segunda-feira, 10 de junho de 2019

Monte de Silveira, Pereiro, Alcoutim


O Monte de Silveira é um pequeno lugar integrado na freguesia de Alcoutim e Pereiro, localizado no coração do concelho de Alcoutim, pertencente ao distrito de Faro e região e sub-região do Algarve, até 1832 pertenceu à província do Alentejo. Geograficamente Alcoutim é um concelho grande, ainda que dividido por apenas quatro freguesias e a densidade populacional é muito baixa. O município é limitado a norte pelo município de Mértola, a leste pela  Rio Guadiana (Espanha), a sudeste por Castro Marim, a sudoeste por Tavira e a oeste por Loulé e Almodôvar.


Silveira é um dos Montes da freguesia de Alcoutim e Pereiro, a sua origem foi situada por volta do  século XVI e foi vitima da desertificação nos finais do século XX. Uma das poucas referencias demográficas ao lugar remonta a 1758 (Memórias Paroquiais) nas quais o local é descrito por possuir dezassete habitantes distribuídos por sete fogos. Ao contrário do que acontece no Alentejo, no Alarve a designação de "monte", não ser refere a um pedaço de terra agriculta, dominado por um núcleo habitacional, mas sim a um conjunto de habitações, pequena aldeia sem ermida, sem presença espiritual.


As Memórias Paroquiais de 1758 indicavam também que a então freguesia de Pereiro, anexa a Alcoutim na sequência da reforma administrativa de 2013, integrava vários montes de apenas um ou dois fogos, existiam de facto povoações muito pequenas que ao longo dos séculos foram evoluindo desfavoravelmente até chegarem ao abandono. Os Anuários Comerciais do século XX, mencionavam ainda habitantes no Monte de Silveira. 


Existencialmente ligado à actividade agrícola, aqui pertenciam algumas das personalidades mais importantes da freguesia, no século XX. Em 19 de Fevereiro de 1847 falece aqui Custódia Marques, viúva do Capitão de Ordenanças, Baltazar Roiz Cavaco. Certamente da mesma família, António Cavaco que de 1850 a 1853 pertenceu à Junta de Paróquia. 
Em 1948, Manuel Cavaco, era membro substituto do Conselho Municipal e dos maiores contribuintes do concelho. Em 1852/53 foi juiz eleito da freguesia e em 1868/69 nomeado pela Câmara Municipal membro da Junta de Paróquia. Por volta de 1961, registos da Guerra Colonial mencionavam a presença de mancebos provenientes desta localidade.


A localidade apesar de abandonada, possui ainda bons acessos e é visitada por muitos curiosos e amantes de ruínas, lugares abandonados e da natureza. O monte integra um dos percursos pedestres de Pereio, "Caminhos da Fonte é um percurso pedestre de pequena rota, com uma distancia de aproximadamente 10 Km. o Seu traçado passa por diversos pontos de interesse, nomeadamente, caminhos antigos, núcleos rurais, montados de azinheiras, entre outros.  Sendo um circuito fechado, pode ser iniciado em qualquer ponto por onde passa e ser percorrido em ambos os sentidos. Contudo, e a pensar em sí, recomendamos o sentido indicado no mapa" Cuja trajecto pode consultar aqui.

"Após algumas centenas de metros, ali estava Silveira, um monte outrora habitado e que agora espera melhor destino do que este triste abandono. O passar do tempo é certo e a aldeia de Silveira comprova isso mesmo. As pequenas habitações rurais foram deixadas à sua sorte, sendo agora apenas ocupadas por algumas aves que nelas se protegem. 
Ao caminhar pela aldeia senti que entrei num outro espaço-tempo, numa outra dimensão. É triste."
(Testemunho) Sola Gasta, 2013



Alcoutim é uma povoação muito antiga, escavações arqueológicas preliminares, efectuadas no interior do recinto do castelo, indicam que a ocupação humana deste sítio remonta à pré-história, tendo sido identificados vestígios da posterior Invasão romana. como a região era rica em metais, a povoação foi-se desenvolvendo no local onde existia um porto que recebia os barcos que subiam o Guadiana vindos do Mediterrânico, carregar o minério para comercializar.


Aqui se ajustaram as pazes entre D. Fernando de Portugal e Henrique II de Castela em materializada no  Tratado de Alcoutim, de 1371,  no qual,  o soberano de Portugal comprometia-se a manter boas relações com o rei de França, estipulava ainda o casamento do rei português com D. Leonor de Castela filha do rei castelhano.


Depois da reconquista cristã ao mouros, o Castelo de Alcoutim foi doado aos Cavaleiros Espatários da Ordem de Santiago, nas suas terras, para além do minério as povoações dedicavam-se à prática de uma agricultura de subsistência, sobre tudo produção de trigo que, de acordo com as características do solo, não era de excepcional qualidade, dedicavam-se ainda a pastorícia e criação de ovelhas. 


