sábado, 16 de março de 2019

O Mosteiro da Serra do Pilar como nunca o viu...

Igreja do Mosteiro da Serra do Pilar em ruínas
Foto da Casa Alvão, 1920

O Mosteiro da Serra do Pilar teve a particularidade de ver a sua existência afetada maioritariamente para uso militar e não religioso para o qual havia sido concebido. A sua existência precedeu grandes acontecimentos associadas ao local onde foi edificado, assistiu a grandes tragédias desenhadas em seu redor, acolheu exércitos nas invasões francesas e na guerra civil portuguesa, foi um "corpo aberto às balas" em pleno cenário de batalhas.


Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar em ruínas
Calótipo de Frederick William Flower, 1849-1859

Se fosse possível atribuir uma medalha por feitos heróicos a um edifício de arquitectura religiosa, pela sua utilização de estratégia militar o Mosteiro da Serra do Pilar estaria certamente na primeira linha de condecoração, nessa impossibilidade, pelos feitos da vitória sobre tropas miguelistas de 1832, a Igreja da Serra do Pilar figurava simbolicamente no antigo Brasão de Armas do Município de Vila Nova de Gaia.

Igreja do Mosteiro de Grijó
Foto disponibilizada por Paulo Ricardo no facebook, 2013

Durante o reinado de D. José, a congregação de Santa Cruz de Coimbra pertencente à Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, residente do Mosteiro de São Salvador de Grijó foi abolida e os bens dos nove mosteiros pertencentes a essa Ordem foram transferidos para o Convento de Mafra. A quinta de Grijó havia sido vendida a um particular pela modica quantia de 36.000$00 réis. Com a subida ao trono de D. Maria I, foi anulada a abolição e mandou fazer a respetiva restituição da Ordem e ao filho do comprador da quinta, se desse a quantia pela qual o seu pai a havia comprado.

Ponte Pensil e Mosteiro da Serra do Pilar vistos da ribeira do Porto
Bilhete Postal n.º 8, Série Porto Antigo, Editora M.S.D, data n/i.

Na sequência desta instabilidade, e nas fracas características do terreno húmido e baixo do Mosteiro de Grijó, no início do século XIV, este encontrava-se em ruínas e em 1537 resolveu-se pedir a sua mudança para a Serra de São Nicolau (Serra do Pilar) em Vila Nova de Gaia, fronteiriça à cidade do Porto. 

Igreja do Mosteiro Serra do Pilar e Ponte D. Luis I em construção, c.1880.

D. João III mandou os seus arquitetos, Diogo de Castilho e João de Ruão , estudar o local e esboçar a traça do novo Mosteiro com a invocação a São Salvador do Mundo, escreveram "cartas de favor" ao Bispo D. Baltazar Limpo e à Câmara do Porto assim como ao morgado de Quebrantões, a quem pertencia o terreno escolhido para a sua edificação, o fidalgo João Dinis Pinto vende parte da quinta por 10$00 réis e a construção esteve a cardo de Frei Brás de Barros.

Aspetos arqutetonicos (colunas) do interior da Igreja Circular.


Aspetos arquitetónicos (capiteis) do interior do claustro.

João de Ruão foi um escultor e arquiteto francês ativo entre 1510 e 1572, participou na construção da catedral de Rouen e em 1518 veio para Portugal. foi um dos principais escultores de obra renascentista no país, com espolio de maior relevância na cidade de Coimbra.

Aspetos arquitetónicos (cúpula) do interior da Igreja Circular.

Aspetos arquitetónicos (capiteis) do interior do claustro.

Diogo de Castilho, ativo de 1509 a 1574, foi um arquiteto e escultor que fixou na zona centro de Portugal, com intervenções realizadas no portal da igreja de santa Cruz, em Coimbra, durante mais de 50 anos trabalho em parceria com o escultor João de Ruão, trabalhou nas obras de renovação do Convento de Cristo em Tomar, e na fase final das obras da Universidade de Coimbra, acabaria por falecer sem nunca ter deixado de trabalhar em 1574.

Serra do Pilar, vista do Cais de Gaia, 1880.

