quarta-feira, 31 de julho de 2019

Castelinho de Gregório Mascarenhas, Armação de Pêra(Extinto)

Foto editada: Geni, c.1960
O Castelinho de Armação de Pêra, também conhecido como o "Chalet dos Bicos" ou ainda o "Chalet de Gregório Mascaranhas", é um palacete revivalista, utilizado como casa de veraneio de Gregório Nunes Mascarenhas Netto, mais conhecido como Gregório Mascarenhas, um grande empresário e politico, herdeiro de abastadas famílias. 
O Castelinho terá sido construído na primeira década do século XX, na marginal de Armação de Pêra, onde foram constituas várias residências de veraneio da classe burguesa, grandes chalés de arquitecturas revivalistas a gosto variado. O aspecto acastelado que o palacete exibe, deve-se ao facto de ter sido construído com base numa planta desenhada pelo próprio Gregório Mascarenhas, o empresário terá desenhado também a planta de outros edifícios de sua propriedade.
Apaixonado por arquitectura e pelo revivalismo , Gregório Mascarenhas projectou a construção das suas quatro emblemáticas casas. A principal, localizada em Silves na Rua Manuel Arriaga, de estilo tradicional oitocentista foi edificada em 1867, em Armação de Pêra edificou o Castelinho, nas Caldas de Monchique possuía o “Chateaux Rouge” e em Lisboa o “Chalet Ideal”.

Foto editada: Geni
Assim como muitas outras localidades da costa algarvia, Armação de Pêra desenvolveu-se a partir de uma pequena comunidade piscatória, mas o que contribui de forma inquestionável para o seu desenvolvimento foi o turismo balnear e é hoje conhecida como uma estância de veraneio, que alberga nas férias de verão milhares de pessoas de todo o país à procura do sol, da praia e das águas tépidas do oceano. É também um exemplo flagrante do desordenamento urbanístico que assolou extensas áreas do Algarve desde a década de 1960, nos últimos 50 anos, a sua população residente mais do que duplicou e nas décadas anteriores estava já em franco crescimento.
A pressão imobiliária  que se fez sentir na segunda metade do século XX, principalmente a partir dos anos 70, resultante da construção do aeroporto de Faro e do início da exploração de pacotes turísticos por operadores estrangeiros, originou um crescimento urbano desmedido em Armação de Pêra.
As antigas residências de veraneio da classe burguesa, foram rodeadas de construções em altura ou acabaram demolidas, como foi o caso do Castelinho de Gregório Mascarenhas e o edifício do antigo casino, também sua propriedade, arrasados na década de 1970.
Urbanizações e aldeamentos turísticos irromperam por toda a povoação. Armação de Pêra foi assolada pela construção civil, tornando-se a maior fonte de receitas directas para os cofres da Câmara de Silves.
Assim como o Castelinho outras casas de importante riqueza arquitectónica não foram poupadas à ambição desenfreada da urbanização que descaracterizou o bairro burguês ao contrário do que não aconteceu em outras vilas e cidades como é por exemplo Estoril e Cascais.

Gregório Nunes Mascarenhas Netto:

Gregório Nunes Mascarenhas Netto, filho de Manuel Mascarenhas Netto e de Ana Paula Mascarenhas Netto, nasceu em Alcantarilha em 1847. Herdeiro de abastadas famílias e pessoa com invulgar iniciativa fundou a firma Gregório Nunes Mascarenhas & C.ª em 1867, que transaccionava cortiça com ingleses. Em 1882, foi eleito Presidente da Câmara pelos Regeneradores. Possuía, desde 1884, uma fábrica de cortiça. Em 1890, no ano do Ultimatum, associou-se à “Avern, Sons & Barris”, ficando a nova empresa a designar-se “Avern, Sons & Barris e Gregório Nunes Mascarenhas”. Em 1893, deu início à construção da nova fábrica, que popularmente ficou conhecida, até aos nossos dias, por “Fábrica do Inglês”. Esteve também ligado ao sector das pescas, integrando a empresa “A Louletana – Silvense” e a “Companhia de Pescarias do Cabo de Santa Maria, Ramalhete e Forte”.
Casou em primeiras núpcias com Maria Firmina Júdice Grade e, em 1917, com Ermelinda Patrício. Atribui-se-lhe a autoria das plantas dos edifícios que construiu: os Paços do Concelho de Silves (1894), a Fábrica do Inglês (1894), o Teatro Mascarenhas Gregório (1909) e o “Castelinho”, em Armação de Pêra, que ficou conhecido como o “Chalet dos Bicos”. Nessa praia construiu um Casino. Possuía o “Chateaux Rouge” nas Caldas de Monchique e o “Chalet Ideal” em Lisboa. Foi dono do primeiro automóvel em Silves. Em 1902, foi pela segunda vez eleito para Presidente da CM de Silves. Nesse mesmo ano vendeu a sua parte da fábrica à sua associada inglesa. Por divergências familiares (políticas?) abandonou o seu último apelido, “Netto”, e inverteu o seu nome, passando a identificar-se como Mascarenhas Gregório. Era regenerador por tradição familiar, mas rendeu-se ao republicanismo. Fez parte da primeira geração de republicanos silvenses. Em 1910, foi Director e proprietário de O Silvense (1910-1911), jornal imprescindível para o estudo dos primeiros tempos da I República em Silves. Mascarenhas Gregório foi um incansável viajante e amante das artes. Faleceu em 1922.
Reprodução: Geni

Fontes:
"O Teatro Mascarenhas Gregório e o seu fundador – Exposição em Silves", artigo do Jornal do Concelho de Silves (Terra Ruiva), texto de Vera Gonçalves, julho de 2016;

