quarta-feira, 27 de março de 2019

O Palacete do Penna como nunca o viu...

Palacete Rosa Pena após a sua construção, 1931.
Arquivo Municipal de Espinho

Conhecido como Palacete Rosa Pena, na verdade eu tenho é pena do palacete que nunca foi rosa por se encontrar em completa ruína.


Panorâmica da parte oriental da cidade de  Espinho, vista apartir do centro urbano, c.1930
Ao centro da foto são visíveis as três moradias alinhas, Casa Pereira extinta, a Casa Constante, 
e o Palacete do Penna, arquivo da Camara Municipal de Espinho.

O edifício é um dos mais emblemáticos da cidade de Espinho, destacando-se sobretudo a sua dimensão, imponência e localização.

Feira de Espinho, Casa Pereira e Constante, 1900-1928
No lado direito nasce o Palacete do Penna, no local onde se realizava a 
feira semanal, é hoje o Tribunal Judicial da Comarca e a Repartição de 
Finanças. Postal Ilustrado da Editora Tabacaria Arlindo Lopes, Espinho, 
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O palacete está rodeado por um muro que ocupa todo o quarteirão entre as ruas 15, 19, 26 e 28, foi a terceira de três casas apalaçadas construídas juntas e alinhadas na rua 19, a Casa Pereira extinta, a Casa Constante, e o Palacete do Penna, a singularidade arquitetónica dos edifícios deve-se ao fato de terem sido construídos numa zona pouco urbanizada, permitindo uma maior liberdade de construção.

Projeto do Fachada principal do Palacete do Penna, Autoria do Eng.
José Alves Pereira da Silva, c.1920. 

Mandado construir por Joaquim Alves Pena, um Brasileiro de Torna-Viagem, em 1928, a obra arrastou-se até ao primeiro semestre de 1931, o projeto esteve a cargo do engenheiro José Alves Pereira da Silva, seu sogro. Joaquim Pena fez fortuna como fa­zendeiro de café no Brasil, casou com Maria de Lourdes Pena, filha de Rosa Pena da Silva e de José Alves Pereira da Silva.


Na época da sua construção, esta zona, onde ainda era realizada a feira semanal, começava a desenvolver-se como novo centro urbano, ainda que de escassas construções, resultando como a limitação da zona urbana, a ocidente, e a zona rural a oriente.


Implantado próximo ao gaveto entre as ruas 19 e 26, era contornado pelo Jardim e limitado pelo muro em alvenaria interrompido por adornados conjuntos de colunas em granito de secção quadrada, que sustentavam os portões de ferro ao estilo Arte Nova, que permitiam o acesso a entrada do palacete, do quintal e da garagem.


O Palacete é composto por um edifício habitacional de grandes dimensões, apresenta-se organizado em vários volumes, proporcionado por torreões, corpos de volumetrias diversificadas e delicados trabalhos de cantaria. 


Composto por três andares, ao nível do primeiro andar, ou andar nobre, podemos observar vários alpendres que convergem para três escadarias afuniladas de acesso exterior.


A composição volumétrica variada, no seu conjunto, com as salientes coberturas inclinadas, conferem ao edifício uma grande variedade geométrica. Já o seu isolamento confere uma imponente presença na paisagem, despertando a curiosidade e o interesse de quem passas pelas quatro ruas da malha que o circundam.


Os volumes periféricos criam um equilíbrio assimétrico organizados em torno de um volume central, o bloco mais elevado apresenta quatro pisos na sua totalidade. 


Na decoração, são de realçar os detalhes artísticos ao gosto Arte Nova, nas janelas, com talhe em cantaria, algumas delas, nas fachadas principais, com cartelas esculpidas na pedra, motivos florais, volutas e conchas e ainda frisos e painéis de azulejos preenchidos com grinaldas de flores azuis que contrasta bem com o caimento amarelado das fachadas.



Depois de concluído o belo palacete, não teria o seu mecenas a sorte de vir a usufruir das suas instalações durante muito tempo, o Senhor Joaquim Alves Pena, viria a falecer precocemente, deixando o edifício a sua esposa Senhora Maria de Lourdes Pena.



Pouco tempo depois de ficar viúva, a herdeira vende o palacete dando inicio a história da fase declínio cujo o edifício reflete nos dias de hoje.


Da ocupação mais recente, na década de setenta e oitenta, o edifício acolheu um núcleo de apoio ao 1.º ciclo que logo depois viria a ser transferido, passando à fase devoluto.


Pelo menos desde 1994 que a Câmara de Espinho, por várias vezes, tentou adquirir o palacete que por divergências no valor nas negociações, entre a câmara e os herdeiros e os herdeiros entre si, têm inviabilizado a reabilitação do mesmo. A especulação imobiliária será certa mente uma das entraves à realização do negócio.


Palco de muitas presenças e atividades não solicitadas, vitima de roubos e vandalismos e principalmente abandono, entrou numa espiral de degradação alucinante.
Os muros foram acrescentados e os portões substituídos por paredes de tijolos, as portas e janelas foram emparedadas para evitar presenças não desejadas, principalmente por não estarem asseguradas condições de acesso e permanência no local.

Vivendas Pereira e Constante, Espinho, 1920-1928
Bilhete Postal, Union Postal Universaille,
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A Casa Pereira já há muito que foi demolida dando lugar a um edifício de vários andares e estabelecimentos comerciais no rés-do-chão, a Casa Constante passa a sede da Academia de Música de Espinho em 1961, hoje encontra-se também devoluta na sequencia da transferência da Escola de Música de Espinho para as novas instalações.

