sexta-feira, 19 de julho de 2019

Igreja de Nossa Senhora do Livramento e Convento de Santo António dos Capuchos, Angra do Heroísmo

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
A história de Angra do Heroísmo está amplamente relacionada com os factos mais gloriosos da nação portuguesa. A sua fundação teve lugar na época da expansão marítima e dos descobrimentos de Portugal.
Impulsionada pelo Infante D. Henrique, filho de D. João I, a expansão marítima acabaria por se cruzar invariavelmente com as ilha, fosse pela tomada de direcção ao descobrimento do Brasil, fosse pela tomada de direcção ao oriente, cujos ventos do Atlântico condiziam as naus até as ilhas, em busca de melhores ventos que permitissem seguir a rota.
Em 1431 partiu do Cabo de Sagres, onde  D. Henrique meditava sobre as expedições marítimas que o imortalizaram, o comendador Gonçalo Velho Cabral  com destino ao descobrimento de novos mares e novas terras, a quando do seu regresso, no dia 15 de agosto de 1432, avistou alguns ilhéus e logo deduziu que poderia haver pedaços de terra mais significativos nas suas proximidade, decidindo por os assinalar naquele oceano e navegando em direcção ao curso das aves, acabou por descobrir a primeira ilha á qual de o nome de Santa Maria, as restantes ilhas foram encontradas sucessivamente durante os 5 ou 6 anos seguintes. As ilhas foras sendo povoadas à medida que iam sendo identificadas. O primeiro registo cartográfico onde o arquipélago aparece já devidamente identificado data de 1451.
Ilhas dos Açores, Luís Teixeira, c. 1584
Tal como no arquipélago da Madeira, a administração das ilhas açorianas foi feita através do sistema de capitanias, um capitão do donatário estava à frente de cada uma delas, na Ilha Terceira, que começou por se chamar ilha de Jesus Cristo, depois ilha de Jesus Cristo da Terceira e finalmente ilha da Terceira(assim denominada pela ordem de descoberta e também por ser a 3.ª maior ilha do arquipélago), a administração foi atribuída a Jácome de Bruges que a povoou com a ajuda de Diogo de Teive e Álvaro Martins Homem. 
Angra terá sido fundada por Álvaro Martins Homem e por carta  de 1474, João Vaz Corte Real, alcaide-mor de Tavira, foi o seu 1.º capitão-donatário da capitania, cujo sistema administrativo subsistirá até 1766.


Gravura: A Cidade de Angra na Ilha de Jesus Cristo da Terceira, Jan Huygen van Linschoten, 1596.

Angra do Heroísmo situa-se na costa sul da ilha, abrigada pelo Monte Brasil, edificada em volta de uma baia ou angra da qual derivou o nome. A cidade é muito pitoresca, possui bonitos edifícios tanto públicos como privados, na construção civil destaca-se um peculiar gosto barroco e o seu traçado urbanístico renascentista, importantes são também as fortificações notáveis que permitiram aos açorianos defenderem-se dos corsários, salteadores dos mares.
Dotada de um porto frequentado pelas maus portuguesas e espanholas, Angra desempenhou durante séculos um importante papel na vila politica, religiosa, administrativa e militar do arquipélago.
Foi cabeça de diocese em 1534 e por esse facto também elevada a cidade por D. João III, tornando-se a primeira povoação a ter essa categoria em todo o arquipélago
Corrido das tropas filipinas do continente, D. António de Portugal, Prior do Crato, aqui se instalou entre 1580 e 1583, e por lá se debateu com as tropas espanholas. Tornou-se sede de capitania-geral dos Açores entre 1766 e 1828 e capital do reino em 1832 por ordem de D. Pedro IV, que foi apelidada "do Heroísmo"  devido ao papel desempenhado na causa liberal, e que em tempos usufruiu do cognome de "Sempre Leal". 
Brasão da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo
Esquartelado, I e IV de vermelho, um braço armado de prata empunhando uma espada do mesmo; II e III de prata, açor de sua cor; em abismo, escudete de prata com cinco escudetes de azul, dispostos em cruz, cada um carregado por cinco besantes de prata; coroa mural de prata de cinco torres aparentes; timbre, o braço armado do escudo; em redor do escudo o colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; listel branco, com a legenda a negro: “Muito Nobre, Leal e Sempre Constante Cidade de Angra do Heroísmo”.
Hoje, Angra do Heroísmo é sede de um município subdividido em 19 freguesias. O município é limitado a nordeste pelo município da Praia da Vitória, sendo banhado pelo Oceano Atlântico em todas as demais direcções. A cidade é a capital histórica dos Açores e sede da diocese de Angra, a qual inclui a totalidade do arquipélago. A riqueza da sua história e património edificado levou a que a Zona Central da Cidade de Angra do Heroísmo fosse classificada como Património Mundial pela UNESCO a 7 de Dezembro de 1983. 

