Turno da Noite"
Foto editada

Quando surpreendida por tais propósitos, naquela noite fria e escura, a velha que trajava uma tecida negra, com um pequeno xaile na cabeça, aberto sobre os ombros e uma cruz no peito, desculpou-se dizendo que procurava por uma tesoura que havia perdido nessa mesma tarde.
A história não convenceu a população que rapidamente associou o estranho comportamento a relações com o demónio, acusando-a de más crenças e da prática de bruxarias.

Quadro  "Cabeça de uma camponesa
com laço de renda esverdeada"
Vincent Van Gogh 1885

Não dispensada dos seus afazeres, a velha de olhos pesados e tristes marcados por uma face enrugada e envelhecida, arrastando as chancas pelo mercado perante os olhares e comentários pautados pela falta de discrição propositada, Maria Gertrudes continuou nos seus afazeres, limitando-se a uma mudez confrangida perante as acusações e insinuações de que era alvo.

Interiores da casa com as
mulheres nas pinturas,
ensaios de Vincent van Gogh, s/d.

Refugiada nas suas lembranças de mocoila, do homem que desposou, do nascimento do seu filho, das lembranças das casa fidalgas onde servira, do Tomé de Sousa, dos Machados ou dos Matos Azambuja, das recordações dos arraiais dos Capuchos e do S. Mateus e das modas que cantava por esse tempo.

Interiores da casa com as
mulheres nas pinturas,
ensaios de Vincent van Gogh, 1885.

O Filho Manuel Pardais, passou a ser a sua única preocupação, não sendo desta a sua origem mas de franca aplicação, já diz o ditado "Rebeubéu, pardais ao ninho" denota bem a importância atribuída aos comentários e interpelações de que esta era alvo pela população.

Interiores da casa com as
mulheres nas pinturas,
ensaios de Vincent van Gogh, 1885.

Morava numa pequena casa na Corredoura, não passava bem e uma vezes pior, entretinha a fome com uma côdea  e duas negrilhas tiradas da tarefa, às quais juntava a humilhação das acusações que enfrentava quando saia a rua.
- Bruxa! Pobre de mim que não sei o que isso é! – dizia para com os seus botões.
Pobre mulher metida nos seus afazeres, levava a vida a trabalhar na ânsia de ganhar as sopas, reclinada e submetida a tais humilhações receosa de que algo pior pudesse advir.

Quadro  "Cabeça de uma camponesa
com laço de renda esverdeada"
Vincent Van Gogh 1885

Conhecedora dos sacrifícios da lavoura nesta terra de mármore e de olivais, homens ganhavam a vida com a foice ou a gadanha nas mãos, tratando das mondas, da cortiça e de alampio. 
Num tempo em que a miséria prevalecia, deitava contas á vida e lembrava-se das histórias das feitorias alcançadas no contrabando da raia. Mercadorias clandestinas que trouxeram para alguns proventos certos e fortunas consideráveis.

Quadro  "Mulher arrancando batatas"
Vincent Van Gogh 1885

O Contrabando ganhava força junto das povoações fronteiriças que embora, conhecedoras das punições das transgressões,  viviam com a ideia de abandonar a miséria e proporcionar à família uma dignidade que nunca ambicionara para si. A miséria despoletava um vai e vem fronteiriço, que os mais destemidos disputavam, indiferentes ao perigo, verdadeiros heróis desse tempo, arriscavam nas aventuras, para fugirem às balas certeiras das autoridades.


Quadro "Retirantes",
Candido Portinari 1944.

O Filho de Maria Gertrudes, Manuel de Pardais, depois de constituir família , havia side empurrado para o contrabando, pretendia fazer fortuna, trazendo trazendo coisas de Espanha que se destinavam à vila e que fazia nela entrar durante a noite o seu bom nome associado ao pai, afastava dele qualquer suspeita. 

Pintura sem Título,
1.º Prémio Concurso sobre "O Contrabando"
Manuel Passinhas, Mértola, 2005

Viviam em paredes meias com as suas, dois grudas fiscais, sentinelas vigilantes da fronteira com Espanha, que assim como a restante povoação, só paravam para reparar na velha mulher apenas para lhe fazer figas destinadas a afugentar o mau-olhado e excomungar o mal de que dai pudesse resultar. Ninguém ia ao verdadeiro fundamento de que tais rituais se devessem afinal a uma sinalização combinada com o filho contrabandista, de livre transito após a recolha ou mudança de turnos do guardas fiscais, que configuram grande oportunidade do seu regresso com a mercadoria, sem ser notado pela fiscalidade.

Quadro "Cabeça de um homem",
Vincent Van Gogh (1853-1890).

Para assegurar que o filho entrasse livremente em Vila Viçosa com os fardos de tabaco ou outras mercadorias, Maria Gertrudes ia, durante a noite, ao frio e ao calor, no verão ou no inverno, conforme combinação prévia, dar-lhe das ameias do Castelo, virada para as terras de Espanha, o sinal de que os guardas tinham regressado a casa.

Quadro  "Cabeça de uma camponesa
com laço de renda esverdeada"
Vincent Van Gogh 1885

Cautelosamente, levantava-se a horas avançadas da noite, ia até à muralha agitar a candeia acesa, dando conta ao filho que podia entrar na vila sem qualquer receio, apesar da angustia, tudo fazia para que o filho não fosse notado, consciente do risco de prisão ou mesmo morte a cada transação efetuada, já mais o deixou de o acudir.

Desta feita, nunca foi descoberta a verdadeira razão que levava a velha com a candeia, durante a noite às muralhas do castelo, que apesar do argumento da tesoura não ter produzido efeito, cresceu a ideia de que Maria Gertrudes falava com o Diabo à meia-noite, na muralha do Castelo.

Quadro "Mulher com um xaile, Luto"
 Vincent Van Gogh (1853-1890)

Assim nasce a lenda da bruxa do castelo, representativa certamente de uma realidade existente, o contrabando foi, ao longo de séculos,  em toda a geografia fronteiriça, o sustento adicional, para muitas famílias que não conseguiam suprir as suas necessidades no trabalho agrícola.
Desse tempo restam as memórias e os testemunhos, passados entre gerações, muitos sabem se tiveram contrabandistas na família e algumas aventuras passadas das invulgares personagens que mantiveram um permanente equilíbrio entre os que viviam do contrabando e aqueles que faziam valer a legalidade.

Esta história representa a realidade de muitas famílias e ensina-nos que devemos tentar ser justos nos juízos que formulamos sobre os outros. Nem tudo o que parece, nem todo tivemos as mesmas oportunidade nem os mesmo anseios.


Fontes:
Castelo de Vila Viçosa, Direção Geral do Património Cultural, 2011;
Sistema de Informação Para o Património Arquitectónico; Nunes, Castro 1993 e Noé, Paula 2006; 
Castelos de Portugal; Roteiro e Lendas; Volume 6, Parafita, Alexandre, 2018;
A Bruxa do Castelo de Vila Viçosa; Livraria Escolar de Vila Viçosa; David, Celestino, 1984;