Fachada da Vila Maria, Espinho, 2019.

O Palacete do Penna corre o risco de vir a ser demolido pela impossibilidade de o reabilitar face ao estado avançado de degradação que apresenta, à semelhança da Vila Maria, que face ao seu estado agravado, não foi possível manter a estrutura original, foi demolido e reconstruído de forma fiel à arquitetura original, e que bela arquitetura!


Brasileiro de Torna-Viagem


Autorização para Passaporte em 1880
Arquivo Municipal do Porto.


Desde há muito séculos que Portugal assiste a um constante fluxo migratório da sua população, o sustento da família e melhores condições de vida estão entre os principais fatores. No século XIX verificou-se um crescente aumento de emigração de portugueses, principalmente jovens pobres cuja oportunidades de melhorar de vida não se vislumbravam no cenário critico português, rumaram em direção ao novo mundo, Brasil, em busca de novas oportunidade num país cheio de recursos e riquezas naturais.
Esses emigrantes portugueses, também conhecido como brasileiros oitocentistas, haviam de ser conhecidos como "brasileiros de torna-viagem", emigrantes bem sucedidos no Brasil e que trazem para o país uma grande quantidade de dinheiro que em muitos casos foi investido de forma exuberante, nomeadamente na construção de grandes casas, esse fenómeno teve principal enfase nos finais do século XIX e inícios do século XX.

Passaporte de um Brasileiro de Torna-Viagem

No grande Porto, estes emigrantes dominavam os negócios efetuados com o Brasil, vários deles mantinham interesses financeiros nos dois países, nomeadamente no setor dos transportes marítimos, possuíam assim condições privilegiadas para o comércio de importação e exportação, contribuindo fortemente para o desenvolvimento portuário da cidade.

Alguns retornaram definitivamente outros passaram a viver entre cá e lá, junto com eles vieram hábitos diferentes dos que haviam levado, comportamentos, sotaque na linguagem, mas assim de tudo um nível cultural bastante divergente do qual haviam deixado, exotismo na forma de estar, vestir, nos adereços em ouro e da extrava­gância na construção da nova casa - casas de brasileiros

Na origem das grandes fortunas conquistada esteve o cultivo e comércio do café, grande parte dessas fortunas protagonizaram fortes investimentos um pouco por todo o país, promovendo fortemente o desenvolvimento nas suas terras natais, de­sempenhando o papel de mecenas e filantro­pos ao mandar construir escolas, hospitais, parques públicos, igrejas, capelas, melho­rando ruas e caminhos, assim como doações à Santa Casa da Misericórdia.


Chapéu "Palhinha dourada" e sapatos brancos, fazem
parte da indumentária típica do século XX, no Brasil.

Assumiram um importante papel de relevo na sociedade portuguesa, movimentando-se livremente na malha social e assumindo responsabilidades económicas, sociais, po­liticas e culturais mas regiões.
Na politica, foram figuras de grande prestigio, colaborando ativamente na dinamização dos seus partidos. Desempenharam também cargos de relevo parlamentar, tanto na Câmara dos Deputados como na Presidência da Câmara Municipal do Porto.
Os grande investimentos efetuados contribuíram também de forma decisiva para o desenvolvimento do tecido urbano, ao impulsionarem a urbanização e a construção civil.

Todavia estas figuras mão foram bem aceites por toda a sociedade portuguesa, nomeadamente pelos intelectuais e escritores que de alguma forma ridicularizavam e caricaturavam esta sociedade imergente que insistia em introduzir novas culturais.

Na comemoração dos 500 anos dos descobrimentos, este grupo de portugueses foi homenageado e acabou por receber o merecido valor na exposição intitulada “Os Brasileiros de torna-viagem”, organiza­da pela Comissão Nacional para as Come­morações dos Descobrimentos Portuguese (CNCDP), em 2000 na cidade do Porto.



Casa de Brasileiro


Feira de Espinho, Casa Pereira e Constante, 1900-1928
No lado esquerdo nasce o Palacete do Penna, no local onde se realizava a 
feira semanal, é hoje o Tribunal Judicial da Comarca e a Repartição de 
Finanças. Postal Ilustrado nº 7, Editora não identificada, 
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A riqueza do Brasileiros de Torna-Viagem foi bem evidenciada nas grandes casas por eles mandadas construir. Os exageros cometidos nas construções das Casa de Brasileiros, espelham as grandes fortunas adquiridas no Brasil e conseguintemente conferem um estatuto social que lhes abrirá portas para grandes responsabilidade a nível social, político, cultura de entre outros.
Paralelamente à construção das suas belas casas, protagonizaram também impulsionamento do tecido urbano e a construção civil ao financiarem a construção de escolas, hospitais, parques públicos, igrejas, capelas, e o desenvolvimento das vias. A importância Histórica desta Emigração Portuguesa, reflete-se também na grande contribuição para a História da Arte e da Arquitetura Portuguesa.
Estas construções refletem a introdução de novas mentalidades capazes de estabelecer roturas ao viabilizarem a entrada de novos conceitos como fatores de diferenciação nas artes em Portugal. As Casas de Brasileiros do inicio do sé­culo XX, representam a introdução das tendências  internacionais na arquitetura, afastando de certa forma a arquitetura clássica e introduzindo novas escolas, como foi o caso do estilo Arte Nova, que foi introduzido tardiamente, e teria uma influencia temporária muito curta, entre 1905 e 1920.


