terça-feira, 4 de junho de 2019

Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2018
Fotografia extraída e editada do site Google Maps.

O Palacete Rosa, situado nos números 15 e 17 da Rua dos Lusíadas em Alcântara, mesmo encostado à Ponte 25 de Abril, foi mandado construir pelo Sr. António Sebastião e Silva em 1888, apesar da sua aparência o edifício foi originalmente porjetado para prédio de rendimento. O edifício urbano oitocentista foi construído ao "estilo chão", apresentando ainda características revivalistas do barroco e neoclássico, composto por dois pisos e águas furtadas, inclui dois logradouros laterais.

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2017
Fotografia extraída e editada do Anexo do Abaixo-Assinado (Pela manutenção e reabilitação do edifício), aqui.

Paralelamente à sua evidente beleza estética, proporcionada por uma arquitectura harmoniosa e sobriedade na composição, o edifico possui também uma história interessante, uma vez que ali funcionou o atelier e a sede da conceituada empresa de construção "Vieillard & Touzet", responsável por muito património industrial na cidade.

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2012
Fotografia extraída e editada do Site: Bloco Alcântara, aqui.

Todavia o edifício ficou devoluto desde o inicio da década de 70, os sinais exteriores de degradação apareceram na fachada e a população começou a mostrar a sua indignação perante a situação. 

A Rua dos Lusíadas é uma extensa rua residencial que abrange vários quarteirões, vai praticamente da Capela de Santo Amaro até a Igreja de São Pedro de Alcântara. Percorrendo a rua toda, são identificados pouquíssimos edifícios em condições semelhante, e tendo em conta o seu valor arquitectónico e histórico, é compreensível que a população se manifeste no sentido de o proteger e reabilitar. Na Rua dos Lusíadas são vários os edifícios da mesmo época, e outros até mais antigos que foram muito bem recuperados, acrescentando-lhes pisos, para rentabilizar o espaço, mas mantiveram a traça original.

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2018
Fotografia extraída e editada do site Google Maps.

O vale de Alcântara até ao século XVIII era uma área essencialmente rural, destacavam-se os conventos e as grandes quintas senhoriais. Depois do terramoto de 1755, a cidade de Lisboa fica destruída e o Marques de Pombal planeia a nova cidade de forma a diminuir a densidade populacional e aumentar o perímetro da urbanização, por esta altura Alcântara ganha o estatuto de subúrbio, na medida em que apoia à cidade de Lisboa. Neste sentido, o vale desperta o interesse dos investidores para lá instalarem as suas fábricas, beneficiando também dos seus bons canais de comunicação.

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2018
Fotografia extraída e editada do site Google Maps.

No século XIX, Alcântara viria a conhecer novos planos de urbanização pela mão de Fontes Pereira de Melo e mais tarde, pelo Engenheiro Ressano Garcia. Com efeito, a partir de 1851 Fontes Pereira de Melo passa a liderar o Ministério das Obras Públicas e proporcionou uma visão integrada do desenvolvimento da cidade, com a construção de novas infra‐estruturas de modernização e com as primeiras iniciativas urbanísticas após o período pombalino. 

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2018
Fotografia extraída e editada do site Google Maps.

Nas ultimas décadas Alcântara tem vindo a perder uma série de património, sobretudo a nível  industrial, com efeito, o progressivo desaparecimento das actividades industriais em Alcântara tem deixado espaços expectantes e sem ocupação. A cidade que sempre se voltou para o rio, com o plano de expansão de Frederico Ressano Garcia, começou a crescer para o interior, afastando-se do rio. A construção das linhas de ferro, e mais tarde, a construção da ponte, só vieram acentuar esta tendência, para alem do inevitável crescimento da malha urbana, que só se justifica se houver um devido aproveitamento das infra-estruturas já existentes.

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2018
Fotografia extraída e editada do site Google Maps.

Com este intuito, em 2017, um grupo de cidadãos empreendeu uma iniciativa, elaboraram um abaixo assinados de sensibilização para o interesse que o edifício representa para a cidade, defendendo que o mesmo merece ser recuperado e não demolido, mantendo-se apenas uma fachada. Assim: "Os abaixo assinados solicitam ao Senhor Presidente da CML e à Senhora Presidente da AML que garantam a preservação do edifício da Rua dos Lusíadas, nº 15-17, enquanto edifício histórico e patrimonial de Alcântara, e, nesse sentido, não autorizem projecto algum que não seja a sua reabilitação e o seu restauro, e respectivo uso compatível."

(Os Baixo Assinados) Lisboa, Maio de 2017 

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Palacete de António Sebastião e Silva, Alcântara, 2018
Fotografia extraída e editada do site Google Maps.

No mesmo mês, durante uma Assembleia Municipal de Lisboa, Helena Espvall, uma música sueca residente em Alcântara e apaixonada por Lisboa, entregou a petição do Palacete, com cerca de 410 assinaturas defendendo a integridade do edifício.

Em causa estava um projecto de 2016, desenvolvido pelo atelier Pardal Monteiro - Arquitectos, que consistia na conversão do edifício em 40 unidades de alojamento para fins turísticos e que previa a demolição integral do prédio com excepção da fachada. O projecto contemplava a ampliação com alterações e manutenção de fachada, para um complexo de 40 apartamentos turísticos, com garagem e restaurante de apoio à unidade.