No local escolhido para a construção do novo Mosteiro, o monte de Quebrantões, houve outrora também um mosteiro de freiras que seguiam a regra de inclusão ou emparedadas, Mosteiro de São Nicolau das Donas, fundado em 1140 pelo Bispo do Porto D. Pedro Rabaldio, na sua origem esteve a ermida de São Nicolau. Este mosteiro vigorou até princípios do século XIV em virtude de não haverem religiosas dispostas a manter a penitencia usada nesta casa religiosa, consequência da sua extinção. Na sequência do Convento das Donas Emparedadas de São Nicolau ficar desabitado, o prior do convento de Grijó, D. Renato Abrantes decide o pedido de transferência pelos motivos acima já referidos.

Vista da Serra do Pilar
Bilhete Postal n.º 28, Série Geral -Porto, Editor Alberto Ferreira, data c. 1910.

Com efeito, em 1537 é fundado o novo mosteiro, que se vê na escarpa da Serra do Pilar, freguesia de Santa Marinha, cidade e concelho de Vila Nova de Gaia. Desde o início da sua construção, em 1538 com a colocação da primeira pedra por Frei Brás de Braga, que esta é supervisionada directamente por D. João III, a quem os arquitectos e Frei Brás de Barros, construtor encarregado, enviavam os desenhos com regularidade. No ano de 1542 trabalhava-se na edificação dos alicerces da igreja e do claustro, bem como das salas do capítulo e do refeitório, por essa altura os religiosos de Grijó ocupavam já o espaço habitável. 

Gravura da Imagem do Mosteiro da Serra do Pilar, meados do século XIX.

Todavia alguns dos frades que ocupavam o espaço, quiseram voltar para o mosteiro de Grijó, pediram ao Papa Pio V a separação dos dois mosteiros, a qual seria concedida em 1564, data apartir da qual os dois mosteiros passariam a ficar separados entre sí definitivamente. No capítulo geral, celebrado em Santa Cruz de Coimbra a 17 de abril de 1564, se resolveu pedir "a bulla da separação dos mosteiros de Grijó e da Serra de Villa Nova do Porto, porém fizeram os padres d'este capitulo escrúpulo de extinguir um mosteiro tão antigo e de tão grande jurisdição, como o de grijó e assentaram que se desunisse do da Serra, e ficassem dous mosteiros e partissem entre si as rendas, e as egrejas, a prata e os namentos e obrigações de missas e anniversarios da sacristia, e logo se assignaram religiosos para moradores de ambos os mosteiros e se assinaram os logares que havim de ter os primeiros nos capitulos geraes, precedendo o prior de grijó ao da serra." Nessa sequência o novo mosteiro substituiu o orago de São Salvador pelo Santo Agostinho, que foi mantido até a sua extinção em 1834.

Serra do Pilar e Ponte D. Luís 1º
Bilhete Postal, Série Gaya, Editora Aguia-Porto, c.1920.

Em 1567 terminava a primeira fase de obras do mosteiro e em 1576 iniciava-se a construção do claustro circular, terminado na década de 1580, por essa altura também a igreja era adornada com imagens. Na década de 1590, o prior D. Acúrsio de Santo Agostinho considerou a igreja do mosteiro demasiado pequena decidindo refazer a estrutura do templo, consagrando-a a Santo Agostinho. 


Claustro do Antigo Mosteiro da Serra do Pilar
Bilhete Postal n.º 62, Série Porto, Editor e data n/i.

O Mosteiro apresenta uma dupla planta centrada, formando então os dois espaços um "infinito perfeito", composto pelo claustro e o corpo da igreja, separados a meio pelo coro quadrangular. No entanto a estrutura circular da nova igreja teria sido inspirada no primeiro projecto da década de 1530, característica do Renascimento.

Serra do Pilar e Ponte D. Luís 1º
Bilhete Postal, Editora e data n/i.

Em 1590, Manuel do Couto é contratado para executar a obra do coro novo, segundo o traço de Domingos Lopes, que obrigou a desfazer o claustro e desviar do projeto original a sua reedificação, num entanto foi mantida a sua planta circular considerada também perfeita para os homens do renascimento, o claustro é um excelente exemplo da aplicação dos ideais renascentistas no país, partilha de algumas semelhanças com o pátio do palácio de Carlos V em Granada. 

Vista aérea sobre o Mosteiro da Serra do Pilar
Foto de 2005, SIPA.

As obras do templo iriam arrastar-se por várias décadas, uma vez que foram interrompidas nos primeiros anos do século XVII, sendo terminada a edificação entre 1669 e 1672, data em que era finalmente inaugurada. 

