quinta-feira, 27 de junho de 2019

Sinagoga de Malhada da Sorda, Almeida

Fachada da Ruína da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação de António Reinas (facebook), 2017.

A Esnoga de Malhada Sorda, também conhecida como Casa do Relógio, Casa Quinhentista da Rua do Relógio e Sinagoga de Malhada Sorda, localiza-se na freguesia de Malhada Sorda no concelho de Almeida, distrito da Guarda, em Portugal. Esta pequena sinagoga, por essa razão denominada por Esnoga é um edifício aparentemente residencial utilizado para a prática religiosa clandestina da comunidade judaica de forma a não levantar suspeitas à perseguição da inquisição.

Fachada da Ruína da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

Vários autores defendem que a sua construção remonte ao inicio do século XVI, não só por apresentar na sua fachada principal uma janela em estilo manuelino(tardio), mas principalmente pelo tipo de arquitectura utilizado, Sinagoga camuflada de habitação e adaptada interiormente para nele celebrar o culto, revela que teria já sido decretada a expulsão judaica e a perseguição para os converter em "cristãos novos". 

Fachada da Ruína da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

O edifício apresenta uma arquitectura tipicamente rural, composta por dois pisos, o piso inferior aparentemente destinado a uma loja ou estábulo e o piso superior aparentemente destinado a habitação cuja acesso era efectuado por escada granítica exterior que se orientava para uma porta ao nível do primeiro andar. No ombral direito da porta de entrada não há vestígios da implantação da Mezuzah e uma pia de água benta encimada por uma cruz, sinal de conversão ao Cristianismo ou de dissuasão aos inquisidores, indicando que, supostamente, a habitação não tinha qualquer relação com a comunidade judaica. 

Cruciformes em Malhada Sorda, 2011
Fotografia partilhada pela J.F. Malhada Sorda (Facebook).

Na povoação existem cerca de 40 habitações com marcas cruciformes, normalmente exibidas nas cambas das portas que indicam que estamos perante uma comunidade judaica e de cristãos novos.

Floreira em forma de rosto com cruz na testa, sinal de conversão ao cristianismo, antiga casa de judeus, Malhada Sorda.
Fotografia partilhada por Filipe Antunes (Facebook), 2019.

Numa esquina da casa, no topo da fachada, encontra-se um relógio de sol, em granito, com numeração árabe esculpida e um espigão em ferro que mede as horas através da sua sombra projectada sobre o marcador. Este relógio foi acrescentado a fachada da casa depois do século XVII, altura em que é desenvolvida a 3.ª geração de relógios de sol. Os conhecimentos de astronomia, em particular do sistema solar levados a cabo pelas descobertas de Galileo permitiram, a partir do século XVII, construir relógios de sol e mecânicos com um elevado nível de precisão, esta geração de relógios ficou conhecida como "Relógios de Horas Francesas ou Modernos", este sistema encontra-se ainda actual. 

Relogio de Sol, Relógios de Horas Francesas ou Modernos, da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida.
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

Os historiadores da gnomónica dividiram a evolução tecnológica dos relógios de sol em três gerações: a primeira geração, até ao século XII, criando relógios de sol baseados na divisão do dia solar em 12 horas, de fundamentação religiosa, esta geração foi denominada de "Horas Canónicas ou Horas Temporais."; a partir do século XII, por influência da cultura árabe e também pela invenção do relógio mecânico, esta geração de sol, considera o dia solar dividido em 24 horas, vão ficar conhecidos como relógios de Horas Babilónicas ou Itálicas; a partir do século XVII, com as descobertas de Gagileo, aparecem os relógios com elevado nível de precisão, "ao minuto", conhecida por "Relógio Horas Francesas ou Modernas", tal como ainda hoje são projectados .

Aarom Hakodesh, armário sagrado do culto judaico, Esnoga de Malhada da Sorda, s/d
Fotografia partilhada por Filipe Antunes (Facebook), 2019.

No interior do templo, ao nível do 1.º andar existe um armário sagrado onde a comunidade judaica guardava a Torah, pergaminho manuscrito em forma de rolos que replica os textos hebraicos(Antigo Testamento) na base do Judaísmo e que é utilizado em todas as celebrações litúrgicas dessa comunidade religiosa. O Aarom Hakodesh, armário sagrado era conhecido também como Armário da Lei ou simplesmente Arca.

Torah, rolo em pergaminho mais antigo conhecido, data de entre 1155 e 1225.
Fotografia de Alma Mater Studiorum Universita' di Bologna

Estes armários sagrados eram designados por "Aarom Hakodesh" entre os judeus Sefarditas(termo usado para referir aos descendentes de judeus originários de Portugal e Espanha) e encontravam-se em casas particulares usadas como sinagogas clandestinas (esnogas) espalhadas pelo país, alguns estavam escondidos por detrás de armários ou paredes falsas. Estes armários normalmente em pedra embutida na parede, apresentavam duas divisões, na divisão inferior eram colocados os livros sagrados, na divisão superior a lâmpada perpétua (Ner Tamid).