Teatro Alves Coelho, Arganil

Arganil é uma vila do distrito de Coimbra, na província da Beira Litoral, região do Centro e sub-região Região de Coimbra, é sede de município e de comarca, subdividido em 14 freguesias. Localiza-se numa planície, na margem esquerda da Ribeira de Folques. O município é limitado a norte pelos municípios de Penacova, Tábua e Oliveira do Hospital, a nordeste por Seia, a leste pela Covilhã, a sul por Pampilhosa da Serra, por Góis e pela Lousã e a oeste por Vila Nova de Poiares.
A vila é uma das localidades mais importantes do distrito de Coimbra, a sua fundação é atribuída os Romanos por volta de 150 d.c. com o nome de "Argos", esta tese é fundamentada com base numas moedas de ouro e prata que ali foram encontradas em 1710.No ano de 716 Arganil foi invadida pelos árabes que arruinaram a vila, reedificando-a depois mas não com a grandeza que havia tido. Todavia o documento mais antigo relativo a Arganil respeita à doação de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, à Sé de Coimbra, prova da sua existência ainda antes da fundação da monarquia portuguesa. 
A 25 de Dezembro de 1114, D. Gonçalo, Bispo de Coimbra, outorgou uma carta de povoamento e a 01 de Janeiro de 1175, Pedro Uzbertiz outorga uma carta de foro a Arganil, assinada no acervo do Arquivo Público. Em 1219 era senhor desta vila Afonso Pires de Arganil, o mesmo que trouxe as Relíquias dos Mártires de Marrocos para a Igreja de Santa Cruz, de Coimbra. No reinado de D. Afonso IV, decorria o ano de 1392 e a vila era doada a sua neta, Infanta D. Maria, filha de D. Pedro I, que após a sua morte, foi doada por D. João I a Martim Vasques da Cunha, decorria o ano de 1423. Por esta altura volta à Sé de Coimbra por troca do couto de Belmenonte e S. Romão. Em 1472 os Bispos de Coimbra foram feitos Condes de Arganil pela vossa mercê d’El-Rei D. Afonso V em agradecimento da companhia que lhe fez o Bispo D. João Galvão na sua jornada a África em 1471.
Em 1514 recebe novo foram de D. Manuel I. No século XIX, durante a Invasão Francesa, foi um dos concelhos que mais saqueados do país.Em 1758, ainda não havia hospital na vila, e o concelho era já composto por cinco freguesias com quatorze lugares, por testamento da Senhora Condessa das Canas de 1870 a sua casa foi transformada no hospital para os pobres.

Brasão: de prata com um pinheiro de sua cor, saínte de um terrado de verde realçado de negro, acompanhado por dois crescentes de vermelho. Coroa mural de prata de quatro torres.
Postal: Delcamp.net
O Teatro Alves Coelho ou Cine-teatro Alves Coelho localiza-se no centro urbano de Arganil, junto da Estrada Nacional n.º 342, mesmo em frente à Câmara Municipal e ao lado do Jardim da Misericordiosa. 
De arquitectura civil, modernista, o Teatro Alves Coelho, assim chamando em homenagem a João Rodrigues Alves Coelho, um famoso maestro e compositor, filho da terra, foi projectado por volta de 1950 por um arquitecto, urbanista, pintor e crítico de arte português, Mário Gonçalves de Oliveira.
O edifício foi inaugurado em Abril de 1954, na sua decoração Mário Gonçalves de Oliveira contou ainda com a colaboração de dois ilustres artistas portugueses, a do escultor Aureliano Lima a quem se devem os baixos-relevos ostentados na frontaria do edifício e a do pintor Guilherme Filipe que executou três painéis para o Cine-Teatro de Arganil.
Foto: Maria de Lurdes, 2011
O teatro apresenta um planta longitudinal composta por quatro volumes articulados, o volume central que se destaca pela horizontalidade, um pais pequeno que se adossa a este e corresponde ao vestibulo do edificio e ainda os outros dois que o enquadram e se destacam em altura e que assumem a zona do palco e escadas do balcão e casa da máquina. Coberturas diferenciadas em telhado de 2 águas e terraços.
Fachada principal a E. possui 4 corpos rematados por respectivamente por filete; embasamento em pedra; bloco do vão das escadas do balcão a S. rasgado no ângulo por frestas de iluminação com lâminas quebra-luz fixas; corpo da entrada em tijolo burro rasgado ao centro por grande vão rectangular de 3 portas; 7 figuras alegóricas em relevo sobre a entrada na empena correspondente à sala. Fachada lateral S., desenvolve-se em 2 níveis também rematados por filete; pano de parede à esquerda em tijolo maciço; flanco da torre das escadas do balcão à direita; 3 grandes vãos tripartidos ao centro, com divisória das janelas em tijolo nos andares e sacada no 1.º. 
Fachada lateral N. lisa, com porta rectangular simples a cada lado de acesso ao palco e varanda com grade de ferro; portas e janelas rectangulares rasgadas na parede sob esta. Fachada posterior rasgada por uma série de 6 janelas pequenas, na empena correspondente à sala; porta de sacada à altura do 1.º andar na face do balcão com duas janelas pequenas à direita; fiada de 5 janelas e 2 pequenas no 2.º andar. INTERIOR: espaço diferenciado apresenta átrio rectangular pequeno e baixo; plateia em frente, escadas do balcão e casa da máquina à esquerda; sala de plateia rectangular, de pé-direito alto e paredes onduladas; pavimento em tacos; tecto de cimento; cadeiras e palco de madeira.
Descrição: Texto Francisco Jesus, 2000, SIPA
Foto: Público, 2016

Antes do cine-teatro, Arganil teve outros espaços improvisados que funcionaram como sala de espectáculos, como foi o caso do celeiro condal, mais tarde demolido para aí se edificar a casa do povo, ou ainda o Paço grande, o primeiro edifício para fins de teatro e cinema conhecido por barracão,visto ser uma estrutura frágil, construído em 1922. 

Foto: Rodrigo Oliveira, 2017
A necessidade de construção de uma sala de espectáculos com maior comodidade surge pelo força da população que se organizaram criando uma sociedade por acções para a qual contribuíram de acordo com as suas possibilidades, os ex-colonos como Saúl Brandão tiveram uma acção preponderante na iniciativa do projecto. Empresas contribuíram com materiais de construção, mobiliário e outros. Segundo Miguel Torga "Erguido por teimosos e cabeçudos beirões, da mesma maneira e com o mesmo espírito com que antigamente se construíram as catedrais: cada um trazendo a sua pedra".

Foto: Rodrigo Oliveira, 2017
O Cine-teatro Alves Coelho é hoje propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Arganil, e encontra-se devoluto desde 2002, assim como em outras pequenas vilas, também em Arganil a bilheteira da sala de cinema sofreu com a popularização da Internet, a introdução da televisão por cabo e a preferência pelas companhias das grandes superfícies comerciais com várias salas e maior oferta.
Foto: SIPA, 2011
Por volta de 2005, a Santa Casa, no sentido de voltar a disponibilizar o espaço à população de Arganil, negociou com a Câmara Municipal a cadencie do edifício pelo período de 50 anos, mediante um conjunto de condições, de entre as quais a Câmara se comprometeria com a recuperação e manutenção do edifício e garantisse a "manutenção da natureza e essência cultural do edifício na sua plenitude", nomeadamente cinema e teatro. Depois de várias negociações e afinações a cedência do espaço teve lugar em 2008, todavia o cumprimento do contrato na integra, só avia de ser verificado até ao final do ano de 2013, prazo estabelecido para que a câmara pudesse  implementar ou recuperar um projecto existente e aprovado já em 2005.

