domingo, 28 de julho de 2019

Celeiro do Convento de São Francisco ou Torre da Horta dos Cães, Faro



Faro é uma cidade portuguesa, sede de concelho, diocese, comarca e concelho. Uma vasta mancha urbana caiada de branco situada à beira-mar, junto à ria Formosa, na margem esquerda da Ribeira Marchil e a escassos quilómetros da margem direita do Rio Seco. Encontra-se separada do Atlântico por vários estreitos da Ria Formosa e pelas ilhas arenosas de Ancão, Barreta e Culatra onde se encontra o Cabo de Santa Maria, o ponto mais a sul de portugal continental. O concelho é actualmente dividido em quatro freguesias, Santa Barbara de Nexe, Conceição e Estoi, Montenegro e Faro.
A região começou por ser ocupada pelos Suevos, depois pelos Fenícios que ali comercializaram, seu nome era então Ossónoba, os Cartagineses e mais tarde os Romanos que desde cedo evangelizaram o cristianismo, por esta altura era uma importante cidade romana, tinha moeda cunhada com símbolo própria e era a principal cidade da antiga região Luzitania Céltica que deu origem ao reino do Algarve. Dos vestígios romanos destaca-se as Ruínas romanas de Milreu.
Com a decadência do império romano, chegaram os Bizantino e Visigodo, do período visigótico existem várias fontes e indícios que referem uma magnifica catedral, mas cujos vestígios nunca foram encontrados, já da ocupação bizantina destacam-se as torres bizantinas da cidade.

Com a chegada dos mouros à Península Ibérica, no ano de 713 a antiga cidade de Ossónoba foi invadida e caiu em decadência e por volta do século IX muda de nome para Santa Maria do Ocidente, já no século XI, a cidade passa a designar-se Santa Maria de Ibn Harun ou santa maria de Hárune, em honra do fundador da Dinastia dos Banu Harun, e é fortificada com uma cintura de muralhas. Durante o domínio árabe, Faro conheceu um notável esplendor cultural, nela se notabilizaram Al-Alam, filósofo e ainda Abul Hárune e Sálih ben Sálih, poetas.
Brasão de Armas da Cidade de Faro, 1860
Simbolismo: Pano de muralha e torres – Faro enquanto cidade amuralhada; Imagem de N. Sr.ª da Conceição – Padroeira de Portugal desde 1646, eleita por D. João IV; As torres – Faro enquanto cidade muralhada; A Coroa mural que encima o escudo surge no âmbito do modelo definido legalmente para as cidades, pelo Regulamento de Heráldica dos Municípios. O brasão de armas da cidade de Faro constitui, acima de tudo, uma homenagem à Mãe de Cristo, dada pela cidade, cujo símbolo é, ainda, a evocação dum antigo local onde a sua imagem esteve exposta: na muralha.

Já na sequência da reconquista cristã, foi objecto de saque em 1217 por parte dos cruzados frisões, e em 1249 foi definitivamente reconquistada por D. Afonso III. Os portugueses designaram a cidade por Santa Maria de Fáron, topónimo derivado de (Ibne) Hárune, nome do senhor da cidade na 1.º metade do século XI e que está na origem da actual denominação Faro.
Recebeu foral de D. Afonso III em 1266 e fez-se cercar de fortes muralhas, D. Manuel concede-lhe novo foral em 1504 e D. João III fê-la novamente cidade em 1540, em virtude da transferência da Sé de Silves para Faro por iniciativa do Papa Paulo III. 
A 25 de julho de 1596 a cidade foi praticamente destruída pelos soldados do Duque de Essex, que entre outros despojos levaram consigo a preciosa biblioteca do Bispo D. Jerónimo Osório, actualmente integrada na Biblioteca Bodleiana de Oxford. 
Depois de recomposta a cidade sofre grandes destruições com os terramotos de 1722 e 1755, a sua reconstrução foi da responsabilidade do Bispo D. Francisco Gomes de Avelar, popularmente conhecido como o "Bispo Santo".
Apesar de não possuir autonomia própria, o Algarve foi considerado, durante séculos como o segundo reino da Coroa Portuguesa até à proclamação da República Portuguesa em 5 de outubro de 1910, data a partir da qual deixa de ter qualquer diferenciação titular do resto do território.
Brasão do Reino do Algarve conforme se encontra no Atlas Contractus de Johannes Janssonius,1666.
Escudo esquartelado: I e III - de ouro, carregado com uma cabeça de mouro de perfil; II e IV - de azul com uma cabeça de rei cristão de frente, coroado de ouro, rosto barbado ; Coroa de Marquês de três florões visíveis. Algumas variações deste padrão poderão aparecer, nomeadamente no que toca às cabeças dos reis mouros, que parecem mais africanos e que são substituídas na versão moderna por rostos de reis mouros de frente cobertos com uma gutra.
Foto: DGPC, 2008 
Este curioso edifício de raríssima configuração arquitectónica, única edificação civil de planta octogonal existente em todo o Algarve, atravessou as vicissitudes de vários séculos, transportando uma peculiar carga histórica e um enigmático simbolismo mitológico, associado a uma função, que se descobriu recentemente, nunca ter desempenhado. Com efeito a tradição atribuía ao edifício da Horta dos Cães a função de celeiro, mas na verdade actualmente considera-se que o torreão octogonal foi construído para servir como uma espécie de casa de fresco.

