quinta-feira, 18 de julho de 2019

Ruínas nos jardins da Casa de Mogofores, Anadia


Foto: Maria José.

Mogofores foi uma freguesia portuguesa do concelho de Anadia, extinta em 2013, no âmbito de uma reforma administrativa nacional, tendo sido agregada à freguesia de Arcos, para formar uma nova freguesia denominada União das Freguesias de Arcos e Mogofores com sede em Arcos.
É atravessada pela Linha do Norte, tendo estação onde param comboios regionais e alguns inter-regionais. 
Foi vila e breve concelho no final da Idade Média e foi um curato da apresentação do prior de S. Paio de Arcos. Na posse da mitra e do cabido conimbricense, embora em separação, aí se formaram prazos familiares, por aforamento desses senhorios.
Recebeu foral de D. Manuel em 12 de Novembro de 1514. Constituiu, até ao início do século XIX, o couto de Mogofores. Esta povoação muito antiga é topónimo de origem árabe.
Situada no coração da Bairrada entre o borbulhar do espumante e o cheiro do famoso leitão, Mogofores é um simpático ponto turístico que atrai visitantes interessados pela gastronomia e espumantes.
Brasão da Antiga Freguesia de Mogafores
Escudo de ouro, ponte de cinco arcos de negro, movente de campanha diminuta de três tiras ondadas de azul e prata; em chefe, três cachos de uvas de púrpura, folhados de verde, bem ordenados. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco, com a legenda a negro «MOGOFORES».


Foto: Booking, 2012
A Casa de Mogofores é uma casa senhorial edificado nos finais do século XIX, para residência de Albano Coutinho, uma ilustre personalidade da terra, que embora tenha nascido em Lisboa, cá se estabeleceu a partir da morte de seu pai, Albano Afonso de Almeida Coutinho(1813-1876), um dos maiores jornalistas portugueses do século XIX, natural desta terra. Encimando a entrada do andar nobre ergue-se um escudo redondo onde além da data 1867, se lê também "Pela liberdade politica, pela liberdade religiosa e de consciência - Albano Coutinho".

A Casa de Mogofores insere-se à entrada de uma extensa propriedade vinícola onde existem outros edifícios de épocas variadas, dos quais se destaca uma ruína atribuída ao século XVII, cuja decoração da fechada permite que se funda com a natureza ao integrar o jardim desta bela casa. Pouco ou nada se sabe à cerca desta enigmática construção, nem mesmo se esta era parte integrante de um maior complexo seu contemporâneo, eventualmente localizado onde hoje se encontra a solarenga Casa de Mogofores, edificada a escassos metros desta ruína.
Na minha opinião, analisando bem a construção, tendo em conta a sua relativa pequena dimensão, o tipo de decoração romântica exagerada, e ainda ausência de outros elementos arquitectónicos semelhantes nos outros edifícios, poderia considerar que esta construção é de tempo mais recente, eventualmente contemporânea da casa principal e represente uma ruína artificial tipicamente romântica, ali edificada propositadamente para embelezar e mistificar o jardim. 
Pesa a minha inclinação para esta possibilidade, o facto de não lhe ser atribuída nenhuma utilidade especifica e ainda o tipo de acabamento interior que a construção apresenta.
Ainda que não abundem em Portugal casos de falsas ruínas, a sua construção em parques e espaços ajardinados,  é uma realidade importada pelo Movimento Romântico Português. O seu contributo  na estética do Pitoresco alcançado pela reverência desses construções, em perfeita simbiose com a natureza, simulando a passagem do tempo e criando toda uma atmosfera histórica,  são os principais objectivos dos  artistas do Romantismo.

Foto: Campolargos Vinhos, 2019
A tradição vinícola desta casa terá sido iniciada por albano Coutinho,  quando escolheu o locar para sua residência. A  par da sua carreira como jornalista, seguiu os passos do pai, também foi um apaixonado viticultor, tratando as suas vinhas com esmero, e os seus vinhos com proficiência. Já antes da criação da antiga Escola de Viticultura na velha Quinta do Paço, de Anadia, o empirismo rotineiro tinha desaparecido da sua adega para dar lugar aos métodos científicos de selecção e fabrico, aconselhados por modernos tratados de enologia. 
 O desenvolvimento da região da Bairrada está associado à cultura do vinho e à criação da Estância Termal da Cúria, assim como a história desta casa esta ligada a vida de Albano Coutinho, um abastado proprietário rural, que se dedicou ao desenvolvimento da lavoura da região. Converteu a sua adega num laboratório de vinificação e enologia, com a missão no combate à  praga da filoxera, que na época dizimava as culturas. 

Hoje a Casa Mogofores pertencente à família Campolargo que da nome também ao famoso espumante "Campolargo", promovendo a continuidade da tradição vinícola de Mogofores.

Para alem de desempenhar as funções de habitação permanente da família, a Casa de Mogofores, está aberta ao turismo habitacional, nas modalidades de hotel e aparthotel.
Possuidora de uma decoração clássica primorosa,  pretende proporcionar ao turista que nela se queira hospedar, uma confortável estadia, para além de permitir que usufrua de um contacto com a natureza e com a história da transição do regime politico português. De entre as suas estruturas, a casa dispões de piscina coberta aquecida, banho turco e ginásio.
Nos seus jardins, que apesar de não serem extensos, pode apreciar a ruína, objecto de estudo nesta publicação, árvores vetustas que proporcionam sombras acolhedoras onde apetece descansar, ou ainda utilizar uma das bicicletas que a propriedade disponibiliza aos seus clientes para que possam passear calmamente pela região. 