Altares da Igreja Circular do Mosteiro da Serra do Pilar
Foto de Isabel Romeiro, 2016.

Até ao final do século XVII, os interiores são enriquecidos por belos retábulos, bancadas e imagens de autoria diversificada, foi ainda construído um belo orgão de tubos, permanecendo no tratamento dos elementos interiores o gosto estético dos Agostinhos.

Aspeto parcial do Monumento
Bilhete Postal, Série Amigos do Mosteiro
da Serra do Pila, foto de Medina.

Já no século XIX, em consequência da invasão francesa de 1807 a 1810, o mosteiro passou a desempenhar funções de aquartelamento militar ocupado pelo exército anglo-luso comandado pelo tenente-general Sir Arthur Wellesley para monitorização e controlo das investidas do exercito napoleónico.  O mosteiro da Serra do Pilar, logo desde o seu inicio, foi escolhido para nele se desenrolarem senas de horror que na ambição dos réis, na guerra vão resolver as suas divergências.

Pormenor da estátua dedicada às Guerras Peninsulares
na Rotunda da Boavista, Porto, Portugal.

Do alto da serra que outras senas de horror não contemplaram os cónegos de Santo Agostinho, quando se deu o desastre da Ponte das Barcas do Douro, acontecimento que marcou profundamente a história do Porto e Gaia. Com efeito, duas décadas depois, passou a ser cenário de lutas fratricidas, as guerras liberais dos dois sucessores de D. João VI, D. Pedro IV e D. Miguel com ideologias distintas disputavam o trono de Portugal, as ideias constitucionalistas e absolutistas dividam o país, originando a Guerra Civil Portuguesa que durou de 1828 a 1834. 

Ponte D. Luís I e Mosteiro da Serra do Pilar vistos da ribeira do Porto
Bilhete Postal n.º 7, Série Porto, Editora e data não identificadas,
BPI circulado em outrubro de 1922, entre Portugal e Bélgica.

Durante esse período o Mosteiro da Serra do Pilar passaria a ser um ponto estratégico militar, com especial relevância no período conhecido como Cerco do Porto decorrido entre 1832 e 1833. Em julho de 1832 as tropas liberais instalaram-se nas dependências do mosteiro proporcionando suporte às outras forças liberais situadas no outro lado do rio, de setembro de 1832 a agosto de 1833 o mosteiro seria palco de confrontos entre as tropas realistas e liberais. 

Igrejas do  Mosteiro da Serra do Pilar em ruínas
Foto da Casa Alvão, c. 1920
No final do conflito fruto dos constantes ataques que recebeu, o mosteiro encontrava-se num estado deplorável, a igreja ficou muito danificada a ponto de não ser possível prestar culto.

Igreja do Mosteiro da Serra do Pila em ruínas
Bilhete Postal n.º 17 da Série Porto,  Eiditor não identificado,
data de 1904, escrita manualmente mo verso do BPI.

Um grupo de populares gaienses resolveu criar uma confraria de culto à Virgem do Pilar, com vista a salvação da igreja circular. Em 1844 foi criada a "Real Irmandade de Nossa Senhora do Pilar" por D. Maria II e em 1925, o "Grupo de Amigos do Mosteiro da Serra do Pilar" que gradualmente cooperaram com a requalificação do conjunto como atualmente é visto.


Claustro, aspeto parcial antes do restauro
Bilhete Postal, Série Amigos do Mosteiro da Serra do Pila, foto de Medina.

Claustro do Mosteiro da serra do Pilar, Gaya
Bilhete Postal, Série Gaya, Editora Aguia-Porto, c.1920.

Interior do Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar
Autor desconhecido, data c.1900.

 Foto da "Ilustração Portuguesa" do aspeto do interior do claustro em  1906.


Em 1934 são efetuadas algumas obras de prioritárias de restauro no mosteiro.


Foto da "Ilustração Portuguesa" do aspeto do exterior da sacristia em 1906.




Fotos da "Ilustração Portuguesa" do aspeto das fachadas das Igrejas em 1906.





Fotos da "Ilustração Portuguesa" do aspeto inteiro da sacristia em 1906.









