sábado, 13 de abril de 2019

O Panteão Nacional (Igreja de Santa Engrácia) como nunca viu...

Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, antes das obras, 1956.
Foto de autor não identificado, arquivo SIPA.

Iniciado em 1682, pensado exclusivamente para o culto, considerado como o primeiro e ultimo edifício construído em Portugal ao gosto do barroco,  foi como barraco que se destacou durante muitos anos, inconcluído, deitado ao abandono, serviu de quartel,  de depósito de materiais de guerra e fábrica de têxtil e calçado. Só em 1916 viria a ser reconhecida a grandiosidade da sua nobreza, sendo distinguido para o mais alto cargo que já mais havia ambicionado, Panteão Nacional por excelência desde a sua conclusão em 1966, nele estão depositadas as memórias de grandes Heróis da Nação. 

Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, antes das obras, 1956.
Foto de autor não identificado, arquivo SIPA.

Em 1568, por determinação da Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, foi mandada erguer uma igreja dedicada à Mártir Engrácia nascida em Bracara Augusta, atual cidade de Braga, no século IV, hoje padroeira de Saragoça e em honra da qual foi criada a freguesia de Santa Engrácia, pela aprovação do Papa Pio V,  desagregando uma parte da freguesia de Santo Estêvão, em Lisboa.
A sua construção inicia-se em 1570, obra do arquiteto Jerónimo de Ruão (1530-1601), desta obra não existem quaisquer vestígios, apenas se sabe que possuía uma nave orientada, tendo o altar-mor com o Santíssimo e as imagens do orago e de São Lupércio; no lado do Evangelho, as Capelas de Nossa Senhora da Esperança e de Santa Senhorinha, surgindo, no lado oposto, as de Santo Cristo, com a Irmandade das Almas, e de Santo António.

Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, antes das obras, 1902.
Foto de José Artur Leitão Bárcia, Arquivo Municipal de Lisboa.

Em 1630, na sequência de um "celebre" assalto que ocorreu na ermida, o culto foi transferido para a Igreja da Nossa Senhora do Paraíso, acabando por lá permanecer um bom tempo. No ano seguinte decidiu-se demolir a Capela-mor da igreja no sentido de a restaurar e ampliar segundo um projeto do arquiteto Mateus do Couto, que dirigiu as obras até a sua morte em 1664. Após a morte deste, a obra esteve parada mais de uma década, só em 1676 seria retomada sobre a responsabilidade de um sobrinho do arquiteto Mateus do Couto, todavia esta nova igreja estaria condenada também ela a um triste desfecho, pois a 19 de fevereiro de 1681, na sequência de um grande temporal, a capela-mor recém construída,  acabaria por ruir e nesta sequência os peritos optaram por demolir toda a estrutura e estudar um projeto para uma nova construção de raiz, cuja construção seria iniciada logo no ano seguinte.


Construção da cúpula do Panteão Nacional, 1966
Foto da Casa Fotográfica Garcia Nunes no AFCML.

Com efeito a construção da Igreja de Santa Engrácia, como a conhecemos hoje, iniciou-se em 1682, com a primeira pedra, simbolicamente lançada por D. Pedro II, sendo que a sua conclusão só viria ser verificada em meados do século XIX, exatamente no ano de 1966, 284 anos depois do seu inicio. 
O projeto é atribuído ao Mestre de Pedreiro João Antunes, arquiteto da Casa Real desde 18 de julho de 1669, nunca a chegaria a ver construída, também nunca chegou a abrir ao público com o objetivo de culto para a qual havia sido pensada. 

Alguns autores como Sousa Viterbo, historiador, defende que o projeto não terá sido traçado por este arquiteto, apesar de reconhece-lo como "arquiteto da casa real foi tambem arquiteto das ordens militares, tendo sucedido a Mateus do Couto. A carta que o nomeou tem a data de 10 de novembro de 1697. Aí se lê a particularidade de que era arquiteto nas obras de Santa Engrácio. Se não foi ele que deu o risco para esta monumental igreja, foi por certo um dos primeiros a dirigir a sua construção".

Construção da cúpula do Panteão Nacional, 1966
Foto da Casa Fotográfica Garcia Nunes no AFCML.

Certo é que não é identificada de forma documentada a autoria do projeto, o que deixa de alguma forma indignação, nomeadamente no ceio dos historiadores e investigadores, por considerarem não ser aceitável para o período em questão, que obra de tal dimensão não tenha  informação tão precisa.