Albano Coutinho(1848-1935):


Nasceu em Lisboa a 5 de Dezembro de 1848, filho de Albano Afonso de Almeida Coutinho e de D. Ana Luísa de Oliveira Gadanho, e faleceu em Mogofores a 30 de Agosto de 1935.
Desde 1876 que vivia nesta freguesia, respeitado pelo povo que tinha nele um verdadeiro amigo.
A sua personalidade marcou um lugar inconfundível no meio bairradino pela firmeza inquebrantável das suas convicções e rectidão de carácter.
Fez os seus estudos em Lisboa, na Escola de Agricultura e no Curso Superior de Letras. Ainda estudante − aos 18 anos − dedicou-se ao jornalismo, exercendo activa propaganda em "O Século", ao lado de Magalhães Lima, e noutros jornais democráticos.
Em 1875 acompanhou os coronéis Latino Coelho e Elias Garcia e os Drs. Oliveira Marreca, Jacinto Nunes e outros na organização do partido republicano.
Depois da morte de seu pai veio residir em Mogofores, mas não esmoreceu na sua acção de propagandista; passou a colaborar em jornais de Lisboa e da província.
Ardente paladino da República e espírito de rara actividade, defendia com entusiasmo o seu ideal, em luta contínua com o monarquismo local.
Pelos anos 1888-89 tomou a peito a difusão do jornal "O Século" que nesse tempo fazia demolidora propaganda republicana e por isso era pouco lido no nosso concelho. Mandava distribuir dúzias de exemplares em Anadia sem se importar com a irritação que o facto causava aos políticos da vila, os quais se vingavam mandando queimar os jornais que o velho Lagoa podia adquirir.
A sua propaganda pelo voto também foi notável, embora sempre contrariada pela política dominante.
Depois de implantada a República, foi o primeiro governador civil do distrito e o mais votado deputado às constituintes por este círculo, e veio a ser escolhido para senador quando se fez o desdobramento daquela câmara.
Escreveu Oito dias em Madrid, Ócios e outras obras que marcaram a sua personalidade literária. Também escreveu A Filha do Comendador, para a inauguração do teatro de Anadia.
Interessando-se vivamente pelo fomento agrícola da Bairrada, deu orientação e estímulo a todas as comissões e sindicatos criados para este fim e colaborou com inexcedível solicitude e provada inteligência em todas as medidas que a defesa dos interesses da região impunha.
Fez da imprensa e da tribuna dos comícios − sobretudo da primeira − o seu melhor posto de combate; dali fazia ouvir o seu conselho autorizado ou lavrava enérgico protesto, consoante o exigissem os interesses em causa.
As Águas da Curia devem-lhe benefícios inolvidáveis. Pode dizer-se que foi o Sr. Albano Coutinho, com a chama criadora da sua iniciativa, quem abriu a estrada triunfal desta aprazível estância. / 196 /
Amigo devotado da terra que quase lhe foi berço, mostrava por ela extremos de carinho sempre que o seu amor ao jornalismo lhe proporcionava o ensejo de a elevar no conceito de estranhos.
Para os pobres da freguesia foi um generoso protector, socorrendo-os sem alarde nem reclame.
Casou com sua prima D. Francisca Afonso Coutinho, da Casa de Sepins, e teve uma filha, D. Maria da Piedade, hoje casada com o Dr. Manuel Luís Ferreira Tavares.
Com a morte de Albano Coutinho, Mogofores viu desaparecer o último representante de um passado glorioso.

Transcrição de Arquivo Distrital de Aveiro, aqui.

Lenda da Bruxa Moga de Mogofores;


Existe uma curiosa lenda associada a Mogofores que se prende com o desaparecimento de pessoas de forma misteriosa. Assim, segundo os moradores mais antigos, todos os anos, de forma misteriosa, como por encanto, desaparece uma pessoa, da aldeia,  sem que os familiares tivessem sido conhecedores de qualquer intenção por parte desta e sem deixar qualquer tipo de rastos.
O povo preocupado começou a desconfiar que estes desaparecimentos só podiam ser associados à obra do Diabo e que este tinha na aldeia uma fiel escudeira que dava pelo nome de Moga, bruxa Moga. O povo desesperado em uníssono  expulsavam a bruxa da aldeia gritando:

-Moga fora! Moga fora! Moga fora!

E assim nascia o topónimo que daria nome à povoação:Mogofores.
Se a Moga foi desterrada ou não, a lenda não diz, mas os habitantes fizeram a promessa de ir em peregrinação anual à Senhora do Beco e o desaparecimento deixou de se verificar. Ainda hoje o povo de Mogofores se mantém fiel ao voto dos seus antepassados.

Arquivo Digital: TásCuela;
Arquivo Digital: Casa de Mogofores;
Arquivo Digital: Campolargo Vinhos;

2 comentários:

  1. Bravo.Excelente conteúdo, fundamentado numa exaustiva pesquisa.

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    1. É gratificante saber que o trabalho é apreciado. Obrigado!

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