Algumas das características mais comuns mas "Casas de Brasileiro" são as assimetria e os elementos estéticos decorativos, ino­vadores para a época, como o ferro forjado nos portões e nas vedações e o azulejo que além de utilizado em painéis interiores passa a material de revestimento das fachadas,  estes edifícios não representam um estilo arquitetónico próprio, apenas se revestem de várias caraterísticas conjugadas entre si, que permitem analisar como um todo a sua origem. 



Neste sentido vale apena referir alguns dos aspetos em que o Palacete do Penna encerra na sua arquitetura que, paralelamente à história da sua origem, nos permite enquadrar como uma construção associada à "casa de Brasileiro" e são muitas essas características, representa portante um bom exemplo dessa arquitetura excêntrica.
O corpo do edifício é composto por vários volumes com numero de pisos variados, normalmente dois a três pisos, inserido numa ampla área urbana que permite o desenvolvimento de um jardim circundante, que estabelece a relação com os espaços públicos. Os pontos de acesso à propriedade são feitos a partir de portões de ferro direcionados para escadas exteriores graníticas que nos condizem aos pisos nobres do edifício. O piso térreo é destinado a armazenamento e manutenção, o piso nobre destinado para ao convívio social e os pisos superiores destinados ao espaço familiar.



Em espinho existem algumas casas típicas desta importante fase da história, infelizmente nem todas nos são apresentadas como nos seus melhores dias, mas o exemplo do Palacete do Penna é o caso mais doloroso representativo desta rica arquitetura que dinamizou as nossas cidades.
O Palacete do Penna representa assim um grande Espinho que sangra a cada olhar indiscreto que lhe é lançado por piedade do curioso que vira antes  uma grande Rosa naquele agreste canteiro.


Fontes:
Relatório temático do Património Cultural, Câmara Municipal de Espinho, junho de 2016;
O singular caso do Palacete Rosa Pena, em Espinho: Valorização e transformação em Casa-Concerto e Parque de Lazer.; Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura FAUP, Paulo Ricardo Dos Santos Ferreira, 2017;
Os Brasileiros de Torna-Viagem No Nordeste de Portugal, FLUP, Eugénio dos Santos;
www.porto.pt/noticias/

sábado, 23 de março de 2019

A Linguagem Secreta dos Vagabundos

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui mora mulher sensível, contar uma história comovente"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

A vida de vagabundo tem as suas dificuldades, a fama que carregam ao longos dos séculos não abona em seu favor, por esse motivo no início do século XX, a camaradagem que prevalecia entre a comunidade era grande assim como o respeito entre eles, pelas atividades praticadas. Na sequência da cooperação entre eles na impossibilidade de outro meio de comunicação, desenvolveram uma espécie de linguagem misteriosa codificada que permite indicar o tipo de recetividade que poderão obter em determinada porta ou local por onde passam. 

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui da-se de comer"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Mesmo os menos letrados, como era o caso das pequenas crianças das ruas que na maioria não tinham tido qualquer contacto com a escola, utilizavam também uma linguagem de código entre sim, sendo que menos sofisticada do que a praticada pelos adultos, mas com os mesmas finalidades.

Também no meio cigano, povo que vivia da caridade e generosidade social, era utilizada uma linguagem muito sofisticada, a grande diferença das demais é que estes utilizavam sinais muito subtis que passavam despercebidos aos demais.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui da-se dinheiro"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa".

Estes códigos eram na maioria identificados e descodificados por cada uma das comunidades de pedintes, a nível europeu. Em partucular os sinais utilizados pela comunidade cigana. A forma de agir avia sido aguçada para obter os melhores resultados em cada lugar por onde iam acampando. 

Vagabundos e a sua linguagem, 1911 - "Não ter receio de insistir"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Depois de montar acampamento, normalmente nas redondezas das localidades, enviavam grupos de crianças e grupos de mulheres para as ruas das localidades, vigiados por homens infiltrados para sua segurança, com o intuito de apelarem a generosidade das comunidades, sobretudo cristãs. Depois de tirar dos povoados o maior proveito possível, era hora de procurar outro pouso, mas antes disso, registavam as suas impressões de uma forma original e só compreensível por outros grupos da sua etnia, que ali pretendesse acampar.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui há cão feroz e homem mau"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Os outros grupos que chegam, quando percepcionam experiências menos positivas deixadas registadas pelos seus antecessores, largam imediatamente. Os sinais eram variadíssimos mas claros na sua mensagem, muitas vezes eram transmitidos através de cortes de arbustos de uma forma especifica, colocação de pedras voltadas, grandes pedras colocadas no local onde acenderam as suas fogueiras, tudo sinais que eles identificavam, se a aldeia é rica e a gente caridosa, se não estão recetivos à comunidade cigana e se ali cometeu algum roubo, sabendo também com algum detalhe qual a comunidade que ali assentou e por quantos membros era composta. Os sinais deixados pelas comunidades que anteriormente ali estiveram acabam por ditar a sua sorte.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911 - "Inútil insistir "
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

A linguagem destes era bem mais completa do que a utilizada pelos vagabundos que com a ponta da sua navalha, marcam nas portas das casas e das suas paredes a receptividade que vão recebendo por onde passam. Assim os que chegam depois ficam a saber que é necessário lamuriar, evocar lembranças saudosas, historias de fortunas desaparecidas e que fizeram dele um desditoso, outras que naquela casa alguém muito caridoso dá sempre pão e algum dinheiro e também quando na habitação reside um representante da autoridade ou quando um feroz cão de fila é largado em perseguição dos vagabundos. Outras indicações resaem do seus hieroglifos, como por exemplo a impressão dos habitantes do país, os roubos cometidos de fresco, os pontos onde se poderá ameaçar a pessoa a quem se pede, as casas onde moram mulheres sozinhas ou onde há um homem brutal capaz de molestar. 