Faro, the capital of Algarve,1813
Se a sua utilidade original foi uma incógnita durante muitos anos, também o é o objectivo da sua construção, alguns autores apontam que o objectivo de erguer um edifício com este tipo de arquitectura, simbolizava a necessidade de afirmação pessoal e de poder, criando um marco simbólico no contexto da cidade. Com efeito, de acordo com uma gravura de 1813, onde se vislumbra um grande panorâmica de Faro vista da ria, donde sobressaem, da cércea média, a Igreja do Carmo, o Colégio dos Jesuítas, a Sé de Faro, a Torre da Horta dos Cães e o Convento das Freiras. A gravura apresenta apenas a silhueta dos edifícios, dando lugar a margem para dúvidas, mas com efeito não se conhecia até à data outros edifícios que pudessem corresponder aos esboços.

Construído na primeira metade do século XVIII, num terreiro então denominado Horta dos Cães, do qual herdou o nome, situado entre entre a cerca muralhada construída em torno de Faro por D. Afonso III no século XIII e a cerca do Convento de São Francisco, ensanduichado entre a Rua Manuel Penteado e a Rua Dona Teresa Ramalho Ortigão.

A sua parecia atípica e arquitectura inusitada só poderia ter resultado da colaboração de ilustres famílias farenses, artistas e arquitectos desprovidos das convenções e arrojados na sua arte. O seu projecto foi encomendado a Diogo Tavares de Ataíde(1711-1765), escultor, mestre-pedreiro e arquitecto algarvio, que terá desenhado e acompanhado a construção do celeiro da Horta dos Cães, mando construir pelo Desembargador de Faro, D. Veríssimo de Mendonça Manuel(1669-1747). Segundo alguns autores uma segunda campanha de obras terá decorrido entre 1761 e 1789, da qual resultam as foguras decorativas da fachada e o brasão de amas brasão em massa, integrado em conjunto, pertencente a Manuel Mascarenhas de Figueiredo Manuel, neto do Desembargador, que terá completado a obra iniciada pelo avô.
Foto: SIPA(Daniel Giebels, 2006)
Já depois da sua morte, o seu neto, Capitão Mor Manuel de Mendonça Figueiredo Manuel(1730-1797) vendeu esta propriedade aos Frades Marianos que aí pensavam construir um convento, desconhecendo-se os motivos porque não se chegou a concretizar esta intenção, decorria então o ano de 1780. A quando da venda, o terreno era denominado por Ferragial e segundo a discrição da compra, situava-se  junto aos baldios e trincheiras antigas da cidade, em meados do século XIX o terreno era já designado por Horta dos Cães e passa a ser designado por Horta de São Francisco.