Foto: Arquivo de José Maria Botelho
As ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Livramento e do convento que lhe é adossado, dedicado a Santo António dos Capuchos, representam o que restou dos edifícios que foram outrora, dos quais ficou apenas a memorio dos populares e as poucas fotografias conhecidas. Na causa desta destruição, ao contrário do que aconteceu com outros monumentos religiosos, não foi o abandono nem incendeio acidentais, mas sim, um violento sismo ocorrido a 1 de janeiro de 1980 que danificou 45% dos edifícios da cidade e causou dezenas de vitimas mortais.

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
As ruínas da igreja e do convento situam-se na freguesia de São Bento, na Rua de Santo António dos Capuchos, mesmo ao lado do cemitério. Desde a destruição provocada pelo triste fenómeno natural , já vários edifícios foram recuperados pelo município, inclusivamente edifícios religiosos, é com alguma indignação e tristeza que a população vê os edifícios a afundarem cada vez mais na sua própria ruína. 

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
Antes da Igreja de Nossa Senhora do Livramento, no local foi construída, em 1610, uma pequena ermida ao orago de S. Roque, o terreno pertencera ao Sargento-Mor Gaspar de Freitas da Costa, herdado pela sua sobrinha Maria Rebela, então mulher do célebre Capitão Roque de Figueiredo, um dos combatentes pela causa da Restauração, na ilha Terceira.

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
Segundo o historiador açoriano José Joaquim Pinheiro , em 1891 explica que "Juntando-se para esta obra muito dinheiro de esmolas, Paulo de Oliveira, seu depositário, ali fundou nos anos de 1610, uma ermida dedicada a São Roque, a qual entrou depois na edificação da igreja e convento dos Religiosos Capuchos; e bem assim a Casa dos Romeiros, que ainda se conservou, tal qual tinha sido, até aos nossos dias, sendo seu proprietário o falecido João Maria de Bettencourt Lemos». (…) «Por não querer Nicolau de Freitas Figueiredo, ceder ao convento os cinco alqueires de terreno, onde existia a Casa dos Romeiros, e se tinha feito o cemitério para os empestados, ficou a mesma casa e terreno, sendo propriedade particular, por sentença de 30 de Junho de 1635, do Deão da Sé Catedral de Angra do Heroísmo, Pedro Gomes Terra."
Lucas, Padre Alfredo, Ermidas da ilha Terceira, 1976

O que é curioso na história da Ermida de São Roque, é que a mesma foi construída por iniciativa de Paulo Oliveira  com a contribuição da população, num terreno particular, e que a situação apenas se torna mais clara se percebermos que o terreno foi também cedido pela família do Sargento-mor  para nele serem sepultados os mortos vítimas da peste que grassou nesta ilha desde Abril de 1599 a Janeiro de 1600.
Com efeito, durante estes dois anos a Peste bubónica morreram  cerca de 7 000 pessoas na Terceira, o ano de 1599 ficaria conhecido como o "ano do mal" já que a epidemia dizimou boa parte da população da ilha que ainda se encontrava em processo de povoamento. A ermida aparece assim como edifício religioso de apoio ao cemitério, seguiu-se a construção da casa de romeiros.

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
Segundo o historiador açoriano, Francisco Ferreira Drumond, ainda antes da construção da Ermida de São Roque, que como já mencionado foi edificada por volta de 1610, existiu "uma pequena e tosca Capela pelos Frades Franciscanos Pedro dos Santos e Jorge de Saphara, que nela celebravam missa pelas vitimas da peste que grassou nesta ilha em 1599". Com efeito existe um desfasamento de uma década entre o episódio da epidemia e construção da Ermida de São Roque, é perfeitamente plausível que tenha existido um outro templo religioso improvisado para este fim.