Com efeito, não chegou aos nossos dias documento que ateste ter sido João Antunes o autor do projeto da igreja, mas existe uma correlação que se pode estabelecer com outros projetos da sua autoria que apresentam alguma características semelhantes, para alem do estilo predominantemente barroco ou influencias italianas, como é o caso da Igreja do Bom Jesus da Cruz, em Barcelos, onde foi aplicada a inovação da forma "cruz grega"  com inspiração na Igreja de Santa Engrácia.

Construção da cúpula do Panteão Nacional, 1966
Foto da Casa Fotográfica Garcia Nunes no AFCML.

Inácio Vilhena Barbosa (1811-1890), historiador e arqueólogo, terá tido a oportunidade de ver o projeto inicial e se referiu ao seu majestoso Zimbório dizendo que "era soberba e bela a traça dessa cúpula". Mas nos arquivos da Academia de Belas Artes, onde se encontram algumas plantas e alçados deste monumento, elaborados à posteriori da sua construção, não exististe nada que nos elucide como seria o traçado do zimbório original, quais serias as opções projetadas para o coroamento da maior rotunda até a data construída em Portugal.
Da construção original não foram incluídas nem pintura nem escultura, com excepção da estatuária do pórtico, em todo caso a ausência destes elementos não diminui a beleza que o seu inteiro encerra, a imponência do seu traçado e da sua arquitectura circular onde se abrem quatro altares e profundos nichos que nos encantam pela sua nobre sobriedade, toda esta composição arquitectónica é suavemente iluminada pela luz que entra no óculo da cúpula.

Vista latreal do Panteão Nacional, 1967
Foto de Artur Inácio Bastos no AFCML.

A sua planta quadrangular perfeita de 43,5 por 43,5 metros,  com a cúpula central e lados iguais forma uma cruz que pode ser filiada na arquitetura bizantina. A Basílica de São Pedro, em Roma, terá estado incontornavelmente na inspiração do seu projeto, até a data, sem precedentes em Portugal. 
As fachadas são segmentos de círculos ligados às quatro torres, colocadas nos ângulos, por meio de curvas semicirculares, ao estilo barroco. As fachadas são marcadas por colunas inferiores de estilo dórico, superiores de estilo jónico. As laterais norte e sul, respetivamente de 24 e 28m de altura, devido ao acentuado desnível do terreno, são iguais na sua forma. As do nascente e poente,  só diferem por se abrir na do poente o pórtico da igreja que evidencia mais uma vez a presença do estilo barroco. A cimalha da ordem dórica que corre nesse corpo é filiada sobre grossas colunas do pórtico, da mesma ordem, sugestão dada por Palládio na Loggia dle Bernardo, em Vicência. A ligação com o andar superior faz-se por meio de espessos volutões reversos, que sustentam os pilares do corpo.

Fachada principal, pormenor do corpo central
do Panteão Nacional.

Foto do arquivo da DGPC.

À entrada do vestíbulo três arcos de volta perfeita de corrente clássica, por cima dos arcos aparecem três nichos com o interior almofadado nas paredes e tecto. O Vestíbulo com uma estrutura  curvilínea, tem como peça principal, a entrada central para a igreja.

Portal da fachada principal do Panteão Nacional
Foto do arquivo da DGPC.

É concebida esta entrada, por um precioso portal inspirado na ordem compósita, formado por duas colunas  salomónicas de que o estilo barroco tanto abusou. O tecto é dividido por 22 caixotes, compostos por molduras curvilíneas, o que lhe dá uma grande riqueza, com destaque para os mármores de várias cores que integram as diferentes peças que compõem o vestíbulo.

Pormenor da cúpula do Panteão Nacional 
Foto do arquivo da DGPC.

O interior deste templo de proporções grandiosas ampliadas pela linhas curvilíneas de toda a composição arquitetónica e pela suavidade das cores dos nichos que convergem para a rotunda central, transporta os visitantes para o interior de um templo da antiga Roma. Quatro robustos pilares ligados por potentes arcos de volta inteira, suportam a enorme carga do zimbório, técnica que reporta para as grandes abobadas bizantinas. Cada um destes pilares é guarnecido por quatro fortes pilastras. Nos ângulos voltados para a rotunda destes pilares, projectam-se quatro púlpitos de forma poligonal, acedidos pro pequenas escadas abertas no interior dos  pilares.

Vista do chão e nicho lateral do Panteão Nacional, s/d
Foro do arquivo do SIPA.