Infelizmente, como é fácil de comprovar olhando para o edifício, as clausulas do contrato não foram cumpridas, não interessa aqui apurar responsabilidades mas sim, sublinhar o lamentável desaproveitamento de um espaço  cultural da vila, ignorando o seu potencial e privando a população da sua utilização.  Desde então novas negociações têm sido efectuadas entres as entidades, mas a falta de acordo tem insistido em ditar a triste sorte do Cine-teatro.

Foto: Inês Caetado, 2015
Desde 2015 que foram devidamente sinalizados junto dos serviços da Câmara Municipal os  investimentos prioritários para os quais deveriam ter sido elaborados projectos e submetidos a candidaturas de fundos comunitários, de entre os quais se destacam o antigo Hospital Condessa das Canas, antiga Escola Adães Bermudes e o  Cine-teatro Alves Coelho. Contudo, neste âmbito, nunca viria a ser aberto qualquer concurso pela Autoridade de Gestão, pelo que não foi possível obter o financiamento desejado para a execução do investimento.
O edifício é uma obra de referência da arquitectura contemporânea pela Ordem do Arquitectos Portugueses.

João Rodrigues Alves Coelho(Maestro e Compositor):


João Rodrigues Alves Coelho, famoso maestro e compositor nasceu em Arganil, em 1882. Desde cedo mostrou apetência para os estudos, tendo ingressado no Magistério Primário e tornando-se professor. Curiosamente, consta que do seu diploma da Escola Normal tenha realizado um exame de Canto Coral, com classificação de 20 valores. Foi Mestre de Escola em Lisboa, na Escola Municipal nº78. Apesar de ser um professor considerado, rapidamente começou a dedicar-se à composição musical, pois essa era, na verdade, a sua grande paixão.

Em 1902 João Alves Coelho foi convidado a compor a música de uma opereta de Raimundo Alves - "Visões de Rabi". Tal obra foi exibida várias vezes no antigo Teatro da rua de São Bento. Era, pois o início de uma carreira fulgurante no teatro musicado.

Em 1911 inicia uma colaboração assídua na composição de temas que animaram tantos e tantos espectáculos de teatro e Revista, de Norte a Sul de Portugal, em Espanha, Marrocos, Brasil e nas colónias portuguesas. Durante 20 anos vários sucessos do Maestro Alves Coelho entraram no ouvido da sociedade portuguesa, muito graças às edições discográficas e impressas. De entre alguns dos seus temas mais conhecidos, destaque para: "Fado do 31"", "Dia da Espiga" e "Giestas".

A sua criação musical chamou aos teatros multidões apreciadoras de revistas e operetas recheadas de sátira social e política. Por vezes, acumulou o cargo de Director de Orquestra. Conviveu com os nomes mais sonantes do espectáculo de então, merecendo a admiração, respeito e carinho dos seus colegas e colaboradores. Foi precisamente, entre os seus pares, enquanto dirigia um ensaio de uma Revista, que foi vítima de congestão cerebral. Dois dias depois, às 20h30 de 23 de Outubro de 1931 viria a falecer, com 49 anos, deixando viúva a D. Anália Henriques e dois filhos. Um deles, Alberto Alves Coelho (Alves Coelho, Filho) seguiu as pisadas do pai e tornou-se autor de brilhantes temas de música popular, como "Cartas de Amor" e "Olhos Castanhos". A trágica morte de Alves Coelho, Pai, deixou para sempre uma interrogação: até onde poderia ter chegado o talento do Maestro?
De todos os sucessos musicais que compôs, a obra-prima que sobressai é "Giestas". Tal tema exalta a beleza do brilho do luar sobre aquelas flores amarelas da Serra do Açor. Na verdade, Alves Coelho nunca se esqueceu das suas origens. Todavia, também Arganil jamais se esqueceu do seu Maestro: faz parte da toponímia da vila; a 9 de Maio de 1954 foi inaugurado o Teatro, com o seu nome; em 2010, o Coro Misto da Santa Casa de Misericórdia de Arganil, pela mão do seu Provedor, Professor José Dias Coimbra, presta-lhe homenagem, relembrando o seu nome e a sua vida.

Mário Gonçalves de Oliveira(Arquitecto, Urbanista, Pintor e Crítico de Arte):


Mário Gonçalves de Oliveira (Alcobaça, 17 de Dezembro de 1914 — Vila Real, 10 de Dezembro de 2013) foi um arquiteto, urbanista, pintor e crítico de arte português.
Frequentou arquitetura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, concluindo o curso na Escola de Belas-Artes do Porto. Foi estagiário no atelier de José Almeida Segurado. Na sua formação como urbanista foi importante o período passado em Espanha como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura. Estagiou na Direção Geral das Regiões Devastadas, Oviedo; frequentou o curso de Salubridade, Higiene e Urbanologia, na Escola Superior de Arquitetura , Madrid, e o curso Técnico de Urbanista, no Instituto de Estudos de Administração Local.

Participou no I Congresso Nacional de Arquitectura (1948), onde foi uma voz dissonante face às tendências modernistas em afirmação em Portugal no período posterior ao termo da Segunda Guerra Mundial. Aí, bateu-se por uma expressão estética que traduzisse uma via nacionalista, baseada na cultura e economia locais e na especificidade do território. A historiografia tem-no associado às atitudes retrógradas desse congresso, mas a sua posição permitiu-lhe, cerca de vinte anos mais tarde, encontrar sintonia com as teses que ancoravam a prática do urbanismo no conhecimento do habitat local, tornando-o num "progressista" à luz das ideias urbanísticas em voga na década de 1960.

Foi funcionário do Gabinete de Urbanização Colonial entre 1947 e 1974. Desenhou edifícios públicos e planos urbanos para as regiões que então constituíam o império colonial português, com a exceção de Macau. Entre os livros e ensaios de sua autoria destaquem-se: Urbanismo no ultramar: Problemas essenciais do urbanismo no ultramar – estruturas urbanas de integração e convivência, Agência Geral do Ultramar, 1962; Urbanismo no ultramar: os novos povoamentos nas províncias ultramarinas, Agência Geral do Ultramar, 1965; "O «Habitat» nas zonas suburbanas de Quelimane: um caso positivo de formação de sociedades multirraciais", revista Geographica, nº 3, 1968. Desenvolveu planos de urbanização para as seguintes povoações do ultramar português: Namaacha (1948), Praia Varela (1959), Bairros Populares de Bissau (1959), Quelimane (1964) e São Tomé (1963-68).