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
A pequena ermida de São Roque, havia de ser demolida para dar lugar à Igreja de Nossa Senhora do Livramento (Angra do Heroísmo), e no terreno ao lado, também doado pela família do capitão Roque de Figueiredo, foi construído o Convento de Santo António dos Capuchos, tendo o respectivo padroado sido cedido por aquele ao seu íntimo amigo Capitão João de Ávila, que o aceitou com a condição de lhe ficar a ele, sua mulher e descendentes, lugar e jazigo na Capela-mor.

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
Durante a epidemia,  os dois franciscanos que se estabeleceram em S. Bento, Frei Pedro dos Santos e Jorge de Saphara, exercendo enfermagem a quem necessitasse e zelando pelo lugar onde eram enterrados os mortos. 
Apesar do sofrimento geral da população, pela desgraça que se abateu na ilha, tiveram capacidade para apreciar o feito que os religiosos fizeram pelos enfermos, e que se viria a reflectir no fortalecimento da devoção religiosa, surgindo depois uma taxa de 60$00 reis que era cobrada aos herdeiros dos mortos ali sepultados, revertendo para um fundo destinado à construção do Convento de St. António dos Capuchos. 
Em relação ao Convento, segundo o Padre António Cordeiro, "se situa na devotíssima saída da cidade, e muito recreativa, com sua deliciosa cerca" e diz ainda que "os nunca menos de doze frades se sustentam de esmolas que vêm pedir em certos dias na cidade, pois nem levam esmolas de missas, nem têm capelas de aniversários, ou músicas, nem esmolas de enterros ou de hábitos de defuntos."
Passaram por este convento grandes nomes como o D. Frei Valério da Sacramento, Bispo da diocese de Angra, Bispo D. Fr. Alexandre da Sagrada Família, (tio materno do escritor Almeida Garrett que aqui zelou pela sua educação) e o Capitão João d`Avila, que tinha sepultura na Igreja.
Pedro Merelim, Notas sobre os Conventos, Volume II, Jornal União, Angra do Heroísmo,1963;

Foto: SIPA - Paula Noé, 2010
Angra do Heroísmo chegou a possuir nove conventos, iam desde São Gonçalo e acabava em Santo António dos Capuchos, o primeiro convento a surgir foi o Convento de São Gonçalo, em 1545, com a extinção das ordens religiosas em 1834, sequência das novas politicas do recém criado regime liberalista, os conventos foram desocupados, os fardes expulsos e as freiras deixaram de poder admitir noviças, acabando também por se extinguir. Os edifícios foram nacionalizados e a maioria vendidos a particulares, os que não foram vendidos foram reutilizados para serviços sociais ou foram abandonados à sua sorte. No caso especifico do Convento de Santo António dos Capuchos  foi o mesmo utilizado como asilo de acolhimento para para meninas desfavorecidas.


Foto: Painel de Azulejos recuperados da Igreja de N.ª S.ª do Livramento, Governo dos Açores, 2016


Segundo as memórias da população, a Igreja da Nossa Senhora do Livramento, era um templo muito belo, o seu interior era ricamente decorado com azulejos, de pintura azul e branca, com narrativas da vida de São Francisco, belíssimos exemplares da arte das oficinas oficiais da azulejaria Lisboeta do século XVIII, recuperados da ruína da igreja, após o terramoto de 1980 e restaurados. Os preciosos painéis de azulejos estão sobre os cuidados da Divisão do Património Móvel e Imaterial e Arqueológico.

Imagem. GoogleMaps, 2010
A igreja e o convento foram classificados em 1980 (por Inclusão no Núcleo urbano da cidade de Angra do Heroísmo), na categoria de IIP - Imóvel de Interesse Público. 
Há décadas que se arrasta um projecto de pedido de apoios de consolidação e restauro da Igreja de Nossa Senhora do Livramento, do antigo Convento de Santo António dos Capuchos, aguarda-se num entanto a comparticipação das obras de restauro da igreja.


Fontes:
"Angra do Heroísmo", Archivo Histórico de Portugal, 1.ª Série, n.º 12, outubro, de 1889;
Arquivo Digital: Roque de Figueiredo;
Arquivo Digital: Ermida de São Roque;
Arquivo Digital: Irmandade de São Roque;

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