quarta-feira, 27 de março de 2019

O Palacete do Penna como nunca o viu...

Palacete Rosa Pena após a sua construção, 1931.
Arquivo Municipal de Espinho

Conhecido como Palacete Rosa Pena, na verdade eu tenho é pena do palacete que nunca foi rosa por se encontrar em completa ruína.


Panorâmica da parte oriental da cidade de  Espinho, vista apartir do centro urbano, c.1930
Ao centro da foto são visíveis as três moradias alinhas, Casa Pereira extinta, a Casa Constante, 
e o Palacete do Penna, arquivo da Camara Municipal de Espinho.

O edifício é um dos mais emblemáticos da cidade de Espinho, destacando-se sobretudo a sua dimensão, imponência e localização.

Feira de Espinho, Casa Pereira e Constante, 1900-1928
No lado direito nasce o Palacete do Penna, no local onde se realizava a 
feira semanal, é hoje o Tribunal Judicial da Comarca e a Repartição de 
Finanças. Postal Ilustrado da Editora Tabacaria Arlindo Lopes, Espinho, 
este postal e outros em: www.delcampe.net.

O palacete está rodeado por um muro que ocupa todo o quarteirão entre as ruas 15, 19, 26 e 28, foi a terceira de três casas apalaçadas construídas juntas e alinhadas na rua 19, a Casa Pereira extinta, a Casa Constante, e o Palacete do Penna, a singularidade arquitetónica dos edifícios deve-se ao fato de terem sido construídos numa zona pouco urbanizada, permitindo uma maior liberdade de construção.

Projeto do Fachada principal do Palacete do Penna, Autoria do Eng.
José Alves Pereira da Silva, c.1920. 

Mandado construir por Joaquim Alves Pena, um Brasileiro de Torna-Viagem, em 1928, a obra arrastou-se até ao primeiro semestre de 1931, o projeto esteve a cargo do engenheiro José Alves Pereira da Silva, seu sogro. Joaquim Pena fez fortuna como fa­zendeiro de café no Brasil, casou com Maria de Lourdes Pena, filha de Rosa Pena da Silva e de José Alves Pereira da Silva.


Na época da sua construção, esta zona, onde ainda era realizada a feira semanal, começava a desenvolver-se como novo centro urbano, ainda que de escassas construções, resultando como a limitação da zona urbana, a ocidente, e a zona rural a oriente.


Implantado próximo ao gaveto entre as ruas 19 e 26, era contornado pelo Jardim e limitado pelo muro em alvenaria interrompido por adornados conjuntos de colunas em granito de secção quadrada, que sustentavam os portões de ferro ao estilo Arte Nova, que permitiam o acesso a entrada do palacete, do quintal e da garagem.


O Palacete é composto por um edifício habitacional de grandes dimensões, apresenta-se organizado em vários volumes, proporcionado por torreões, corpos de volumetrias diversificadas e delicados trabalhos de cantaria. 


Composto por três andares, ao nível do primeiro andar, ou andar nobre, podemos observar vários alpendres que convergem para três escadarias afuniladas de acesso exterior.


A composição volumétrica variada, no seu conjunto, com as salientes coberturas inclinadas, conferem ao edifício uma grande variedade geométrica. Já o seu isolamento confere uma imponente presença na paisagem, despertando a curiosidade e o interesse de quem passas pelas quatro ruas da malha que o circundam.


Os volumes periféricos criam um equilíbrio assimétrico organizados em torno de um volume central, o bloco mais elevado apresenta quatro pisos na sua totalidade. 


Na decoração, são de realçar os detalhes artísticos ao gosto Arte Nova, nas janelas, com talhe em cantaria, algumas delas, nas fachadas principais, com cartelas esculpidas na pedra, motivos florais, volutas e conchas e ainda frisos e painéis de azulejos preenchidos com grinaldas de flores azuis que contrasta bem com o caimento amarelado das fachadas.



Depois de concluído o belo palacete, não teria o seu mecenas a sorte de vir a usufruir das suas instalações durante muito tempo, o Senhor Joaquim Alves Pena, viria a falecer precocemente, deixando o edifício a sua esposa Senhora Maria de Lourdes Pena.



Pouco tempo depois de ficar viúva, a herdeira vende o palacete dando inicio a história da fase declínio cujo o edifício reflete nos dias de hoje.


Da ocupação mais recente, na década de setenta e oitenta, o edifício acolheu um núcleo de apoio ao 1.º ciclo que logo depois viria a ser transferido, passando à fase devoluto.