Como arquiteto e do ponto de vista estilístico, Mário de Oliveira foi sobretudo um conservador, como comprova o Pavilhão de Tisiologia do Hospital de Bissau, hoje Hospital 3 de Agosto, realizado em parceria com Lucínio Cruz em 1951. Assinou também edifícios que se aproximaram de um léxico mais moderno. Entre os seus projetos assinale-se a Escola Técnica Silva e Cunha, atual Liceu Nacional de São Tomé e Príncipe (inaugurada em 1969) e o edifício do Museu Nacional de Etnografia de Nampula (inaugurado em 1956) .

Mário de Oliveira trabalhou dentro do sistema colonial e talvez isso possa explicar o porquê de as suas produções urbanística e arquitetónica, quase sempre de promoção pública, terem sido por vezes negligenciadas. "O seu compromisso, contudo, residiu num saber técnico, empenhado em solucionar as carências estruturais das populações coloniais".

Paralelamente à arquitetura e planeamento desenvolveu atividade enquanto pintor e crítico de arte. Expôs individualmente (Lisboa, Porto, Coimbra, etc.) e participou em inúmeras mostras coletivas, nomeadamente em diversas Exposições de Arte Moderna do S.P.N./S.N.I. (Prémio Domingos Sequeira, 1954), nas I e II Exposições de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957, 1961), etc. Teve uma importante ação enquanto crítico de arte publicando nas páginas do Diário Popular, do Diário de Notícias, etc., tendo-lhe sido atribuído o Prémio da Crítica de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (1962) e o Prémio Internacional de Crítica de Arte (1964), Madrid.

Na década de 1980 retirou-se voluntariamente da vida pública e exilou-se no Hotel Mira Corgo, em Trás-os-Montes, para se dedicar à pintura. Morreu sete dias antes de completar 99 anos.

Aureliano Lima(Escultor e Poeta):


Aureliano Lima (Carregal do Sal, 23 de Setembro de 1916 — 15 de Dezembro de 1984) foi um escultor, desenhador, medalhista e poeta português. Pertence à terceira geração de artistas modernistas portugueses.

Autodidata, antes de se dedicar às artes plásticas exerce diversas profissões. Em 1939 estabelece-se na cidade de Coimbra. Nos anos que se seguem escreve, reune-se em tertúlias, colabora em jornais e inicia a atividade artística. Em 1948 participa na Exposição de Artistas de Coimbra e na III Exposição Geral de Artes Plásticas (Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa).

Em 1958, vai para o Porto e pouco tempo depois para Vila Nova de Gaia, onde chegou a trabalhar no atelier do escultor Manuel Pereira da Silva, entrando em definitivo para os meios artísticos e culturais e abrindo-se a novas experiências, a novas criações e actividades.


Participa na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, 1961. Nessa época a sua obra escultórica sofre uma importante reformulação: "Nas novas experiências não figurativas percebe-se uma dupla tensão, traduzida no diálogo entre forma cheia e forma oca, entre a linha [...] e os volumes aliviados do seu carácter sólido ou tridimensional, em obras de feição biomórfica ou antropomórfica".

Aureliano Lima abandona as massas compactas, preferindo a "irrupção expressiva da forma vertical no espaço, a interacção daquela com este último, deixando-o penetrar na matéria, ora sublimada na cor, ora reforçada na sua presença crua (através de texturas, contrastes, marcas de fabricação...). Mais tarde, a tensão parece pender para um entendimento da escultura como jogo de formas geométricas elementares". Também aqui, desde as décadas de 1960 e 70, o seu trabalho traduz-se no modo inovador com que trabalha a linguagem contemporânea do ferro pintado e do plástico. "A escultura reduz-se então a um sinal abstrato, que interrompe a continuidade do espaço físico [...]. Nestas obras, o contraste entre cheio e vazio, a redução da escultura a uma estrutura rigorosa de planos, rectas e círculos pintados de cor uniforme, aproxima-se de uma interrogação acerca do valor sinalético e óptico da escultura, muito rara em Portugal".

Importante no contexto da arte portuguesa das dácadas de 1960 e 70, sobretudo pelos novos caminhos explorados, "a sua obra escultórica permaneceria relativamente desconhecida. As dificuldades pessoais na afirmação de uma carreira artística, a escassez de recursos, a relativa discrição do seu trajecto criativo, contribuíram para escamotear o sentido de uma criatividade marcada pela experimentação plástica e pela irreverência perante os modelos estéticos tradicionais". 

Expôs individualmente pela primeira vez em 1963 (Galeria Alvarez, Porto). Entre 1965 e 1967, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris. Em 1985, foi publicada postumamente a antologia poética Os Rios e os Lugares (Brasília Editora, Porto).

Em 1988, a Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, promoveu uma exposição restrospectiva da sua obra artística e literária.

Guilherme Filipe(Pintor):


Guilherme Filipe Teixeira (Pampilhosa da Serra, Fajão, 1897 - Pampilhosa da Serra, Fajão, 1971) foi um pintor português.
Nascido em Fajão, Guilherme Filipe desde muito novo manifestou a sua vocação para a pintura. Estudou nas escolas de Belas-Artes de Lisboa e Belas-Artes de Madrid, tendo como patrono Cândido Sotto Mayor.

No período em que frequentou a escola de Belas-Artes em Lisboa, era assíduo dos cursos livres da Sociedade Nacional de Belas Artes e frequentou os ateliês dos mestres, José Malhoa e António Tomás da Conceição Silva.

Nos seis anos que passou na capital espanhola foi aluno de Joaquín Sorolla na Real Academia de Belas-Artes de São Fernando, montou um ateliê com os escultores José Planes e José Clara, participou numa série de exposições colectivas e individuais e fez parte de várias tertúlias artísticas e literárias, nomeadamente no famoso café madrileno El Pombo onde é introduzido pelo escritor e jornalista Ramón Gómez de la Serna.

A sua estreia nas exposições madrilenas deu-se numa exposição colectiva no Palácio das Artes (1918), com um quadro de gigantescas proporções intitulado Salomé. Por não caber na porta Guilherme Filipe pendura-o numa árvore no exterior do edifício. A imprensa espanhola referiu-se largamente ao acontecimento, que foi comentado pelo rei de Espanha à saída da Exposição como sendo um acto de "rebeldia lusitana muy simpática". Tinha então o artista 21 anos. De Madrid Guilherme Filipe parte para Toledo onde passa uma larga temporada com o caricaturista Luis Bagaria.

Regressa a Portugal, no momento em que se esboçava um forte movimento de renovação da Arte Portuguesa. Instala-se primeiro em Coimbra, onde o poeta Eugénio de Castro lhe proporcionou um ateliê na Faculdade de Letras, produzindo aí algumas interessantes composições picturais como O Cristo Negro, Aldeia da Beira, O Retrato do Poeta (Miguel Torga de quem era amigo pessoal), etc. Em 1923 realiza nesta cidade a sua primeira exposição individual, cujo catálogo foi editado pela Imprensa da Universidade de Coimbra. Realiza a sua segunda exposição individual em Lisboa, para onde se mudou depois.