Os quatro nichos dispostos em forma de cruz projetam-se a toda a altura da igreja culminando com  os quartos de esfera que ligadas entre si pelos vértices, enquadrando o arco da cúpula central.  Os dois nichos laterais  são compostos por três grandes capelas de forma rectangular curvilínea, fechadas por abobada semicircular, servidos por duas portas laterais. Por cima destas portas, encontram-se tribunas acedidas por escadas embutidas nas paredes.

Vista da entrada principal a partir do interior do Panteão Nacional
Foto do arquivo da Global Imagens.

O nicho da entrada principal é dividido em dois andares sendo o superior composto por ordem compósita de colunas de igual dimensão, integra duas tribunas que dão seguimento às tribunas dos nichos laterais. No piso inferior abre-se o vão de três grandes portas combinadas com o pórtico da igreja, projetando-se ainda nas laterais duas capelas de forma semicircular com tecto almofadado.

Órgão de tubos, capela-mor do Panteão Nacional
Foto do arquivo da DGPC.

O nicho do fundo da igreja, nicho central que representa a capela-mor, foi o ultimo nicho a ser terminado, e que terá impedido que o culto alguma vez tivesse existido neste lugar, ainda que se tivesse projetado um imponente retábulo de talha dourado, este nunca chegou a ser executado, nos eu lugar, foi colocado um órgão de tubos, no piso inferior  uma modesta parede cega precede um simples altar, ladeado por duas capelas idênticas ás dos nichos laterais.


Funeral de Dom Carlos e de Dom Luís Filipe, 1908.
Foto do arquivo do Panteão Nacional.

Enquanto a cúpula não foi concluída o terraço era acedido por quatro lançes de escadas de cantaria, as mesmas que davam acesso às tribunas, localizadas nos lados das torres, são formadas por lanços de 11 degraus cada e de 14 pátios. No tempo em que a obra esteve suspensa, só a escada da torre norte dava acesso ao terraço estando a outra entrava vedada, o terraço estava vedado por um arremendado gradeamento provisório. No centro a cúpula estava fechada com uma armadura de ferro em forma de calote e revestida por chapas onduladas de zinco. Sobre a estrutura de ferro estiveram colocados dois sinos, um de horas e outro de quartos, os relógios estavam pendurados na fachada de uma forma completamente desajustada, consequência da circunstancia provisória.

Igreja de Santa Engrácia antes da reconstrução vista do Tejo.
Foto do arquivo do Panteão Nacional.

No terraço goza-se uma realmente privilegiada, a sul vislumbra-se o estuário do Tejo e as suas margens, do outro lado avista-se  a organização das ruas e telhados dos casarios da cidade de Lisboa.

Fachada principal, pormenor, Panteão Nacional 
Foto do arquivo da DGPC.

A sua arquitectura de inspiração barroca, representação do que de melhor se fez, neste estilo, em Portugal, foi a primeira obra a ser construída e simultâneamente a última a este estilo, do qual se destacam, a forma ondulada das suas fachadas; a cúpula moderna, o espaço majestoso da nave e a mistura tricolorida de mármores. Esta obra viria a consagrar João Antunes como um dos melhores arquitetos da sua época, ao conseguir de forma exemplar, traçar uma nave com quatro absides que suportam a cúpula central, em forma de "cruz grega", a par dos três absides da Basílica de São Pedro em Roma, ainda que em maior escala.

Todavia, a ambiciosa cúpula haveria de contribuir para o arrastamento das obras, segundo o Padre João Bautista de Castro, "a igreja ainda se não terminou de todo, porque chegado à cimalha real, houve entre os arquitetos receio de que sobrepondo-lhe as abóbadas, padecessem as paredes outro lastimoso fracasso; e assim está há anos em profundo esquecimento, aguardando maior oportunidade de tempo à sua final perfeição". Mas acrescenta, enaltecendo a robustez da construção "nem êste edifício nem a igreja paroquial, padeceram com o terramoto ruína alguma", referindo-se ao terramoto de 1755 que devastou a capital quase por completo.

 Interior do zimbório, janelas do lanternim, Panteão Nacional 
Foto do arquivo da DGPC.

As preocupações para a colocação do zimbório eram inúmeras, passavam desde logo por uma minuciosa vistoria ao edifício no sentido de apurar deslocamentos e fendas, para perceber se a construção, nomeadamente os alicerces, teriam sofrido alguma alteração fosse ela de origem geológica ou não, um maior rigor na escolha dos materiais a empregar acompanhado de um maior rigor nos trabalhos a executar. Depois de reunidas estas condições, poderíamos então considerar que os riscos de assentar a grandiosa cúpula do cruzeiro, estariam diminuídos.