A desertificação era inevitável e ocorreu de forma gradual, acentuando-se sobre tudo a partir do século XX, a pobreza e a falta de oportunidades motivaram a deslocação das pessoas para o litoral, neste caso especifico, a expansão do turismo algarvio a partir dos anos 30 contribui de forma definitiva para o êxodo do Algarve rural interior, para o Algarve litoral das oportunidades onde havia oferta de trabalho e melhores condições de vida. Até meados do século XIX os banhos de mar destinavam-se exclusivamente a fins terapêuticos, chegavam mesmo a ser prescritos pelos médicos, também dos ares do mar corria boa fama. As praias, hoje tão apreciadas, destinavam-se às tarefas relacionadas com a pesca. O turismo balnear hoje representa uma fonte importante de rendimento de toda uma região. 

Contrabandista e guarda-fiscal. Painel de azulejos instalado à entrada de Alcoutim.

Em relação às populações que permaneciam nos montes, a necessidade de alternativas de sustento era urgente, assim, e de forma a aproveitar a localização fronteiriça, levou, desde tempos imemoriais, os habitantes de Alcoutim a dedicar-se também ao comércio de mercadorias, ilegal face às leis vigentes.
O contrabando na fronteira remonta praticamente à época da sua formação, durante o século XIII. Durante o século XV e XVI, Alcoutim passava grupos de escravos africanos provenientes dos portos Algarvios. A partir do século XVI contrabandeava-se sobretudo gado, actividade que continuou até ao século XX, no entanto, o contrabandista transportava tudo o que pudesse acrescentar algo mais ao magro sustento que retirava do amanho da terra.


Devido a sazonalidade da actividade e até mesmo para camuflar a ocupação ilícita, muitos contrabandistas dedicavam-se também à agricultura, pastorícia ou minério, num entanto, uma única operação de contrabando bem sucedida, rendia tanto como um ou dois meses de trabalho no campo. Com o reforço de vigilância verificado ao longo do rio, durante o século XIX,  os contrabandistas que até então operavam sós ou em família, organizaram-se em “quadrilhas”, cujos "caminheiros", líderes da quadrilha eram contratados pelos comerciantes locais, para sondar os caminhos e organizar os "freteiros" transportadores da mercadoria.


Existiam postos da Guarda-fiscal, com um espaçamento médio de 1 km, o que não facilitava a passagem, para além de patrulhas frequentes ao longo do rio, nas duas margens. Os contrabandistas escolhiam noites mais escuras ou de intempéries, nunca trilhavam os mesmos percursos, uma vez perto do Guadiana, optavam pelos barrancos que os levavam directamente à beira-rio e onde podiam mais facilmente passar despercebidos.  Com "fardos" de 30 a 50 quilos, impermeabilizados com óleo de linhaça, geralmente transportados às costas, agarravam-se a cordas ou tirantes para fazer a travessia do rio a nado, a par de serem interceptados pela guarda-fiscal, este era um outro momento arriscado. Quando a sua presença era detectada pelas patrulhas, fugiam abandonando a mercadoria, o que segundo algumas fontes, era o principal objectivo dos Guardas que  acabavam por ficar com uma parte da apreensão.


Para o transporte de "fardos" maiores, com mais de 100 quilos, contavam com a cumplicidade de alguns pescadores, que utilizando os seus barcos, asseguravam a travessia do rio, utilizavam também outras ferramentas que facilitavam o seu trabalho como bóias, cestos ou jangadas as quais amarravam os "fardos" que com grandes cordas, os puxavam depois de atravessarem o rio a nado

Conjunto de esculturas dispersas pela zona ribeirinha de Alcoutim que representam várias cenas das actividades dos contrabandistas que povoaram a região noutras épocas.

Um dos períodos mais fortes da história do contrabando fronteiriço, ocorreu entre os anos 30 e 60, principalmente durante a Guerra Civil espanhola (1936-1939). De Portugal saía café, açúcar, ovos, arroz, sabão, farinha, pão, figos, lã e tabaco, de Espanha vinha sobretudo  tecidos dos quais nós não tínhamos fabrico próprio como bombazinas, sabonetes, perfumes, roupa fina, alfaias, conhaque e miolo de amêndoa, que eram entregues a comerciantes de Alcoutim, Giões e Martinlongo ou a intermediários . 


Hoje este tipo de contrabando está erradicado, mas a população de Alcoutim lembra com alguma ternura uma das actividades que contribuíram para o sustento das sua famílias, e que de outra forma, seriam também obrigados a procurar sustento noutras paragens. Assim todos anos, uma organização conjunta do município de Alcoutim e do ayuntamiento de Sanlúcar de Guadiana, é organizado "O Festival do Contrabando", evento âncora que resulta na fusão da homenagem a uma actividade que ao longo da história foi importante para as gentes da fronteira, com as artes e a cultura. ões, trazendo até à Vila Raiana uma oferta cultural que desafia todas as condicionantes existentes.

"A região de Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana foi um dos cenários propícios para a actividade do contrabando, costuma-se dizer “ desde que existem fronteiras, existe contrabando” e Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana estão justamente na linha de fronteira do sul, tendo o rio Guadiana a separá-los (...)...ou a uni-los."
Apresentação da Página do Facebook do Festival do Contrabando

Fontes:
Alcoutim, "Rota do Contrabando", Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve;
Blog: Alcoutim Livre de José Varzeano;
Sites: SolaGasta; Geocaching

Créditos de imagens:
Geocaching;
Câmara Municipal de Alcoutim;
Delcampe.net;
Google Maps;

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