Guilherme Filipe volta a ausentar-se de Portugal, desta vez para se dirigir a Paris tendo realizado no caminho várias exposições em Coimbra, Lisboa, Porto, Corunha, Vigo, Santander, Oviedo, Bilbau e Madrid, tendo os museus de Arte Moderna destas últimas cidades adquirido quadros seus. Fez também algumas conferências e publicou dois manifestos sobre arte e política. De regresso de Paris volta a fixar-se em Madrid por mais um ano.

Quando regressa a Portugal definitivamente (1932) Guilherme Filipe dedica-se a uma série de actividades culturais e políticas a par com a pintura:
Em 1933, com o patrocíno de Guilherme Cardim e Fausto Figueiredo funda no Estoril uma Escola de Acção Artística, em colaboração com Augusto Pina. Nas palavras do pintor esta escola pretendia - "estimular as crianças e desenvolver-lhes a intuição artística, para que com as noções elementares de cor, de pintura, e música enriqueçam a inteligência e criem o sentido de ritmos fortes." A escola, fecha pouco tempo depois da sua criação por falta de apoios, uma vez que o ensino era gratuito e a maioria das crianças que a frequentava provinha de meios desfavorecidos.
Funda também o Jardim Universitário de Belas-Artes em Lisboa, que promoveu, entre outras actividades, a criação de uma orquestra sinfónica que se apresentou no Coliseu dos Recreios; debates sobre arte e filosofia na Sociedade Nacional de Belas Artes; uma homenagem ao prof. Egas Moniz pela sua consagração com o Prémio Nobel; sessões clássicas de cinema, as célebres "matinés das terças-feiras" no cinema Tivoli, com exibição de filmes comentados (tendo sido um dos comentadores); etc.
Em meados da década de 30, e durante cinco anos, Guilherme Filipe afasta-se da vida cultural e artística da capital e refugia-se na Nazaré onde se dedica a pintar temas relacionados com a pesca e os pescadores, no que é considerado por vários autores como um dos seus períodos mais profícuos em termos artísticos. Foi também na Nazaré que Guilherme Filipe organiza a Primeira Festa do Mar (Setembro de 1939), na qual colaboraram Afonso Lopes Vieira, Joaquim Manso, Hipólito Raposo e Almada Negreiros.
Em 1958 participa na campanha de apoio a Humberto Delgado e faz um estágio na Universidade de Santander (secção de Humanidades). Neste período pinta o retrato equestre de Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque e três painéis para o Cine-Teatro de Arganil. Pintou também os retratos do poeta Santiago Presado, Guida Keil do Amaral, dos professores Diogo Furtado, Barahona Fernandes, Adelino da Palma Carlos, Dias Agudo, Santana Dionísio (pai e filho) e Seabra Dinis.

Guilherme Filipe fez parte de um grupo de intelectuais que em 1958 apoiou a candidatura do General Humberto Delgado à presidência da República. Numa sociedade em que a censura imperava e que os opositores ao regime eram silenciados, Guilherme Filipe viveu a partir de então como um proscrito tendo morrido três anos antes da instauração da democracia em Portugal.

Existem quadros seus nos museus de Coimbra, Lisboa, Porto, Nazaré, Caldas da Rainha, Arganil, assim como em várias colecções particulares em Portugal e no estrangeiro.
Colaborou na revista Renovação (1925-1926).
Recomendação: José Queiroga

Fontes:

"Arganil", Archivo Histórico de Portugal, n.º 31, janeiro de 1890;
"Teatro Alves Coelho voltou para a Misericórdia mas sem obras", Artigo Público, texto de Camilo Soldado, 2016;
"Teatro Alves Coelho", Sistema de Informação para o Património Arquitetonico, Francisco Jesus, 2000;
Arquivo Digital: Teatro de Arganil, C.M.A.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Torre de Grade ou Torre de Faro, Mó-Grade, Arcos de Valdevez

Grade é uma antiga freguesia portuguesa do concelho de Arcos de Valdevez, distrito de Viana do Castelo. Foi extinta em 2013, no âmbito de uma reforma administrativa nacional, tendo sido agregada à freguesia de Carralcova, para formar uma nova freguesia denominada União das Freguesias de Grade e Carralcova da qual é sede. Antes dessa reforma administrativa, a antiga freguesia era composta pelas seguintes localidades localidades: Agrela, Costa, Gontariz, Mó, Pousada e Vilela.
Em outros tempos  a paróquia atendia pela designação de Gorvellas, a atual designação de Grade, tem origem, segundo a tradição, no facto de nesta região terem sido construídas grades utilizadas pelos portugueses contra os castelhanos.  Ao longo dos séculos a paróquia pertenceu a várias jurisdições, nas inquirições de 1258 surge na lista das igrejas situadas Entre Lima e Minho como pertencente ao Bispado de Tui, em 1444 a comarca eclesiástica de Valença, à qual pertencia, foi reorganizada e a paróquia passou a pertencer à a comarca de Olivença e Bispado de Ceuta. Em 1512, o arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, deu a D. Henrique, bispo de Ceuta, a comarca de Olivença, recebendo em troca a de Valença, esta permuta viria a ser aprovada em 1513 pelo papa Leão X.
Um confronto celebrizado como "Veiga da Matança", que opôs Afonso Henriques a seu primo Afonso VII de Leão, no qual, de forma a evitar uma batalha campal, acordaram uma luta de cavaleiros de ambos os lados, num torneio ou justa típico da Idade Média. A sorte das armas pendeu para o lado português, tendo os cavaleiros leoneses ficado detidos, conforme o código da cavalaria medieval.
Segundo a lenda, neste episódio, que é retratado como uma batalha, foi encontrada uma relíquia sagrada, denominada Santo Lenho, que segundo a fé cristã crê-se que seja um pedaço retirado da Cruz onde Cristo foi crucificado. Esta relíquia encontra-se na freguesia de Grade, na Igreja Matriz, num sacrário com duas portas fechado a sete chaves todas elas diferentes.
A aldeia desenvolve uma actividade essencialmente agrícola, possui belas paisagens principalmente nas áreas ribeirinhas dos rios Ázere.
Relativamente ao património edificado, os grandes destaques são a Igreja Paroquial de Grade, a Capela da Senhora da Piedade e a Torre de Faro, este último um edifício monumental edificado no séc. XV e que se presume sobre um edifício mais antigo datado do período de ocupação romana e sobre o qual esta publicação se vai debruçar.
Heráldica da antiga freguesia de Grade
Brasão: escudo de azul, reixado de prata, tendo brocante um relicário do Santo Lenho, de ouro, com dobre-cruz de vermelho. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: “GRADE – ARCOS DE VALDEVEZ”.
Foto: Arcos de Valdevez, 2015

