sábado, 23 de março de 2019

A Linguagem Secreta dos Vagabundos

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui mora mulher sensível, contar uma história comovente"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

A vida de vagabundo tem as suas dificuldades, a fama que carregam ao longos dos séculos não abona em seu favor, por esse motivo no início do século XX, a camaradagem que prevalecia entre a comunidade era grande assim como o respeito entre eles, pelas atividades praticadas. Na sequência da cooperação entre eles na impossibilidade de outro meio de comunicação, desenvolveram uma espécie de linguagem misteriosa codificada que permite indicar o tipo de recetividade que poderão obter em determinada porta ou local por onde passam. 

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui da-se de comer"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Mesmo os menos letrados, como era o caso das pequenas crianças das ruas que na maioria não tinham tido qualquer contacto com a escola, utilizavam também uma linguagem de código entre sim, sendo que menos sofisticada do que a praticada pelos adultos, mas com os mesmas finalidades.

Também no meio cigano, povo que vivia da caridade e generosidade social, era utilizada uma linguagem muito sofisticada, a grande diferença das demais é que estes utilizavam sinais muito subtis que passavam despercebidos aos demais.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui da-se dinheiro"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa".

Estes códigos eram na maioria identificados e descodificados por cada uma das comunidades de pedintes, a nível europeu. Em partucular os sinais utilizados pela comunidade cigana. A forma de agir avia sido aguçada para obter os melhores resultados em cada lugar por onde iam acampando. 

Vagabundos e a sua linguagem, 1911 - "Não ter receio de insistir"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Depois de montar acampamento, normalmente nas redondezas das localidades, enviavam grupos de crianças e grupos de mulheres para as ruas das localidades, vigiados por homens infiltrados para sua segurança, com o intuito de apelarem a generosidade das comunidades, sobretudo cristãs. Depois de tirar dos povoados o maior proveito possível, era hora de procurar outro pouso, mas antes disso, registavam as suas impressões de uma forma original e só compreensível por outros grupos da sua etnia, que ali pretendesse acampar.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui há cão feroz e homem mau"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Os outros grupos que chegam, quando percepcionam experiências menos positivas deixadas registadas pelos seus antecessores, largam imediatamente. Os sinais eram variadíssimos mas claros na sua mensagem, muitas vezes eram transmitidos através de cortes de arbustos de uma forma especifica, colocação de pedras voltadas, grandes pedras colocadas no local onde acenderam as suas fogueiras, tudo sinais que eles identificavam, se a aldeia é rica e a gente caridosa, se não estão recetivos à comunidade cigana e se ali cometeu algum roubo, sabendo também com algum detalhe qual a comunidade que ali assentou e por quantos membros era composta. Os sinais deixados pelas comunidades que anteriormente ali estiveram acabam por ditar a sua sorte.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911 - "Inútil insistir "
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

A linguagem destes era bem mais completa do que a utilizada pelos vagabundos que com a ponta da sua navalha, marcam nas portas das casas e das suas paredes a receptividade que vão recebendo por onde passam. Assim os que chegam depois ficam a saber que é necessário lamuriar, evocar lembranças saudosas, historias de fortunas desaparecidas e que fizeram dele um desditoso, outras que naquela casa alguém muito caridoso dá sempre pão e algum dinheiro e também quando na habitação reside um representante da autoridade ou quando um feroz cão de fila é largado em perseguição dos vagabundos. Outras indicações resaem do seus hieroglifos, como por exemplo a impressão dos habitantes do país, os roubos cometidos de fresco, os pontos onde se poderá ameaçar a pessoa a quem se pede, as casas onde moram mulheres sozinhas ou onde há um homem brutal capaz de molestar. 

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Cuidado com a cadeia"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Nada lhe esquece, desde o sitio onde é necessário ser revolucionário até àquele onde só se pode viver fazendo grande profissão de crenças religiosas.

Desta maneira os vagabundos que percorrem o país, de entre os quais estrangeiros, trocam essas impressões. É uma maçonaria que faz carreira, assim como todas as coisas secretas reveladas acaba de perder o seu valor pelo menos para os interessados, nesse sentido não são revelados os significados dos símbolos, preservando uma identidade e cultura muito própria.

Tábuas com os símbolos mais comuns
"Ilustração Portuguesa" n.º 304.



Naturalmente assim como nos dicionários, em que vocabulário vai caindo em desuso e há a introdução de estrangeirismos na língua materna, também os símbolos utilizados pelos vagabundos se foram atualizando, sobretudo à medida que este era descodificado pela policia, por forma a conferir maior segurança para as suas vidas errantes pelo país sem terem que trabalhar.

Vagabundos e a sua linguagem, 1911
"Aqui mora um representante da autoridade"
Fotos de Deluis, "Ilustração Portuguesa" n.º 304.

Desde os primórdios que estas classes nómadas se entendem entre si, formando uma instintiva associação de solidariedade chegando mesmo a uma organização misteriosa de defesa coletiva.

Fontes e fotos
"Ilustração Portuguesa" n.304, de 18 de dezembro de 1911;


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