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Projeto de Pardal Monteiro - Arquitetos, para transforma o Palacete em Apartamentos Turísticos, 2016
Fotografia extraída do site da empresa, aqui.

Na sequência da apresentação da petição, o vereador Manuel Salgado, entendeu suspender a aprovação da proposta relativa ao licenciamos da obra alegando que "deveria ser encontrada outra solução arquitectónica que considere uma maior preservação do edifício" passando o caderno para a Comissão de Ordenamento do Território, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Obras Municipais, para estudo do caso. 

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Projeto de Pardal Monteiro - Arquitetos, para transforma o Palacete em Apartamentos Turísticos, 2017
Fotografia extraída do site anteprojectos, aqui.

No plenário de 27 de fevereiro de 2018, a Comissão de Ordenamento do Território pronunciou-se com uma recomendação que visava três pontos essenciais, e que deveriam ser levados em conta na decisão: que seja garantida uma solução arquitectónica que se enquadre na zona envolvente; que informe a AML da entrada de novos projectos para o palacete; e, caso não haja um novo projecto, que a CML avalie a possibilidade de adquirir o imóvel. Durante a assembleia foram várias as intervenções sugerindo que a Câmara Municipal de Lisboa adquira o imóvel

Durante a Assembleia, Helena Espvall, no uso da palavra, sublinhou a necessidade de salvar o património industrial de Alcântara, onde vive, e teceu duras críticas à actuação da Câmara Municipal por ter ignorado, várias denúncias de moradores de que o palacete estaria a sofrer alegadas agressões intencionais,no sentido de acelerar a sua degradação.
Por fim, nesta ultima sessão da AML, foram divulgadas imagens do projecto entretanto chumbado, que pretendia converter o edifício num unidade hoteleira.

Vieillard & Touzet:


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Garagem Auto-Palace, Lisboa, 2011
Fotografia de João Carvalho in Wikipédia, aqui.

A empresa de construção "Vieillard & Touzet" foi constituída em 1892-93 pelos engenheiros e constructores Charles Vieillard (1850-1911) e Fernand Touzet (1864-1929), empresários francófonos com fortes ligações comerciais a França e Belga, de onde era importado muito do know how,utilizado na nossa arquitetura. Vieillard e Touzet foram diplomados pela Câmara de Lisboa em 1896 e inscritos com os número 70 e 82 respectivamente.

Fernand Touzet, francês natural, conheceu em Portugal no final do século XIX a sua esposa, também francesa, que por sinal era irmã Charles Vieillard. Desta casualidade nasce a empresa e a obra destes projectistas. A sua arquitectura caracterizava-se pela utilização de metais relacionados com a industria como o ferro, tijolo e cimento, afastando-se dos materiais utilizados pela sua escola, Escola de Belas Artes de Paris, naquela época. Foram ainda pioneiros na introdução do tijolo sílico-calcário em Portugal. 

Segundo Maria Monsalve, "os seus edifícios caracterizam-se pela articulação de volumetrias, a que se junta a repetição de elementos estruturais, como por exemplo os pilares, resultando em superfícies mais ou menos relevadas e respectivos jogos de sombreados, que estabelecem ritmos muito interessantes aliados a uma decoração que explora o valor plástico do tijolo, quer do tijolo vermelho, quer do tijolo sílico-calcário branco e cinzento na modulação das fachadas, no remate dos edifícios ou dos frontões ou como molduras de vãos de janelas, coordenada com frisos de azulejo.".

A empresa foi responsável pela concretização de grande projectos, sobretudo de carácter industrial, na região, dos quais se destacam:

A primitiva Central Tejo, cujos edifícios já não existem;

A Estação Marítima da Parceria dos Vapores Lisbonenses no cais do Sodré, construída em madeira em 1903 e já demolida;

O complexo industrial d’A Napolitana (hoje sede da Auchan);

A Casa do Povo de Alcântara (atual Escola de Artes Decorativas da FRESS, junto ao Largo de Alcântara); 

O conjunto industrial da Fábrica de Moagens e Massas Alimentícias em Alcântara;

O Colégio de Madame Anna Roussel;

E a Garagem “Auto-Palace”.
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Fontes:
"O Azulejo na ornamentação da arquitetura nas avenidas de Ressano Garcia", Maria Monsalve, ESAD - Mestrado em Conservação e Reabilitação de Interiores, 2017;
"O vale de Alcântara como caso de estudo", Beatriz Rosa de Abreu Pereira Marques, IST - Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura, 2009;
Artigo "Assembleia Municipal volta a discutir destino de palacete em Alcântara" Jornal Time Out, Texto de Renata Lima Lobo, 27 de fevereiro de 2018;
Artigo "Na sequência de uma petição assinada por mais de 400 cidadãos, foi aprovada esta terça-feira uma recomendação à Câmara Municipal de Lisboa que defende a não demolição de um palacete histórico em Alcântara.", Jornal Time Out, Texto de Renata Lima Lobo, 28 de fevereiro de 2018;
Site oficia do Altelier Pardal Monteiro- Arquitectos: http://pardalmonteiro.com/
Comunicado do Partido Socialista da AML "Assembleia Municipal de Lisboa Recomenda à Câmara a Aquisição do Palacete na Rua dos Lusíadas, em Alcântara"Assembleia Municipal do dia 27 de fevereiro de 2018;

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