A Torre de Grade ou Torre de Faro encontra-se a uns bons metros desviada do núcleo rural, inserida numa propriedade, limitada por caminhos municipais, a noroeste da aldeia. É uma das muitas casas-torres imponentes que foram construídas no final da Idade Média no vale do Lima. Actualmente,  apesar de algumas intervenções efectuadas ao longo dos séculos, o edifício apresenta ainda as características medievais originais, justificado também por um certo abandono que se evidencia hoje com alguma preocupação.  
A origem da casa-torre remonta ao século XV, altura em Álvaro Pires de Grade, marido de D. Branca Lopes Pacheco, pertencente a uma das mais importantes famílias portuguesas da segunda metade do século XIV, a manda construir para nela instalara a residencial do casal. Dessa altura, que a casa nobre quatrocentista, conserva-se ainda parte da estrutura acastelada, (ameias), tipicamente baixo-medieval. De arquitectura medieval, integrada na tipologia conhecida como "casa-torre", a modesta casa nas suas proporções e feições, conjuga torre e ala residencial, para onde se abre a entrada principal, muito simples, ao nível do segundo piso, visto que o primeiro, tal como o da torre, era utilizado como arrecadação/estábulo de apoio à actividade agriculta da quinta.
A lista de proprietários que passaram pela quinta é extensa, em 1680 a quinta integrava já o morgadio da Torre de Grade, cujo direito foi passado de Beatriz Bezerra para Luís Gomes de Abreu, por escritura lavrada em Ponte de Lima em novembro de 1680. Nos finais do século XVII, era senhora da Torre de Grade D. Maria de Abreu Soares, descendente directa de Luís Gomes Abreu, casada com Afonso Pereira de Castro que a doa ao seu filho Francisco Pereira de Castro, 1º Morgado da Andorinha, constituído em 1700. Deverá datar dessa época, ou das décadas seguintes, a profunda remodelação do espaço residencial. Não só se patrocinaram reformas na velha estrutura medieval, como se optou por construir um segundo corpo, adossado ao primeiro.
A quinta havia de ser mantida como morgadio até ao século XIX, e pertencia ao 7.º Morgado da Andorinha, avo do Prof. Eugénio de Castro Caldas, herdeiro e proprietário da casa no século XX.


Na posse de privados desde a sua construção, a Torre da Grade foi classificada em 1878 como Imóvel de Interesse Público, e apresar do abandono de que tem sido alvo,  continua a ser uma referência baixa-medieval na paisagem do Alto Minho, lembrando a organização senhorial do espaço e as muitas mudanças que ocorreram nos edifícios residenciais da nobreza fundiária portuguesa.
Nos últimos anos foram efectuadas, pela família Castro Caldas, já algumas obras de reparação de maior urgência como o telhado que já tinha ruído parcialmente.
Fontes:
"Torre de Grade", Direcção Geral do Património Cultural, DGPC;
"Torre de Grade ou Torre de Faro", Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, SIPA, texto de Paula Noé, 1992;
Grade-Arcos de Valdevez, knoow.net

domingo, 28 de julho de 2019

Celeiro do Convento de São Francisco ou Torre da Horta dos Cães, Faro



Faro é uma cidade portuguesa, sede de concelho, diocese, comarca e concelho. Uma vasta mancha urbana caiada de branco situada à beira-mar, junto à ria Formosa, na margem esquerda da Ribeira Marchil e a escassos quilómetros da margem direita do Rio Seco. Encontra-se separada do Atlântico por vários estreitos da Ria Formosa e pelas ilhas arenosas de Ancão, Barreta e Culatra onde se encontra o Cabo de Santa Maria, o ponto mais a sul de portugal continental. O concelho é actualmente dividido em quatro freguesias, Santa Barbara de Nexe, Conceição e Estoi, Montenegro e Faro.
A região começou por ser ocupada pelos Suevos, depois pelos Fenícios que ali comercializaram, seu nome era então Ossónoba, os Cartagineses e mais tarde os Romanos que desde cedo evangelizaram o cristianismo, por esta altura era uma importante cidade romana, tinha moeda cunhada com símbolo própria e era a principal cidade da antiga região Luzitania Céltica que deu origem ao reino do Algarve. Dos vestígios romanos destaca-se as Ruínas romanas de Milreu.
Com a decadência do império romano, chegaram os Bizantino e Visigodo, do período visigótico existem várias fontes e indícios que referem uma magnifica catedral, mas cujos vestígios nunca foram encontrados, já da ocupação bizantina destacam-se as torres bizantinas da cidade.

Com a chegada dos mouros à Península Ibérica, no ano de 713 a antiga cidade de Ossónoba foi invadida e caiu em decadência e por volta do século IX muda de nome para Santa Maria do Ocidente, já no século XI, a cidade passa a designar-se Santa Maria de Ibn Harun ou santa maria de Hárune, em honra do fundador da Dinastia dos Banu Harun, e é fortificada com uma cintura de muralhas. Durante o domínio árabe, Faro conheceu um notável esplendor cultural, nela se notabilizaram Al-Alam, filósofo e ainda Abul Hárune e Sálih ben Sálih, poetas.
Brasão de Armas da Cidade de Faro, 1860
Simbolismo: Pano de muralha e torres – Faro enquanto cidade amuralhada; Imagem de N. Sr.ª da Conceição – Padroeira de Portugal desde 1646, eleita por D. João IV; As torres – Faro enquanto cidade muralhada; A Coroa mural que encima o escudo surge no âmbito do modelo definido legalmente para as cidades, pelo Regulamento de Heráldica dos Municípios. O brasão de armas da cidade de Faro constitui, acima de tudo, uma homenagem à Mãe de Cristo, dada pela cidade, cujo símbolo é, ainda, a evocação dum antigo local onde a sua imagem esteve exposta: na muralha.

