segunda-feira, 24 de junho de 2019

Casa da Corôa, Costa da Caparica(extinta)

Casa da Coroa, Costa da Caparica, Almada, s/d.
Fotografia de Carlos Caria reproduzida do Mar da Costa.

A Costa da Caparica é uma freguesia portuguesa do concelho de Almada e distrito de Setúbal, localiza-se no topo ocidente da península de Setúbal e possui uma extensa área costeira. Até meados do século XVIII a costa era um lugar inóspito, a tradição piscatória terá sido então iniciada por algarvios e ílhavos que, aqui vinham sazonalmente pescar. Datam de 1770 as primeiras notícias de habitação em permanência na orla costeira, pela mesma altura se fixariam os primeiros mestres de pesca, permanecendo o ano inteiro na Costa. Até as primeiras décadas do século XX, altura em que o turismo balnear se começa a desenvolver, na povoação, existiam apenas umas centenas de barracas de colmo, umas dezenas de barracas de tijolo e meia dúzia de casas abarracadas de pedra e cal, onde viviam casais de prole numerosa. Elevada a cidade em dezembro de 2004, em menos de um século, a Costa da Caparica transforma a forte tradição piscatória num destino turístico balnear muito apreciado, com uma forte transformação urbanística.

Pintura da Casa da Corôa, Costa da Caparica, Almada
Pintura de José Manuel Soares Gandaia

A Casa da Corôa foi construída antes de 1825 pelo Mestre de Redes José dos Santos, uma das primeiras construções em alvenaria na Costa de Caparica. A data da sua construção foi balizada entre 1800 e 1825, altura pela qual registos indicam uma estadia de D. João VI e uma placa adossada ao brasão que encima a porta da fachada com a inscrição, "ANNO 1825". A sua construção precedeu em muitos anos a construção do primeiro edifício religioso em pedra e cale, a pequena Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição datada de 1880.

Casa da Corôa, Costa da Caparica, Almada, 1980
Fotografia do Centro de Documentação do Centro de Arqueologia de Almada.

A Casa da Corôa erguia-se em harmonia com o meio, encontrava-se alinhado de fronte para o Largo da Coroa e estava limitada pela Rua dos Pescadores, Rua Vitorino José da Silva e Rua D. João VI. A casa unifamiliar, dispunha de planimetria rectangular, vãos rectangulares com emolduramento, dois pisos divididos por friso em cantaria de linhas simples, de pedra e cal, com muito pequenas sugestões eclécticas nos acabamentos, cunhal, silhar em ressalto, um corpo com cobertura homogénea em telhado de 4 águas de beiral duplo. Na fachada, orientada para o Largo da Coroa, a porta é encimada por um brasão real de decoração esculpida em pedra em alto relevo com esfera armilar, armas de Portugal e coroa.

Ruína da Casa da Corôa, Costa da Caparica, Almada, 1996
Fotografia reproduzida da página da SIPA.

Segundo algumas fontes não oficiais, a pedra de armas com brasão real aposto sobre esfera armilar encimado por coroa imperial terá sido colocadas na frontaria da casa em 1825 para assinalar uma   estadia do Rei D. João VI que a 18 de de Junho de 1825, nesta casa o monarca comeu uma saborosa caldeirada feita por uma Maria do Rosário, também conhecida como "Maria do Adrião". Pela  Costa da Caparica terão passado também D. Maria II, o Rei D. Pedro V e sua real consorte D. Estefânia.
Não questionando a veracidade dos factos descritos, até porque esta casa à época,  poderia proporcionar as melhores comodidades a tão ilustres visitantes, as razões pelas quais as armas da Casa Real foram colocadas no seu frontão, poderão ser outras,  prendendo-se sobre tudo com as funções que a mesma desempenhava na altura, ligadas certamente ao serviço da Coroa Portuguesa.

Ruína da Casa da Corôa, Costa da Caparica, Almada, 1996
Fotografia reproduzida da página da SIPA.

Nos anos 70 do século XX, sabe-se que a casa estava entregue ao Sr. "Zé Patrão", que morando no piso superior, explorava o rés-do-chão como padaria, alguns anos mais tarde e até poucos anos antes de cair na ruína, nas suas mediações funcionava uma pequena mercearia gerida pela "tia Júlia", actividade na qual se manteve o fornecimento de pão em regime de revenda, cuja produção era assegurada pela empresa SOCOPAL. 
Depois do 25 de abril de 1974 a Câmara Municipal de Almada não soube preservar a Casa da Corôa como património histórico da vila, hoje cidade e do concelho, ainda que não existam bases sólidas da historia da casa, o simples facto da sua longevidade e simbolismo na construção oitocentista da localidade, penso que sejam factores de sobra para que a mesma tenha sido preservada e ser transformada num atractivo histórico numa cidade que, pela sua curta história de vida,  é relativamente pobre nessa área. 

Pedras de Armas da Coroa Portuguesa, retiradas da casa durante a sua demolição, 2016.
Fotografia reproduzida de  Notícias da Gandaia.

No início da década de 90 a Casa da Corôa encontrava-se em estado avança do de ruína, e rapidamente começo a ameaçar perigo de derrocada, é então que as atenções se começam a debruçar sobre o edifício, mas já com péssimas condições de reabilitação. A 22 de abril de 1996 o IPPAR decidiu pela demolição do edifício por solicitação da Câmara Municipal de Almada, baseada numa vistoria da Delegação Distrital do Serviço Nacional de Proteção Civil de Setúbal que apontava um possível acidente. Esta decisão foi considerada polémica na altura, pois a Casa da Coroa havia sido considerada, dois anos antes, digna de conservação pelo mesmo IPPAR, que, sem sequer enviar qualquer técnico, permitiu a demolição solicitada pela Câmara.

A casa  foi demolida em 1997, as pedras com as armas foram recuperadas e encontram-se no Museu Naval de Almada sem que no entanto tenham sido preparadas para objecto de exposição. O terreno onde outrora se elevava o edifício, foi calcetado e funciona como parque de estacionamento.


"E como não se sentirá o homem pequeno diante desta gigantesca majestade esmagadora. E como se furtará ele de ser orgulhoso quando se lembrar que basta um aceno de sua mão para destruir toda esta obra de uma quase eternidade"                                     Alberto Loefgren                       



Fontes:

"Casa da Coroa", Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, texto de Albertina belo, 1995, e Cecilia Matias, 2001;
"A demolição da Casa da Coroa", Jornal de Almada nº 2348, Ano XLII, 24 de Maio de 1996, Texto de Manuel Lourenço Soares, 1996;

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