Pelo menos desde 1994 que a Câmara de Espinho, por várias vezes, tentou adquirir o palacete que por divergências no valor nas negociações, entre a câmara e os herdeiros e os herdeiros entre si, têm inviabilizado a reabilitação do mesmo. A especulação imobiliária será certa mente uma das entraves à realização do negócio.


Palco de muitas presenças e atividades não solicitadas, vitima de roubos e vandalismos e principalmente abandono, entrou numa espiral de degradação alucinante.
Os muros foram acrescentados e os portões substituídos por paredes de tijolos, as portas e janelas foram emparedadas para evitar presenças não desejadas, principalmente por não estarem asseguradas condições de acesso e permanência no local.

Vivendas Pereira e Constante, Espinho, 1920-1928
Bilhete Postal, Union Postal Universaille,
este postal e outros em: www.delcampe.net.

A Casa Pereira já há muito que foi demolida dando lugar a um edifício de vários andares e estabelecimentos comerciais no rés-do-chão, a Casa Constante passa a sede da Academia de Música de Espinho em 1961, hoje encontra-se também devoluta na sequencia da transferência da Escola de Música de Espinho para as novas instalações.

Fachada da Vila Maria, Espinho, 2019.

O Palacete do Penna corre o risco de vir a ser demolido pela impossibilidade de o reabilitar face ao estado avançado de degradação que apresenta, à semelhança da Vila Maria, que face ao seu estado agravado, não foi possível manter a estrutura original, foi demolido e reconstruído de forma fiel à arquitetura original, e que bela arquitetura!


Brasileiro de Torna-Viagem


Autorização para Passaporte em 1880
Arquivo Municipal do Porto.


Desde há muito séculos que Portugal assiste a um constante fluxo migratório da sua população, o sustento da família e melhores condições de vida estão entre os principais fatores. No século XIX verificou-se um crescente aumento de emigração de portugueses, principalmente jovens pobres cuja oportunidades de melhorar de vida não se vislumbravam no cenário critico português, rumaram em direção ao novo mundo, Brasil, em busca de novas oportunidade num país cheio de recursos e riquezas naturais.
Esses emigrantes portugueses, também conhecido como brasileiros oitocentistas, haviam de ser conhecidos como "brasileiros de torna-viagem", emigrantes bem sucedidos no Brasil e que trazem para o país uma grande quantidade de dinheiro que em muitos casos foi investido de forma exuberante, nomeadamente na construção de grandes casas, esse fenómeno teve principal enfase nos finais do século XIX e inícios do século XX.

Passaporte de um Brasileiro de Torna-Viagem

No grande Porto, estes emigrantes dominavam os negócios efetuados com o Brasil, vários deles mantinham interesses financeiros nos dois países, nomeadamente no setor dos transportes marítimos, possuíam assim condições privilegiadas para o comércio de importação e exportação, contribuindo fortemente para o desenvolvimento portuário da cidade.

Alguns retornaram definitivamente outros passaram a viver entre cá e lá, junto com eles vieram hábitos diferentes dos que haviam levado, comportamentos, sotaque na linguagem, mas assim de tudo um nível cultural bastante divergente do qual haviam deixado, exotismo na forma de estar, vestir, nos adereços em ouro e da extrava­gância na construção da nova casa - casas de brasileiros

Na origem das grandes fortunas conquistada esteve o cultivo e comércio do café, grande parte dessas fortunas protagonizaram fortes investimentos um pouco por todo o país, promovendo fortemente o desenvolvimento nas suas terras natais, de­sempenhando o papel de mecenas e filantro­pos ao mandar construir escolas, hospitais, parques públicos, igrejas, capelas, melho­rando ruas e caminhos, assim como doações à Santa Casa da Misericórdia.


Chapéu "Palhinha dourada" e sapatos brancos, fazem
parte da indumentária típica do século XX, no Brasil.

Assumiram um importante papel de relevo na sociedade portuguesa, movimentando-se livremente na malha social e assumindo responsabilidades económicas, sociais, po­liticas e culturais mas regiões.
Na politica, foram figuras de grande prestigio, colaborando ativamente na dinamização dos seus partidos. Desempenharam também cargos de relevo parlamentar, tanto na Câmara dos Deputados como na Presidência da Câmara Municipal do Porto.
Os grande investimentos efetuados contribuíram também de forma decisiva para o desenvolvimento do tecido urbano, ao impulsionarem a urbanização e a construção civil.

Todavia estas figuras mão foram bem aceites por toda a sociedade portuguesa, nomeadamente pelos intelectuais e escritores que de alguma forma ridicularizavam e caricaturavam esta sociedade imergente que insistia em introduzir novas culturais.