Já na sequência da reconquista cristã, foi objecto de saque em 1217 por parte dos cruzados frisões, e em 1249 foi definitivamente reconquistada por D. Afonso III. Os portugueses designaram a cidade por Santa Maria de Fáron, topónimo derivado de (Ibne) Hárune, nome do senhor da cidade na 1.º metade do século XI e que está na origem da actual denominação Faro.
Recebeu foral de D. Afonso III em 1266 e fez-se cercar de fortes muralhas, D. Manuel concede-lhe novo foral em 1504 e D. João III fê-la novamente cidade em 1540, em virtude da transferência da Sé de Silves para Faro por iniciativa do Papa Paulo III. 
A 25 de julho de 1596 a cidade foi praticamente destruída pelos soldados do Duque de Essex, que entre outros despojos levaram consigo a preciosa biblioteca do Bispo D. Jerónimo Osório, actualmente integrada na Biblioteca Bodleiana de Oxford. 
Depois de recomposta a cidade sofre grandes destruições com os terramotos de 1722 e 1755, a sua reconstrução foi da responsabilidade do Bispo D. Francisco Gomes de Avelar, popularmente conhecido como o "Bispo Santo".
Apesar de não possuir autonomia própria, o Algarve foi considerado, durante séculos como o segundo reino da Coroa Portuguesa até à proclamação da República Portuguesa em 5 de outubro de 1910, data a partir da qual deixa de ter qualquer diferenciação titular do resto do território.
Brasão do Reino do Algarve conforme se encontra no Atlas Contractus de Johannes Janssonius,1666.
Escudo esquartelado: I e III - de ouro, carregado com uma cabeça de mouro de perfil; II e IV - de azul com uma cabeça de rei cristão de frente, coroado de ouro, rosto barbado ; Coroa de Marquês de três florões visíveis. Algumas variações deste padrão poderão aparecer, nomeadamente no que toca às cabeças dos reis mouros, que parecem mais africanos e que são substituídas na versão moderna por rostos de reis mouros de frente cobertos com uma gutra.
Foto: DGPC, 2008 
Este curioso edifício de raríssima configuração arquitectónica, única edificação civil de planta octogonal existente em todo o Algarve, atravessou as vicissitudes de vários séculos, transportando uma peculiar carga histórica e um enigmático simbolismo mitológico, associado a uma função, que se descobriu recentemente, nunca ter desempenhado. Com efeito a tradição atribuía ao edifício da Horta dos Cães a função de celeiro, mas na verdade actualmente considera-se que o torreão octogonal foi construído para servir como uma espécie de casa de fresco.

Faro, the capital of Algarve,1813
Se a sua utilidade original foi uma incógnita durante muitos anos, também o é o objectivo da sua construção, alguns autores apontam que o objectivo de erguer um edifício com este tipo de arquitectura, simbolizava a necessidade de afirmação pessoal e de poder, criando um marco simbólico no contexto da cidade. Com efeito, de acordo com uma gravura de 1813, onde se vislumbra um grande panorâmica de Faro vista da ria, donde sobressaem, da cércea média, a Igreja do Carmo, o Colégio dos Jesuítas, a Sé de Faro, a Torre da Horta dos Cães e o Convento das Freiras. A gravura apresenta apenas a silhueta dos edifícios, dando lugar a margem para dúvidas, mas com efeito não se conhecia até à data outros edifícios que pudessem corresponder aos esboços.

Construído na primeira metade do século XVIII, num terreiro então denominado Horta dos Cães, do qual herdou o nome, situado entre entre a cerca muralhada construída em torno de Faro por D. Afonso III no século XIII e a cerca do Convento de São Francisco, ensanduichado entre a Rua Manuel Penteado e a Rua Dona Teresa Ramalho Ortigão.

A sua parecia atípica e arquitectura inusitada só poderia ter resultado da colaboração de ilustres famílias farenses, artistas e arquitectos desprovidos das convenções e arrojados na sua arte. O seu projecto foi encomendado a Diogo Tavares de Ataíde(1711-1765), escultor, mestre-pedreiro e arquitecto algarvio, que terá desenhado e acompanhado a construção do celeiro da Horta dos Cães, mando construir pelo Desembargador de Faro, D. Veríssimo de Mendonça Manuel(1669-1747). Segundo alguns autores uma segunda campanha de obras terá decorrido entre 1761 e 1789, da qual resultam as foguras decorativas da fachada e o brasão de amas brasão em massa, integrado em conjunto, pertencente a Manuel Mascarenhas de Figueiredo Manuel, neto do Desembargador, que terá completado a obra iniciada pelo avô.
Foto: SIPA(Daniel Giebels, 2006)
Já depois da sua morte, o seu neto, Capitão Mor Manuel de Mendonça Figueiredo Manuel(1730-1797) vendeu esta propriedade aos Frades Marianos que aí pensavam construir um convento, desconhecendo-se os motivos porque não se chegou a concretizar esta intenção, decorria então o ano de 1780. A quando da venda, o terreno era denominado por Ferragial e segundo a discrição da compra, situava-se  junto aos baldios e trincheiras antigas da cidade, em meados do século XIX o terreno era já designado por Horta dos Cães e passa a ser designado por Horta de São Francisco.


Foto: SIPA, 1976
Em finais da segunda década do século XX, a torre pertencia à família do escritor Ramalho Ortigão, que inicia um processo de loteamento para a urbanização do terreno, todavia, preservou o edifício adaptando-o para prédio de rendimento, cada piso correspondia a uma habitação. Esteticamente o edifício não sofre grandes alterações com esta transformação ate aos dias de hoje, com excepção da escada exterior que dava acesso ao segundo piso, que por estar em mau estado de conservação foi subsistida por uma de ferro por volta de 1989 e os tanques e jardins que possuía e foram destruídos em consequência do loteamento exaustivo desta zona.
Classificado como Imóvel de Interesse Público em 1977, o edifício encontra-se devoluto há já várias décadas, sem que no entanto, tenham sido efectuadas intervenções significativas de conservação e preservação. Recentemente, em 2018, o telhado acabou mesmo por ruir e o assunto foi levado ao parlamento pelos deputados do PS eleitos pelo Algarve “Em causa, está a necessidade de se realizar uma intervenção para proteger o Celeiro, que foi classificado como Imóvel de Interesse Público, e ficou ainda mais debilitado depois do mau tempo que se fez sentir nas últimas semanas, provocando a derrocada do telhado”, frisam Luís Graça, Ana Passos, Fernando Anastácio e João Rodrigues.