Vista da nave do Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, 2014
Foto de João Jarego‎ disponibilizada no facebook

O risco iminente de derrocada era na época um fator muito presente na construção, não pelo domínio deficitário da arte, mas sobretudo pela imprevisibilidade do material incorporado. Temos alguns registos contemporâneos desta construção, que culminaram em derrocada como são disso exemplos as naves da Catedral de Beauvais, que se abateram em dezembro de 1878. a torre do corpo central do Mosteiro dos Jerónimos e os pilares da nave central da Sé de Lisboa.  

Vista da chão em pedra de mármore do Panteão Nacional, 2014
Foto de João Jarego‎ disponibilizada no facebook

Todavia, a oportunidade de concluir as torres e o zimbório, não foi conferida ao arquiteto, não terá sido pela maldição de Simão Solis sobre a inconclusão da igreja, nem tão pouco por ter sido reconhecida incapacidade do arquiteto para este feito, o que verdadeiramente contribuiu para a suspensão da obra foi a falta de verba que deveria ser de quantia elevada e canalizada para outras obras de maior prioridade.

Nave vista da tribuna, Panteão Nacional, 1995
Foto do arquivo SIPA.

Inicialmente o financiamento da obra foi assegurado pela poderosa Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento(fundada por 100 nobres do reino em 1631) e de eventuais esmolas régias, mas logo em 1685 tiveram que recorrer ao Rei para conseguir financiamento a fim de garantir o prosseguimento da obra, a mesma terá estado parada até 1692, ano em que se dá seguimento, ainda que a um ritmo brando. Em 1694, D. João da Gomes da Silva, 4º Conde de Tarouca, 1º Diretor da Academia Real de História, foi nomeado Superintendente das obras que por vota de 1707 teriam avançado até ao nível do piso das tribunas.

Maquete 3D da Igreja de Santa Engrácia sem as torres.
Foto do arquivo do Panteão Nacional.

Com a morte em 1712 de João Antunes, arquiteto e construtor encarregado, mais uma vez o prosseguimento dos trabalhos abranda ate que em 1724, D. João V numa atitude de tomar as rédeas do ponto de situação analisa de perto os traçados do projeto no âmbito de novos investimentos serem efetuados,  nesta sequência não terá aprovado a continuidade da obra por achar a igreja de dimensões demasiado pequenas demonstrando a intenção de alterar o projeto no sentido de o ampliar, estas informações terão sido passadas a D. Francisco Xavier de Menezes, 4º Conde da Ericeira, que em 1733 as registou no seu Diário.
Na sequência das obras do Convento de Mafra, as quais merecedoras de todas as atenções de D. João V, as obras da Igreja de Santa Engrácia abrandam, ficando completamente paradas entre 1741 e 1763, durante este longo período, foi neste momento que a Irmandade decide cobrir a igreja com a cúpula provisória, anteriormente referida, que se havia de manter até meados do século XX, quando o estado novo decide retomar as obras já com destino a Panteão Nacional.

Vista parcial da fachada principal do Panteão Nacional em obras, 1967
foto da Casa Fotográfica Garcia Nunes arquivo da AFCML.

Curiosamente o edifício resiste com sucesso ao terramoto de 1755, talvez o facto de não ter sido colocada ainda a cúpula, tenha contribuído para esse feito. Já no reinado de D. José, a obra é retomada, abandonando qualquer intenção de a ampliar, é nomeado para a inspeccionar um irmão do Marquês de Pombal, por esta altura a obra conta também com três grupo de mecenas, as Irmandades do Santíssimo, a dos Escravos do Santíssimo, a das Almas e da Esperança.

Vista parcial da capela-mor do Panteão Nacional
Foto do arquivo SIPA.

Por volta de 1816 são encomendados desenhos para os retábulos dos altares ao arquiteto Honorato José Correia de Macedo e Sá(1754-1827), que segundo Luís Gonzaga Pereira(1796-1868), historiador de monumentos sacros, eram apropriados e correspondiam à grandeza do espaço, contudo ainda que a execução destes se tenha iniciado, pouco provável uma vez que a colocação destes na igreja, obrigava a que esta já tivesse pelo menos a cobertura definitiva e que não era o caso, por outro lado o arquiteto acabaria por morrer poucos anos depois. Segundo o mesmo autor, por esta altura eram colocadas as peças de cantaria que até ao momento já se encontravam completamente lavras. 