Na comemoração dos 500 anos dos descobrimentos, este grupo de portugueses foi homenageado e acabou por receber o merecido valor na exposição intitulada “Os Brasileiros de torna-viagem”, organiza­da pela Comissão Nacional para as Come­morações dos Descobrimentos Portuguese (CNCDP), em 2000 na cidade do Porto.



Casa de Brasileiro


Feira de Espinho, Casa Pereira e Constante, 1900-1928
No lado esquerdo nasce o Palacete do Penna, no local onde se realizava a 
feira semanal, é hoje o Tribunal Judicial da Comarca e a Repartição de 
Finanças. Postal Ilustrado nº 7, Editora não identificada, 
este postal e outros em: www.delcampe.net.

A riqueza do Brasileiros de Torna-Viagem foi bem evidenciada nas grandes casas por eles mandadas construir. Os exageros cometidos nas construções das Casa de Brasileiros, espelham as grandes fortunas adquiridas no Brasil e conseguintemente conferem um estatuto social que lhes abrirá portas para grandes responsabilidade a nível social, político, cultura de entre outros.
Paralelamente à construção das suas belas casas, protagonizaram também impulsionamento do tecido urbano e a construção civil ao financiarem a construção de escolas, hospitais, parques públicos, igrejas, capelas, e o desenvolvimento das vias. A importância Histórica desta Emigração Portuguesa, reflete-se também na grande contribuição para a História da Arte e da Arquitetura Portuguesa.
Estas construções refletem a introdução de novas mentalidades capazes de estabelecer roturas ao viabilizarem a entrada de novos conceitos como fatores de diferenciação nas artes em Portugal. As Casas de Brasileiros do inicio do sé­culo XX, representam a introdução das tendências  internacionais na arquitetura, afastando de certa forma a arquitetura clássica e introduzindo novas escolas, como foi o caso do estilo Arte Nova, que foi introduzido tardiamente, e teria uma influencia temporária muito curta, entre 1905 e 1920.


Algumas das características mais comuns mas "Casas de Brasileiro" são as assimetria e os elementos estéticos decorativos, ino­vadores para a época, como o ferro forjado nos portões e nas vedações e o azulejo que além de utilizado em painéis interiores passa a material de revestimento das fachadas,  estes edifícios não representam um estilo arquitetónico próprio, apenas se revestem de várias caraterísticas conjugadas entre si, que permitem analisar como um todo a sua origem. 



Neste sentido vale apena referir alguns dos aspetos em que o Palacete do Penna encerra na sua arquitetura que, paralelamente à história da sua origem, nos permite enquadrar como uma construção associada à "casa de Brasileiro" e são muitas essas características, representa portante um bom exemplo dessa arquitetura excêntrica.
O corpo do edifício é composto por vários volumes com numero de pisos variados, normalmente dois a três pisos, inserido numa ampla área urbana que permite o desenvolvimento de um jardim circundante, que estabelece a relação com os espaços públicos. Os pontos de acesso à propriedade são feitos a partir de portões de ferro direcionados para escadas exteriores graníticas que nos condizem aos pisos nobres do edifício. O piso térreo é destinado a armazenamento e manutenção, o piso nobre destinado para ao convívio social e os pisos superiores destinados ao espaço familiar.



Em espinho existem algumas casas típicas desta importante fase da história, infelizmente nem todas nos são apresentadas como nos seus melhores dias, mas o exemplo do Palacete do Penna é o caso mais doloroso representativo desta rica arquitetura que dinamizou as nossas cidades.
O Palacete do Penna representa assim um grande Espinho que sangra a cada olhar indiscreto que lhe é lançado por piedade do curioso que vira antes  uma grande Rosa naquele agreste canteiro.


Fontes:
Relatório temático do Património Cultural, Câmara Municipal de Espinho, junho de 2016;
O singular caso do Palacete Rosa Pena, em Espinho: Valorização e transformação em Casa-Concerto e Parque de Lazer.; Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura FAUP, Paulo Ricardo Dos Santos Ferreira, 2017;
Os Brasileiros de Torna-Viagem No Nordeste de Portugal, FLUP, Eugénio dos Santos;
www.porto.pt/noticias/

1 comentário:

  1. Gostei muito de ler este artigo, do início ao fim, ficou muito bem redigido em todos os aspectos, desde a pesquisa pela verdadeira história deste palacete e similares na zona de Espinho, desde a sua construção até ao seu actual estado de degradação.
    Excelente trabalho Sr Pedro Paiva

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