Diário Online - Região Sul, 3 de abril de 2018

Hoje o edifício encontra-se num estado lastimável, localizado na zona histórica da cidade e propriedade de particular talvez estejam em causa motivos de especulação imobilizaria ou eventuais carências financeiras. Certo é que as paredes se encontram com grandes fendas, as figuras de massa apresentam danos e corrosão. Depois que o telhado ruiu, há infiltrações por todo lado, também as paredes ameaçam ruir.
Neste momento urge fazer alguma coisa e já não é só para salvar o edifício mas também por segurança pública, principalmente proque este se encontra ao lado de um edifício de habitação, duas ruas e um parque de estacionamento, oferece perigo para a população.
Foto: SIPA, 1976
Com uma arquitectura recreativa e agrícola, barroca, rococó, todo o edificio é cheio de pormenores relevantes, a planta central octogonal, com cobertura interior em abóboda de aresta de 8 panos compondo a cobertura do piso térreo com grande expressividade e excepcional plasticidade.  O telhado acompanha a dinamita da abobada, constituído por oito águas de telha mourisca com cornija saliente e balançada em papo de rola. As semelhanças arquitectónicas com Torre dos Ventos , também conhecida como Horológio de Andrônico, em Atenas, é evidente, a possibilidade de esta ter servido de inspiração para o esboço da Torre da Horta dos Cães, é uma possibilidade.
Trabalhos de massa nos alçados exteriores com tratamento compositivo e decorativo com características barrocas e motivos rococó à mistura.  Molduras de massa em oito óculos de forma elíptica e nas sete janelas rectangulares, pilastras em massa com base e capitel simulado e com minúsculas aletas junto à cornija. 
Duas portas, uma de verga recta virada a nascente, no piso superior e na facada principal, no poso térreo, rasga-se uma porta em arco de volta-perfeita sobreposta por composição em massa de concheados e volutas, com as armas dos Mascarenhas Figueiredo, integradas num enorme conjunto de decoração rocaille onde são perceptíveis vestígios de pigmentação branca e vermelha.

A Mitologia e a Simbologia:


Foto e seguintes: Filipe Palma

Dois panos opostos dos oito que compõe o edifício, laterais à porta principal e ao nível do rés-do-chão , foram decorados com interessantes figura mitológicas em relevo, que revelam tendência para um expressionismo tardobarroco ou rococó. Estes trabalhos de massa nos alçados exteriores do edifício, da autoria de Diogo Tavares de Ataíde, representam Hércules( homem coberto por pele de leão, com uma maça e a hidra de Lena, cuja legenda identifica claramente como o herói mitológico HÉRCULES) e Adamastor(representação de um índio gigante que luta com um crocodilo com a legenda CABO DE BOA ESPERANÇA ADAMASTOR). 
A representação de figuras mitológicas e lendárias na ornamentação dos edifícios foi uma forma que o amestre encontrou de unir numa só obra toda a sua arte, já o havia feito também no frontão da fachada de um edifício situado à entrada de Faro conhecido por "Casa das Figura".
Do ponto de vista simbólico Hércules representa uma ponte de ligação que aproxima o divino e o humano(terreno), pois era filho de Zeus (pai dos deuses gregos) e da mortal Alcmena, filha do rei de Argos, Hércules era assim um semideus, tinha atributos humanos e divino, fruto de uma relação "extraconjugal" e por isso odiado desde o nascimento por Hera, esposa de Zeus. 
Hércules ou Héracles foi o herói mais célebre da cultura greco-romana, famoso por sua força física e bravura, nas obras de arte romanas e na arte renascentistas, Hércules é muitas vezes pode ser identificado por seus atributos físicos e adereços como a pele de leão e a clava.
Alguns autores defendem que a figura de Hércules não aparece na decoração do edifício pro mero acaso, mas sim como uma representação do poder de Manuel Mascarenhas de Figueiredo Manuel, Capitão-mor e Guarda-mor de saude de Faro e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Também conhecido popularmente por “Manuelinho de Faro”, era um homem de porte robusto e de uma grande força como Hércules.
A hidra por sua vez é um animal da mitologia grega com várias cabeças de serpente, sendo uma delas imortal, e corpo de dragão. Foi criada por Juno e era um dos doze trabalhos de Hércules. Era conhecida como "Hidra de Lerna". O seu sangue assim como o seu hálito eram venenoso. Se suas cabeças fossem cortadas, elas voltavam a nascer.
Como símbolo dos instintos mais ruins, paixões e defeitos, ambições e vícios, a Hidra deve ser dominada, como símbolo do autocontrole dos nossos instintos por isso a representação de Hércules neutralizando-a pela cauda.

A figura de Adamastor entrou definitivamente na cultura portuguesa a partir do momento em que passou a protagonizar o gigante do Cabo das Tormentas, no Canto V da epopeia dos Lusíadas de Luís de Camões. O Canto V dos Luzidas aborda o inicio da viagem da armada Portuguesa, é a introdução da narrativa da grande aventura marítima, no qual Adamastor, o gigante, afundava as naus portuguesas. Adamastor simbolisa as forças da natureza, a sua oposição à audácia dos navegadores portugueses comandados por Vasco da Gama e a predição da história trágico-marítima que se lhe seguiria. Adamastor também foi homenageado por Fernando Pessoa no poema "O Mostrengo".
Na mitologia greco-romana Adamastor aparece pela primeira vez como o gigante, filhos de Gaia(Mãe-Terra), que se rebelaram contra Zeus e por isso foram fulminados, ficaram dispersos e reduzidos a promontórios, ilhas e fraguedos, daí a associação por Camões a um cabo, porção de terra. 
Quanto à representação, 
Em relação à figura que representa a dobragem do cabo das tormentas, na parede da Torre de Faro, um índio domando um "crocodilo", apesar de não existir um paralelismo directo nos episódios dos descobrimentos de Vasco da Gama com este tipo de animal, os crocodilos encontra-se muito representados nas lendas dos egípcios e egípcias e hindus como ser poderoso das águas. Também o índio pode ser visto como símbolo do descobrimento do continente americano, como a entrada num Novo Mundo.
Apesar da figura não representar directamente aquela imagem que temos no imaginário do Adamastor, um mostro dominando o cabo e soprando sobre as águas do aceno agitando os mares, simbolicamente temos mais do que isso, o titã dos mares tão poderoso que domina a criatura das águas tão temida e respeitada e ainda que a passagem pelo Cabo das Tormentas foi a chave para a descoberta de um novo mundo, razão pela qual aquele que era conhecido como "Cabo das Tormentas" passa a "Boa Esperança".


Fontes:
Faro - Guia Turístico de Portugal de A a Z, Circulo de Leitores, texto de Manuel Alves de Oliveira, 1990;"O Celeiro de São Francisco e a consciência histórica", Semanário Regional do Algarve, Barlavento, texto de Fernando silva Grade, março de 2018;"Celeiro do Convento de São Francisco / Torre da Horta dos Cães", Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, texto de João Neto, 1991, e Daniel Giebels e Rosário Gordalina, 2005;
"Celeiro do Convento de São Francisco / Torre da Horta dos Cães", Direcção Geral do Património Cultural, texto de Carina Oliveira, 2008;
Faro - Archivo Histórico de Portugal, n.º19, 1890;
Arquivo Digital: C. M. Faro;
Arquivo Digital: Reino do Algarve;