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Cuidado com a cadeia"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Nada lhe esquece, desde o sitio onde é necessário ser revolucionário até àquele onde só se pode viver fazendo grande profissão de crenças religiosas.

Desta maneira os vagabundos que percorrem o país, de entre os quais estrangeiros, trocam essas impressões. É uma maçonaria que faz carreira, assim como todas as coisas secretas reveladas acaba de perder o seu valor pelo menos para os interessados, nesse sentido não são revelados os significados dos símbolos, preservando uma identidade e cultura muito própria.

Tábuas com os símbolos mais comuns
"Ilustração Portuguesa" n.º 304.



Naturalmente assim como nos dicionários, em que vocabulário vai caindo em desuso e há a introdução de estrangeirismos na língua materna, também os símbolos utilizados pelos vagabundos se foram atualizando, sobretudo à medida que este era descodificado pela policia, por forma a conferir maior segurança para as suas vidas errantes pelo país sem terem que trabalhar.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui mora um representante da autoridade"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Desde os primórdios que estas classes nómadas se entendem entre si, formando uma instintiva associação de solidariedade chegando mesmo a uma organização misteriosa de defesa coletiva.

Fontes e fotos
"Ilustração Portuguesa" n.304, de 18 de dezembro de 1911;


A mendicidade: Pobres, Vagabundos e a Justiça

Um Mendigo, Tipos de Estudo, Portugal, c. 1930
Bilhete Postal n.º 676, Edição Costa, Lisboa,
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Desde sempre os mendigos, pedintes e principalmente, os vagabundos, foram estigmatizados e marginalizados pela sociedade e ainda perseguidos pela justiça, a sombra que a justiça lançou sobre estes grupos é tão antiga como a formação do próprio país.
Num entanto estes fenómenos sociais vêm já desde a Idade Média, a falta de recursos, a sua desequilibrada distribuição ou ainda fatores pessoais incapacitantes, são algumas das principais causas que conduzem as populações para a mendicidade.

O MENDIGO

Eu leio no seu rosto acabrinhado e triste
o gelido sofrer que n'alma se khe agita,
eu leio em seu olhar severo e miseravel
a raiva n'uma dôr feroz inquebrantavel
de cynica desdital...

Ella anda como um cão na rua abandonado,
e lambe na miseria os restos do festim,
tem por amigo o eco, por cama e lagem dura,
por amparo a nudez infame, a desventura,
e o cemiterio emfim,

Encobre-lhe a lazeira o roto andrajo vil,
do verme a podridão lhe suga o corpo esqualido,
e busca esquecimento ao seu viver mesquinho
na torva excitação alcoolica do vinho
que o torna alegre e palido.

Nas desgrenhadas cans batidas pelo vento
reflete-se em labor um coração dorido...
parece a sombra ígnara hirsuta e repugnante
do scelerado atroz na estrada triumphante
em sangue fementido,

E muitas vezes ri um riso fero e duro
ao ver de multidão a lubrica alegria,
desdenha o seu olhar de rancoroso aspeito
e então sente bater o coração no peito
em lugubre folia.

Contudo elle fuctou nas hostes da campanha
já teve por brazão o grito da victoria...
porem como nasceu da magra plebe estulta
seu nome não avulta
nas paginas da historia!

Moysés Ben Saude, 1883


Pedinte/Vagabundo ,1900-1947
Foto de Paulo Guedes, AML.

Paralelamente à evolução social ao longo dos séculos, também o conceito de vagabundo e mendigo se foi atualizando.  As primeiras ações de enquadramento da pobreza no reino português, remonta ao ano de 1211 após a ascensão de D. Afonso ao trono, com a publicação da primeira lei anti-vagabundagem, algumas décadas depois da sua formaçao. Esta lei aparece na sequência dos conflitos sociais resultantes nas Cortes de Coimbra após o alargamento dos horizontes de Portugal. Todavia, a expansão dos pobres para os novos territórios, adiou por décadas uma medida real contra a vadiagem. 

Um Mendigo em Toledo, 1904
Bilhete Postal, Série E, Edições Cánovas,
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Assim as primeiras leis portuguesas sobre a vadiagem tratam do vadio na sua individualidade, o aspeto central da sua condenação reside na negação da sua autonomia. O principio subjacente era o de que deveria haver um vinculo de dependência, normalmente associado aos interesses da classe Burguesa em alternativa teria que ter uma posição social, a liberdade era associada a homens malvados e propensos a atos menos dignos. Podemos estabelecer a seguinte relação comparativa entre empregados por conta de outrem e desempregados sem nenhuma arte profissional, nem sempre a base da condenação era rotura social mas sim autonomia agrícola dependente. Havia uma imposição de uma clara dependência económica e uma submissão ao poder senhorial. um exemplo flagrante dessa manipulação de interesse foi uma lei criada ainda no século XIII, que proibia os homens de viver sem um senhor, assim como outros diplomas legais posteriores que tentavam fixar os trabalhadores à terra, impedindo que se deslocassem livremente em busca de melhores salários, sendo este ato considerado vadiagem.