Em 1947, no âmbito das funções militares que o mosteiro assumiu, foram cedidos a a título precário as infraestruturas do refeitório e sala anexa ao Regimento de Artilharia Pesada nº 2, para instalação de um pequeno museu, cedência da capela pelo Comando do RAP nº 2 à DGEMN e algumas dependências do mosteiro passam a servir de armazém de altares e talha diversa, painéis de azulejos e outras peças retiradas das igrejas pela DREMN.


Ponte D. Luís I e Mosteiro da Serra do Pilar ao fundo
Bilhete Postal n.º 13, Série Porto, Editora e data não identificadas,
e possível verificar ainda as escarpas desnudas das belas abobadas.

Entre 1950 e 1957 são efetuadas profundas obras de reparação e reconstrução em várias estruturas do complexo, concluída a reconstrução da cúpula, a substituição das cantarias feridas e parcialmente destruídas, reconstrução das escarpas e montagem da antiga fonte no adro.

Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar
Bilhete Postal, Série VNGaia, Editora Verdadeira Fotografia, c.1960.

Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar
Bilhete Postal n.º13, Série VNGaia, Editora P.C, data n/i.

Pela mesma altura são enterradas no cemitério paroquial as ossadas encontradas no adro da igreja, esta abre ao público em 1957, obras de conservação são efetuadas na igreja, claustro e espaços monásticos, são restauradas e repostas as peças existentes em depósito em 2004.

Abobada da Igreja Circular do Mosteiro da Serra do Pilar
Foto de Manuel Santos, 2016.

Foto do interior do Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar
Foto de Fernando Pedro,‎ 2016.

Classificado por decreto como Monumento Nacional desde 1910 e passou a estar classificado, juntamente com o Centro Histórico do Porto, como Património Mundial da UNESCO desde 1996.

Ponte D. Luis I e Mosteiro da Serra do Pilar, vista do Porto.

O Mosteiro de Santo Agostinho da Serra de Vila Nova de Gaia era masculino, pertenceu aos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, e a Congregação de Santa Cruz de Coimbra. Foi designado por Mosteiro do Porto em 1542, 1553, 1566 e 1572, por Mosteiro novo do Salvador em 1559, por Mosteiro do Salvador de Vila Nova em 1570, Mosteiro da Serra em 1694, 1737 e 1740, ou ainda Santo Agostinho da Serra do Pilar.

Igreja Circular, ao centro e Igreja e Sacristia nas laterais.

No panorama da arquitectura contra-reformada, no qual se apresenta como um projecto sem paralelo, o mosteiro de Santo Agostinho da Serra do Pilar é considerado um dos mais notáveis edifícios da arquitectura clássica europeia de todos os tempos devido à sua igreja e ao seu claustro, ambos circulares e da mesma dimensão em planta. 


Ponte D. Luis I e Mosteiro da Serra do Pilar, vista da ribeira do Porto.

A partir de 2012 passou a acolher um portal de promoção do património da região junto dos visitante, permitindo melhorar a oferta turística e oferecer aos visitantes uma informação qualificada das quatro regiões classificadas pela UNESCO, os centros históricos do Porto e de Guimarães, o Douro Vinhateiro e o Parque Arqueológico do Côa.

Ponte D. Luis I e Mosteiro da Serra do Pilar, vista da ribeira do Porto.

Beneficiando de cerca de 250 mil euros, em resultado de um protocolo assinado com a Direção regional da Cultura do Norte, com a Irmandade que gere o templo e com o Exercito Português que ocupa parte dele.

Igreja Circular e arcos nas escarpas, vista do rio.

Fontes:
Direção Geral do património Cultural, Catarina Oliveira, 2009;
Sistema de Informação para o Património Arquitetonico, Santa Marinha, Largo de Aviz, 2011;
"Ilustração Portuguesa" n.º 41, edição semanal de 3 de dezembro de 1906, Texto de José P. S. Ventura;
Universidade Sénior Contemporânea do Porto: Cadeira de História do Porto, lecionada pelo Professor Doutor Artur Filipe dos Santos - Mosteiro da Serra do Pilar, Casa Barbot, Câmara Municipal de Gaia e Hotel The Yeatman - Cadeira de História do Porto, Artigo de 2014;

Igreja Circular, ao centro e Igreja e Sacristia nas laterais.

Fotos:
Arquivo Municipal do Porto;
Descampe.net;
Centro Português de Fotografia;
monumentosdesaparecidos.blogspot.com.

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