Vista geral da aldeia de Malhada da Sorda
Fotografia reproduzida de uma publicação dos amigos de Malhada da Sorda (Facebook)

A presença judaica na região de Ribacoa é anterior à própria formação do país, as primeiras medidas de regulamentação das relações entre cristãos e judeus foram empreendidas pelo Rei de Leão, D. Afonso IX. A permanecia destes no território, depois da sua integração no Reino de Portugal, foi pacifica.
Nos finais do século XV, Portugal acolhe cerca de 35.0000 judeus provenientes da região fronteiriça espanhola que entraram pela raia seca de Almeida e se estabelecem por terras de Ribacoa, privilegiando as localidades onde já havia comunidades judaicas. Os concelhos da Guarda, Trancoso e Celorico da Beira foram os mais escolhidos.

Fachada da Ruína da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação de António Reinas (facebook), 2017.

Poucos anos depois, com a subida ao trono de D. Manuel I, por casamento com a Princesa Isabel, filha dos Reis Católicos, o monarca comprometeu-se a expulsar de Portugal os judeus. Em 5 de Dezembro de 1496, por decreto, ordenou a saída de Portugal de todos os judeus, por discordar da medida, como alternativa poderiam permanecer desde que se convertessem ao Catolicismo, e viriam a ser descriminados como "Cristãos-Novos". Uma vez que essa conversão não foi promovida por convicção religiosa, a maioria dos "Cristãos-Novos" continuaram a pratica do judaísmo de forma secreta. 

Fachada da Ruína da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

Com o auxilio de algumas manobras de conspiração, D. João III consegue que o Papa autorize a introdução da Inquisição em Portugal, que se veio a verificar pela Bula Meditatio Concordia de 16 de julho de 1547. Esta prática de conspiração, com fundamentação religiosa, manteve-se até ao triunfo do Liberalismo em 1821.

Recuperação do interior da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

O município de Almeida viria a ser novamente porta de entrada para judeus e outros refugiados fugidos da Segunda Guerra Mundial, durante os primeiros anos da década de 40 do século XX. Nestes dois períodos, Vilar Formoso permitiu salvar a vida a cerca de 200.000 pessoas. 

Recuperação do exterior da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

Por integrar durante vários séculos o fluxo de entrada judaica no país, o concelho de Almeia havia de fixar uma comunidade bastante expressiva de judeus, que justifica a existência de tantos vestígios da sua cultura. Registos e artefactos confirma a existência de uma Judiaria na vila de Almeida e na antiga Villa de Castelo Mendo. Nas ultimas décadas têm aparecido indícios da prática judaica clandestina, disso são exemplos as Sinagogas descobertas em Vilar Formoso e na Malhada Sorda.

Recuperação do interior da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

Pelo destaque histórico que Almeida desempenhou ao longo dos séculos na receção de refugiados internacionais no século XV e, mais tarde, durante a II Grande Guerra Mundial no século XX. António Baptista, Presidente do Município de Almeida, decidiu recuperar a Esnoga de Malhada Sorda e em concluir o pólo museológico Vilar Formoso – Fronteira da Paz, Memorial aos Refugiados e ao Cônsul Aristides de Sousa Mendes.

Recuperação do interior da Antiga Sinagoga, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

A Esnoga da Malhada Sorda foi recuperada e inaugurada a 30 de abril de 2017, o projecto decorreu em duas fazes distintas, na primeira fase, o arquitecto consultor da Câmara Municipal de Almeida, João Campos reconstruiu a casa tipicamente beirã recriando o aspecto que esta teria no século XVI, numa segunda foram estudados conteúdos e informações a disponibilizar no seu interior, no rés-do-chão um tear juntamente com informação e imagens sobre o linho desde a sua origem até ao produto final, no primeiro andar foram desenvolvidos conteúdos sobre o Judaísmo.

Antiga Sinagoga Recuperada, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

O porjeto representou um investimento na ordem dos 60 mil euro, apoiado pelo Estado Português, Câmara Municipal de Almeida e pelo EEA Grants “2009-2014”, um mecanismo financeiro do Espaço Económico Europeu (EEA) através do qual a Noruega, Islândia e o Liechtenstein financiam diversas áreas prioritárias de acção junto dos países beneficiários do Fundo de Coesão da União Europeia.

Antiga Sinagoga Recuperada, Malhada da Sorda, Almeida
Foto reproduzida de publicação da Rádio Fronteira 106.9 FM Vilar Formoso (facebook), 2017.

O Município de Almeida integra agora a Rede de Judiarias de Portugal, que tem como objetivo principal a valorização do património judaico e cristão-novo. Para alem de Almeida entraram também mais sete municípios: Covilhã, Fundão, Torre de Moncorvo, Figueira de Castelo Rodrigo, Mêda, Idanha-a-Nova e Seia. 

Fontes:
Rotas de Sefarad - Valorização da Identidade Judaica Portuguesa no Diálogo Interculturas, Edição n.º 101, janeiro, 2017;
Armários de pedra na arquitectura tradicional do Alto Côa. Testemunhos de culto judaico?, Texto de Marco Osório, SABUCALE;
Site da Amara Municipal de Almeida: cm-almeida.pt

1 comentário:

  1. Boa tarde,
    Necessito contactar o responsável pela comunidade. Será possível enviar-me o e-mail da sinagoga em causa?
    Obrigado

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