Pedinte, s/d
Autor não identificado, AML

Ao contrário do que se passou em França e Alemanha, por exemplo, em Portugal não existem registos de revoltas pelos camponeses que desta forma eram submetidos aos interesses das classes sociais dominantes para e pelas quais as leis eram efetuadas.
Em 1253 é fixado pela primeira vez o salário mínimo anual, "A Lei dos Preços", mostra a preocupação monárquica em estabelecer salários e preços, ainda que de modo muito simples e desajustado.

Mendigo pedindo esmola na ponte, 1900-1919
Autor n/i, esta foto e outras em
https://digitarq.cpf.arquivos.pt/details?id=40278

Curiosamente as primeiras leis sócias criadas dizem respeito à pobreza e à vagabundagem, só mais de um século depois, por volta de 1348, aparecem as primeiras leis laborais e testamentais, sequência do aparecimento da Peste Negra. Este fato pode levar-nos a concluir que a lei da vagabundagem poderia e certamente iria muito alem de um controlo de desvio de conduta social. De facto, depois da Peste aparecer em Portugal, o exedo rural agravou-se, as condições de trabalho eram precárias e na sequência do elevado numero de vitimas da peste, o valor da mão-de-obra aumenta assim como novas exigências por parte dos trabalhadores, quando os requisitos salariais não superavam as exigencias dos trabalhadores, estes convertiam-se em vagabundos que pediam esmolas nas vilas, mesmo dispondo de condições físicas para trabalhar.

Pedinte/Mendigo ,1900-1947
Foto de Paulo Guedes, AML.

Depois da peste a questão da repressão à vadiagem alterou em dois aspetos essenciais, a força das classes sociais por um lado, a classe social dos camponeses tornou-se mais forte por ter sido elevada a sua importância na questão da subsistência, por outro lado as punições previstas pela vadiagem passam a distinguir duas situações, os que passam à condição de proprietários à margem da intervenção dos grandes senhores, e os que preferiam sobreviver de esmola e se submeter à lavoura. Durante um período trabalhavam de forma gratuita para o Estado de forma a "comprar" a sua liberdade profissional para durante um outro determinado período de tempo, normalmente ocupado pela vadiagem.

Com efeito, em meados do século XIV, as punições previstas para "Dos que andam pidindo" e que fossem identificados como falsos pobres, nas suas situações mais graves, a lei previa açoites e degredo, com proibição de acolhimento. 
Na falta de mão-de-obra que se fazia sentir, o legislador achou por bem não desperdiçar os indivíduos com capacidade física para o trabalho, permitindo a substituição da pena pela submissão destes a serviços agrários, que nem sempre eram bem aceite pelos indivíduos. 



Mendigo Pedindo Esmola na Beira da Estrada, s/d
Autor não identificado, AML

Com a entrada em vigor da Lei das Sesmarias, em 1375, a questão da vadiagem ganha ainda mais relevância, de agora em diante este é classificado com falsário, alguém que dispõe de condições para trabalhar mas busca na vadiagem a sua sobrevivência, e ainda responsabilizados pela falta de mão-de-obra no país. D. Fernando perante a escassez de mantimentos regulamenta as condições de trabalho, beneficiando os camponeses, tanto a nível de trabalho pessoal como o de serventia de um senhor. Não permitindo espaço para a vadiagem.
A Lei das Sesmarias aparece num período em que a população portuguesa decresceu consideravelmente na sequência da peste, por outro lado o numero de vadios aumenta, abrangiam uma ampla e diversificada parte da sociedade integrada como falsos religiosos, mendigos, pedintes e falsos servidores de importantes homens. Nesta sequência por ordem régia, aqueles que foram lavradores, seus filhos e netos, assim como outros que vivam nas cidades, vilas e fora delas e que possuam menos de 500 libras e que não tivessem porque escusar da lavoura, fossem constrangidos a laborar em herdades próprias ou viver com quem possuísse, vivendo na lavoura por solda estabelecida, valor esse francamente baixos que se traduziam em trabalho compulsivo e não assalariado.

Pedinte/Vagabundo ,1900-1947
Foto de Paulo Guedes, AML.

A Lei dos Quadrilheiros aparece como repressão dos vadios, estrangeiros e pessoas de má fama, a sortir um maior efeito sobre as ruas das vilas e cidades, reúnem-se as condições para a autorização régia para que a esmola fosse apresentada no caso dos pedintes legitimados. Todavia, não foram implementadas politicas públicas de assistência ao pobres no reino de Portugal, ainda não possuíam um estatuto jurídico consolidado e por outro lado o estado estava mais preocupado com a falta de mão-de-obra, que por sí só constituía um grave problema.

Nos finais do século XIV, D. João estipula mais uma ordenação de combate à vadiagem, que sejam efetuadas investigações e que punissem com o degredo todos os que fossem encontrados a viver de "mal fazer", prisão para os vadios desobedientes que deveriam permanecer presos até arranjarem um mester ou um senhor. Em caso de reincidência na vadiagem, que fossem açoitados em praça pública. 

Pedinte/Vagabundo ,1900-1947
Foto de Paulo Guedes, AML.

No final do século XV, D. Manuel I manda atualizar a compilação anterior, nesta nova compilação aparecem alguma alterações nas determinações em relação aos vadios, conhecida como a Lei dos Quadrilheiros de 1383 de D. Fernando, ordena a criação de corpos de quadrilheiros em todas as cidades, vilas e lugares do reino para vigiar e deter os vagabundos, este modelo esteve na base do primeiro código administrativo que viria a aparecer mais tarde.