Foto: SIPA, 1976
Em finais da segunda década do século XX, a torre pertencia à família do escritor Ramalho Ortigão, que inicia um processo de loteamento para a urbanização do terreno, todavia, preservou o edifício adaptando-o para prédio de rendimento, cada piso correspondia a uma habitação. Esteticamente o edifício não sofre grandes alterações com esta transformação ate aos dias de hoje, com excepção da escada exterior que dava acesso ao segundo piso, que por estar em mau estado de conservação foi subsistida por uma de ferro por volta de 1989 e os tanques e jardins que possuía e foram destruídos em consequência do loteamento exaustivo desta zona.
Classificado como Imóvel de Interesse Público em 1977, o edifício encontra-se devoluto há já várias décadas, sem que no entanto, tenham sido efectuadas intervenções significativas de conservação e preservação. Recentemente, em 2018, o telhado acabou mesmo por ruir e o assunto foi levado ao parlamento pelos deputados do PS eleitos pelo Algarve “Em causa, está a necessidade de se realizar uma intervenção para proteger o Celeiro, que foi classificado como Imóvel de Interesse Público, e ficou ainda mais debilitado depois do mau tempo que se fez sentir nas últimas semanas, provocando a derrocada do telhado”, frisam Luís Graça, Ana Passos, Fernando Anastácio e João Rodrigues.

Diário Online - Região Sul, 3 de abril de 2018

Hoje o edifício encontra-se num estado lastimável, localizado na zona histórica da cidade e propriedade de particular talvez estejam em causa motivos de especulação imobilizaria ou eventuais carências financeiras. Certo é que as paredes se encontram com grandes fendas, as figuras de massa apresentam danos e corrosão. Depois que o telhado ruiu, há infiltrações por todo lado, também as paredes ameaçam ruir.
Neste momento urge fazer alguma coisa e já não é só para salvar o edifício mas também por segurança pública, principalmente proque este se encontra ao lado de um edifício de habitação, duas ruas e um parque de estacionamento, oferece perigo para a população.
Foto: SIPA, 1976
Com uma arquitectura recreativa e agrícola, barroca, rococó, todo o edificio é cheio de pormenores relevantes, a planta central octogonal, com cobertura interior em abóboda de aresta de 8 panos compondo a cobertura do piso térreo com grande expressividade e excepcional plasticidade.  O telhado acompanha a dinamita da abobada, constituído por oito águas de telha mourisca com cornija saliente e balançada em papo de rola. As semelhanças arquitectónicas com Torre dos Ventos , também conhecida como Horológio de Andrônico, em Atenas, é evidente, a possibilidade de esta ter servido de inspiração para o esboço da Torre da Horta dos Cães, é uma possibilidade.
Trabalhos de massa nos alçados exteriores com tratamento compositivo e decorativo com características barrocas e motivos rococó à mistura.  Molduras de massa em oito óculos de forma elíptica e nas sete janelas rectangulares, pilastras em massa com base e capitel simulado e com minúsculas aletas junto à cornija. 
Duas portas, uma de verga recta virada a nascente, no piso superior e na facada principal, no poso térreo, rasga-se uma porta em arco de volta-perfeita sobreposta por composição em massa de concheados e volutas, com as armas dos Mascarenhas Figueiredo, integradas num enorme conjunto de decoração rocaille onde são perceptíveis vestígios de pigmentação branca e vermelha.

A Mitologia e a Simbologia:


Foto e seguintes: Filipe Palma

Dois panos opostos dos oito que compõe o edifício, laterais à porta principal e ao nível do rés-do-chão , foram decorados com interessantes figura mitológicas em relevo, que revelam tendência para um expressionismo tardobarroco ou rococó. Estes trabalhos de massa nos alçados exteriores do edifício, da autoria de Diogo Tavares de Ataíde, representam Hércules( homem coberto por pele de leão, com uma maça e a hidra de Lena, cuja legenda identifica claramente como o herói mitológico HÉRCULES) e Adamastor(representação de um índio gigante que luta com um crocodilo com a legenda CABO DE BOA ESPERANÇA ADAMASTOR). 
A representação de figuras mitológicas e lendárias na ornamentação dos edifícios foi uma forma que o amestre encontrou de unir numa só obra toda a sua arte, já o havia feito também no frontão da fachada de um edifício situado à entrada de Faro conhecido por "Casa das Figura".
Do ponto de vista simbólico Hércules representa uma ponte de ligação que aproxima o divino e o humano(terreno), pois era filho de Zeus (pai dos deuses gregos) e da mortal Alcmena, filha do rei de Argos, Hércules era assim um semideus, tinha atributos humanos e divino, fruto de uma relação "extraconjugal" e por isso odiado desde o nascimento por Hera, esposa de Zeus. 
Hércules ou Héracles foi o herói mais célebre da cultura greco-romana, famoso por sua força física e bravura, nas obras de arte romanas e na arte renascentistas, Hércules é muitas vezes pode ser identificado por seus atributos físicos e adereços como a pele de leão e a clava.
Alguns autores defendem que a figura de Hércules não aparece na decoração do edifício pro mero acaso, mas sim como uma representação do poder de Manuel Mascarenhas de Figueiredo Manuel, Capitão-mor e Guarda-mor de saude de Faro e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Também conhecido popularmente por “Manuelinho de Faro”, era um homem de porte robusto e de uma grande força como Hércules.
A hidra por sua vez é um animal da mitologia grega com várias cabeças de serpente, sendo uma delas imortal, e corpo de dragão. Foi criada por Juno e era um dos doze trabalhos de Hércules. Era conhecida como "Hidra de Lerna". O seu sangue assim como o seu hálito eram venenoso. Se suas cabeças fossem cortadas, elas voltavam a nascer.
Como símbolo dos instintos mais ruins, paixões e defeitos, ambições e vícios, a Hidra deve ser dominada, como símbolo do autocontrole dos nossos instintos por isso a representação de Hércules neutralizando-a pela cauda.

A figura de Adamastor entrou definitivamente na cultura portuguesa a partir do momento em que passou a protagonizar o gigante do Cabo das Tormentas, no Canto V da epopeia dos Lusíadas de Luís de Camões. O Canto V dos Luzidas aborda o inicio da viagem da armada Portuguesa, é a introdução da narrativa da grande aventura marítima, no qual Adamastor, o gigante, afundava as naus portuguesas. Adamastor simbolisa as forças da natureza, a sua oposição à audácia dos navegadores portugueses comandados por Vasco da Gama e a predição da história trágico-marítima que se lhe seguiria. Adamastor também foi homenageado por Fernando Pessoa no poema "O Mostrengo".
Na mitologia greco-romana Adamastor aparece pela primeira vez como o gigante, filhos de Gaia(Mãe-Terra), que se rebelaram contra Zeus e por isso foram fulminados, ficaram dispersos e reduzidos a promontórios, ilhas e fraguedos, daí a associação por Camões a um cabo, porção de terra. 
Quanto à representação, 
Em relação à figura que representa a dobragem do cabo das tormentas, na parede da Torre de Faro, um índio domando um "crocodilo", apesar de não existir um paralelismo directo nos episódios dos descobrimentos de Vasco da Gama com este tipo de animal, os crocodilos encontra-se muito representados nas lendas dos egípcios e egípcias e hindus como ser poderoso das águas. Também o índio pode ser visto como símbolo do descobrimento do continente americano, como a entrada num Novo Mundo.
Apesar da figura não representar directamente aquela imagem que temos no imaginário do Adamastor, um mostro dominando o cabo e soprando sobre as águas do aceno agitando os mares, simbolicamente temos mais do que isso, o titã dos mares tão poderoso que domina a criatura das águas tão temida e respeitada e ainda que a passagem pelo Cabo das Tormentas foi a chave para a descoberta de um novo mundo, razão pela qual aquele que era conhecido como "Cabo das Tormentas" passa a "Boa Esperança".


Fontes:
Faro - Guia Turístico de Portugal de A a Z, Circulo de Leitores, texto de Manuel Alves de Oliveira, 1990;"O Celeiro de São Francisco e a consciência histórica", Semanário Regional do Algarve, Barlavento, texto de Fernando silva Grade, março de 2018;"Celeiro do Convento de São Francisco / Torre da Horta dos Cães", Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, texto de João Neto, 1991, e Daniel Giebels e Rosário Gordalina, 2005;
"Celeiro do Convento de São Francisco / Torre da Horta dos Cães", Direcção Geral do Património Cultural, texto de Carina Oliveira, 2008;
Faro - Archivo Histórico de Portugal, n.º19, 1890;
Arquivo Digital: C. M. Faro;
Arquivo Digital: Reino do Algarve;

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