Mendigo/Pedinte, 1900-1919
Autor n/i, esta foto e outras em:
https://digitarq.cpf.arquivos.pt/details?id=40274

Em pleno século XVIII, o numero de vadios e pedintes existentes por todo o Reino, principalmente nas ruas dos grandes centros urbanos, atingia números relativamente elevados face às oportunidades de trabalho que surgiam com o início da revolução industrial, mais uma vez são colocadas em causa as verdadeiras razões de tais comportamentos assim com as verdadeiras necessidades.

Pobre /Pedinte, 1890-1945
Foto de Eduardo Portugal, AML.

O Estado sensibilizado para o crescente problema social, implementa mecanismos que visam distinguir os verdadeiros e os falsos necessitados e ainda que permitam identificar indigentes disfarçados alegando incapacidades físicas com o intuito de viver às custas da generosidade social., 
um pouco à imagem do que já havia feito com a Lei dos Quadrilheiros.

Já em 1760 são conhecidas algumas politicas de vigilância sobre os pobres e mendigos que através da Intendência-Geral da Polícia da Corte e do Reino, era concedido o direito a esmolas apenas a quem tivesse licença, evitando que vagabundos beneficiassem indevidamente das referidas doações.

Pedinte/Mendigo, s/d
Bilhete Postal n.º 4, Serie ED, Edições
F. Chapeau, Nantes
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No sentido de reforçar a medida, é aprovado em 1836 aquele que foi o primeiro Código Administrativo que conferia poderes à paróquia e ao regedor de identificar as pessoas que verdadeiramente passavam necessidades e consequentemente beneficiárias da solidariedade pública, de entre os segmentos mais críticos estavam as crianças, os idosos e os doentes. Cabia também o poder de denunciar aos magistrados os indivíduos que viviam da mendicidade apenas com o intuito de fugir ao trabalho fazendo-se passar por incapazes.

Registo dos Mendigos Existentes no Concelho
de Ferreira do Zêzere de 1871

Foto Arquivo Municipal de Ferreira do Zêzere, 2016

O Código Administrativo veio reforçar o papel do governador civil, do administrador e do regedor no que respeitava à manutenção da ordem pública. O Controlo sobre os vadios ou vagabundos e mendigos incluía a aplicação de medidas restritivas e de fiscalização sobre os lugares que estes frequentavam, nomeadamente estalagens que constituam os principais pontos de fluxo migratório.

O Mendigo Torrinha, Caldas de Monchique,
Bilhete Postal n.º  704, Edições F.A.Martins,
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Os vadios eram conhecidos como pessoas que não procuravam um meio de subsistência próprio, embora capazes, não queriam trabalhar, entregando-se à malandrice, tendenciosidade viviam às custas de terceiros, conduta socialmente reprovável. Com a promulgação do Código Penal em meados do século XIX, passam a ser previstas penalizações aos comportamentos de viver na ociosidade, às custas de terceiros, conduta associada aos vagabundos e punida legalmente.

De entre as penalizações aplicadas aos acusados de vadiagem aparece o trabalho obrigatório, não apenas como medida de punição mas também como medida de correção de conduta moral.

Cegos Pedintes, 1949
Foto dos Estúdios Mário Novais, AML.

A visão da pobreza e da caridade foi variada ao longo dos séculos, inicialmente o miserável e o seu auxilio eram vistos como instrumento de salvação , enquanto que entre o século XI a XIII decorria uma visão piedosa do desvalido vinculada à manifestação de ordens mendicantes na sociedade, já entre o século XIV e XV, os pobres passam a constituir também uma das classes perigosas que assombram a sociedade. É também no século XV que as obras de misericórdia se tornam cada vez mais institucionalizadas superando o principio religioso, foi a época em que casas de assistência assumiram um vínculo corporativo.

Ruínas do Carmo e Velho Mendigo, c1910
Bilhete Postal Série Vistas e Costumes, este e outros postais em: www.delcampe.net

A assistência social aparece de forma efetiva na segunda metade do século XIV, até então a caridade era assegurada por particulares, muitas vezes por motivações religiosas, mesmo  contra o estipulado por D. Fernando que condenava toda a ociosidade humana, mas na sequência da Peste Negra, as necessidades aumentaram exponencialmente o que obrigou o reino a debruçar-se sobre os problemas dos velhos, mancos, cegos, muitos doentes e outros que não podiam ganhar a vida.

Um Mendigos nas Escadas, c.1910
Postal Ilustrado n.º2, Série B, Edição Cánovas,
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Até 1500 foram fundadas casa de assistência ao pobres um pouco por todo o reino de Portugal, distribuídas de acordo com a densidade populacional, uma das principais, a Santa Casa da Misericórdia foi fundada em 1498 pela Rainha Dona Leonor, a Santa Casa tinha um caráter duplo, por um lado a ajuda mutua entre seus membro, por outro a assistência aos necessitados que não faziam parte do seu corpo. A pobreza caminhava em direção à riqueza, isto é , aos centros urbanos, feiras, mosteiros e à Corte, locais onde se proporcionavam esmolas, cuidados médicos e os abrigos temporários.

Um Mendigo Português, c.1900,
Bilhete Postal n.º 2, Série Costumes,
Edições Stamps & Cancel Redindo,
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A segunda metade do século XIX foi bastante fértil no que respeita a criação de medidas e à fundação de instituições de Beneficência com o intuito de reprimir e extinguir a mendicidade na Capital assim como nas demais terras do Reino. Fundamentalmente a vasta legislação acaba por traça dois destinos aos vagabundos, por um lado as malhas da justiça, através da sujeição aos procedimentos judiciais, por outro lado a ingressão obrigatória para incorporação militar no exército.

Mendigo, Caldelas, Braga, c.1900,
Bilhete Postal, n.º 6, Série 1, Edição Guedes,
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O Código Administrativo determinava que o poder estatal tinha obrigação de avaliar os casos de indigência e reprimir as fraudes: à Igreja cabia a responsabilidade de prestar auxilio aos verdadeiros necessitados ; ao poder judicial cabia o papel da punição da pobreza dissimulada. A intenção de extinguir a pobreza dissimulada, tinha também o objetivo de reprimir outros comportamentos desviantes, associados aos vagabundos, como a vida errante, o crime e ainda a prostituição.

Mendigo, Caldelas, Braga, c.1900,
Bilhete Postal, n.º 1, Série 1, Edição Guedes,
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Apesar de o ato de pedir esmola por necessidade efetiva fosse um ato de humildade, esta prática encontrava-se condicionada e controlada, periodicamente os mendigos eram convocador por edital, para uma espécie de junta médica que pretendia validar a sua identidade e reavaliar a sua situação nomeadamente a nível de saúde para verificar se as caraterísticas de inadaptabilidade para o trabalho se mantinham, caso contrário eram obrigados a abandonar a mendicidade e procurar uma ocupação. 

Um Mendigo - Lagos
Bilhete Postal n.º 66, Série Costumes
Edição Belga, este e outros postais em:
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Os mendigos estavam sujeitos a outras obrigações nomeadamente restritivas, horários diurnos específicos para peditório, os horários noturnos estavam vedados por diversas questões nomeadamente de importunação e de segurança, as escadas e interior dos templos, serviços públicos e estabelecimentos comerciais também eram lugar proibidos para mendigar, não podiam se fazer acompanhar por crianças ou outras pessoas que não fossem possuidoras da licença de mendigo, não podiam apelar em voz alta a pedidos nem tocar instrumentos, atravessar-se no caminho das pessoas era um comportamento gravíssimo.

Cego Tocando Flauta e Pedindo Esmola, s/d
Casa Fotográfica Gacia Nunes, AML.

Como já foi referido apenas os mendigos impossibilitados de conseguir a sua subsistência ou a subsistência da família de forma autónoma, podiam auferir da licença que permitia a prática da mendicidade, os motivos legíveis identificados para o reconhecimento da sua condição de inválidos, encaixavam nas seguintes categorias: “por idioticismo ou inabilidade absoluta”, “por aleijão ou deformidade permanente”, “por cegueira” ou por “caducidade”. No entanto, a idade precoce ou avançada, a ausência de apoio familiar, a falta de casa e de recursos materiais também eram tidas em conta, embora a doença fosse uma das razões evocadas mais frequentemente. 

Mendigo pedindo esmola com chapéu, 1900-1919
Autor n/i, esta foto e outras em
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                                                         SOL DO MENDIGO
                                                         Olhai o vagabundo que nada tem
                                                         e leva o Sol na algibeira!
                                                         Quando a noite vem
                                                         pendura o Sol na beira dum valado
                                                         e dorme toda a noite à soalheira...
                                                         Pela manhã acorda tonto de luz.
                                                         Vai ao povoado
                                                         e grita:
                                                          - Quem me roubou o Sol que vai tão alto?
                                                         E uns senhores muito sérios
                                                          rosnam:
                                                          - Que grande bebedeira!
                                                         E só à noite se cala o pobre.
                                                          Atira-se para o lado,
                                                          dorme, dorme...
                                                                                                 Manuel da Fonseca, 
                                                                                                 Rosa dos Ventos, 1940


As Crianças,

Uma Família de Mendigos de Grenade
Gravura publicada em 1868, Autor Gustave Doré,
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A par da mendicidade haviam sido diagnosticadas situações que incluíam crianças, cujas famílias, ainda que trabalhadoras não possuíam recursos suficientes para a sua alimentação e educação, no século XIX e XIX, as famílias eram numerosas, com filhos em grande numero comparativamente com as famílias de hoje, assim crianças eram reencaminhadas para instituições como asilos de infância vocacionados para o acolhimento de crianças de risco. Esta medida pretendia combater o ócio e evitar a delinquência juvenil, todavia este objetivo não teria sido conseguido na plenitude, o trabalho infantil, a mendicidade infantil, promovida pelos familiares em seu próprio beneficio constituíam uma da principais causas da ineficiência da medida.

As crianças negligenciadas acusadas pela indigência e sem qualquer proteção, viam-se compelidas a uma vida errante, tentando sobreviver à custa de furtos, roubos e pequenas tarefas ocasionais. Algumas das crianças eram órfãs, outras teriam sido abandonadas pelos pais e outras mais, fugindo dos maus tratos familiares. Parte destas crianças cumpriam os requisitos para estarem inseridas nas organizações de apoio e beneficiar do auxilio de assistência alimentar e educacional.



As Mulheres,

Mesdigos, a Familia de Jean
Gravura publicada em 1868, Autor Gustave Doré,
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A falta de um elemento masculino na família podia conduzir uma família a pobreza, sozinha, corria o risco de não conseguir garantir o seu sustento e dos restantes membros da família, as viuvas com filhos a cargo eram as mais vulneráveis. 

A solidão da mulher também podia ser uma consequência da detenção do marido, situação que agravava as dificuldades económicas do agregado familiar.  

O numero de mulheres que mendigavam nas ruas era também elevado, apesar de serem consideradas pobres, eram tidas como aptas para o trabalho, não apresentando deficiência física ou limitação do foro mental que levasse as autoridades a declará-las incapacitadas era elevado, o problema residia na exploração que na época se fazia notar, sobre tudo no trabalho feminino, a ponto de não ser sificiente para garantir o sustento dos seus.


Os doentes mentais,

Mendigos de Madridejos, Toledo,
Gravura publicada em 1868, Autor Gustave Doré,
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A demência era tida como uma das principais causas de  pobreza. Alguns alienados, nos seus momentos de descontrolo, eram retratados como desgovernados, gastadores e dominados por comportamentos impulsivos que os levavam a atentar contra o seu património. No caso das mulheres, a situação podia ser ainda mais grave, dado que, por vezes, eram abandonadas pelos maridos e ficavam sem quaisquer meios para garantir o seu mantimento. 

Aliada à poberza a falta de condições de cuidados para com estes doentes, era um outro fator preocupante, muitas das evzes eram entregues aos cuidados das famílias que por si só também já careciam de cuidados.

Outros vagueavam pelos espaços públicos sem qualquer vigilância, ou eram remetidos para as prisões, onde permaneciam até serem enviados para o Hospitais e Asilos. As Misericórdias, devido às dificuldades financeiras por que passaram ao longo de oitocentos, nem sempre estavam dispostas a receber alienados nos seus hospitais. 

A relutância de algumas famílias em albergar indivíduos com este tipo de limitações fazia com que muitos fossem despejados na rua, transformada, por vezes, na sua nova morada, passando a esmola a constituir a única hipótese de assegurar a subsistência. Os comportamentos menos próprios, a perturbação da or­dem pública e o perigo que, em alguns casos, representavam para a segurança das populações, eram motivos para o seu encerramento nas cadeias, onde eram sustentados pelos fundos destinados aos presos mais carenciados. 


Os idosos,
Um mendigo centenário e sua neta em Berja,
Gravura publicada em 1868, Autor Gustave Doré,
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O maior risco de enfermidades, o abandono a que estavam sujeitos, a debilidade física e anímica para trabalhar, entre outros fatores, colocavam os idosos entre os grupos mais susceptíveis de cair na miséria. 
Ainda que a esperança média de vida fosse relativamente baixa no século XIX e os idosos  não constituíam o grosso da população da população indigente, os registos apontam para que as médias das idades, variavam entre os 47 e os 60 anos, de região para região, o que reflecte uma  diferença demasiado significativa.

No que respeita ao apoio concedido aos idosos,  devido á sua fragilidade estes eram reencaminhados para  hospícios e asilos, destinadas sobretudo a homens e mulheres de idade os doentes, em particular os entrevados.


Os estrangeiros, 

Um Mendigo Espanhol
Gravura publicada em 1867, Autor Gustave Doré,
esta e outras gravuras em: https://pt.depositphotos.com

Os mendigos estrangeiros localizavam-se sobretudo nas vilas fronteiriças nos grandes centro do litoral, provenientes de várias regiões, sobretudo da  Europa ocidental e das antigas colónias. 
Espanha, pela proximidade geográfica constituía o principal ponto de migração, na sequência da fome que o país atravessava, neste sentido,  as autoridades espanholas, conhecedoras desta situação, apelavam ao cumprimento das leis que visavam impedir a sua entrada e permanência em solo português. Quando detetados, deviam ser detidos pelos cabos de polícia e entregues ao regedor, que, por sua vez, diligenciaria para que retornassem às terras de origem. 
No  século XIX havia um elevado numero de galegos nas cidades portuguesas, associados à mendicidade e à vagabundagem. Muitos deles dedicar-se-iam à gatunice, recaindo sobre eles a suspeita de serem os autores de diversos furtos e roubos cometidos. Identificados e encaminhados pela policia para serem entregues às autoridades espanholas, no entanto, este procedimento não era o mais eficaz, uma vez que, decorrido algum tempo, atravessavam de novo a fronteira para se dedicarem à mendicidade.  E muitos acabavam por conseguir condições para que lhes fosse atribuída a licença para o fazer.


Fontes:

Enquadramento da pobreza em Portugal do Baixo Medievo: Assistencialismo e Repressão Estatal (século XIV e XV); Universidade Federal Fulminense - Programa de pós-Graduação em História; TEIXEIRA, Daniel Tomazine, 2011. Disponivel em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1543.pdf;
"Ilustração Portuguesa" n.304, de 18 de dezembro de 1911;
REGISTO DOS MENDIGOS RESIDENTES N’ESTE CONCELHO E AUTORIZADOS A ESMOLAR, Coriosidades de outrora, maio de 2016;  
Poema "Sol do Mendigo" extraído de http://folhadepoesia.blogspot.com/

Fotos:
Arquivo Municipal de Lisboa: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/;
Arquivo Municipal do Porto: http://gisaweb.cm-porto.pt/;
"Ilustração Portuguesa" n.304, de 18 de dezembro de 1911;
Centro Português de Fotografia: https://digitarq.cpf.arquivos.pt/;
Delcampe.net: https://www.delcampe.net/;