Obras de conclusão da cúpula do Panteão Nacional, 1966
Foto da Casa Fotográfica Garcia Nunes,in  AFCML

Em 1834 na sequência da extinção das ordens religiosas, a igreja perde alguns dos seus principais mecenas, nomeadamente a Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento e no ano seguinte, o Culto da  Paróquia de Santa Engrácia.

Fábrica de Calçado Militar no Edifício de Santa Engrácia,1939
Foto do arquivo do Panteão Nacional.


Por várias gerações se questionou porque razão este edifício de tão esplêndidas formas, riqueza de materiais e uma localização tão favorável, com vista desafogada sobre o rio, não tivesse sido ainda concluído, sendo que possui potencial para rivalizar com o que de melhor existe na arquitetura europeia.

Obras no exterior do Panteão Nacional, c.1960
Foto do arquivo do Panteão Nacional.

A indignação popular aumenta quando em 1835 o inacabado templo é entregue  às instituições militares, tendo sido utilizada como quartel, depósito de materiais de guerra e fábrica de calçado do exército, sobretudo ao serviço da OGFC- Oficinas Gerais de Fardamento e Calçado,  que depois de 1910, com a elaboração de fardamentos para República viria a ganhar maior relevancia, como é referido por alguns autores como Pinho Leal. Esta decisão não terá sido do agrado dos paroquianos que há vários anos se têm desdobrado em esforços para levar as obras em diante, temendo que esta ocupação pudesse por em causa a sua continuidade. 


Diário do Governo de 29 de abril de 1916, Publicação da 
lei n.º 520 que atribui à Igreja de Santa Engrácia, a função de 
Panteão Nacional. Imagem obtida na página do Panteão Nacional.

Por decreto de 16 de junho de 1910, a Igreja de Santa Engrácia foi classificada como Monumento Nacional e poucos anos depois, a 29 de abril de 1916, é publicada a Lei n.º 520, determinando que a Igreja de Santa Engrácia seja adaptada a Panteão Nacional. O facto de o edifício se encontra ainda em construção, possuir uma arquitetura clássica utilizando os materiais mais nobres para a época, ainda que o espaço pudesse ser considerado pequeno, existia a possibilidade de construir uma cripta com alguma facilidade e de forma não muito dispendiosa. 

Decreto de 28 de setembro de 1836
Imagem obtida na página do Panteão Nacional.

Panteão é uma palavra de origem grega, formada por Pan(todos, inteiro) e Theós(Deus), na antiguidade clássica, o Panteão era o templo que os Gregos e Romanos consagravam aos deuses, ao longo dos anos foi criando uma conotação com o fúnebre ligada à sepultura de réis e altas entidades da igreja e nobreza. Já com a revolução francesa nasce um novo conceito de "Panteão" como o local consagrado à memória dos grandes homens da nação. Local onde são sepultados os restos mortais daqueles que mais engrandeceram a pátria, estadistas, intelectuais, artistas, desportistas, escritores, de entre outros. 

Obras no interior do Panteão Nacional, s/d
Foto do arquivo do Panteão Nacional.

Em Portugal, a necessidade da criação de um "Panteão Nacional" surge relativamente tarde, abordado pela primeira vez por Passos Manuel (Manuel da Silva Passos (1801-1862), um liberal que pretendia importar as ideias do liberalismo francês, que por decreto de 28 de setembro de 1836, oficializa essa necessidade.

Obras no interior do Panteão Nacional, janeiro de 1966
Foto do arquivo da AFCML

Também Ramalho Ortigão(1836-1915) se teceu em elogios ao valor artístico da obra, chamando-lhe "o mais belos dos nossos monumentos do século XVII". O mesmo escritor sugeria já que este edifício se destinasse a Panteão Nacional, devido ao carácter monumental e linhas severas que este entendia se adequarem para este fim. A planta em rotunda central com uma série de capelas existentes à sua volta, conferem por si só, a idealização da sua utilização para esse fim.

Feira da Ladra, ao fundo a fachada posterior da Igreja, c.1950
Foto do arquivo do Panteão Nacional.

A 8 e 26 de dezembro de 1934, são aprovadas as comissões para estudar as bases do concurso do projeto para adaptação da Santa Engrácia em Panteão Nacional, que num parecer diz "que pode Santa Engrácia ser realemnte adaptada a Panteão Nacional, desde que seja dotada com cripta e se realizem nas vizinhanças obras de urbanização que assegurem um acesso amplo". Desta comissão faziam parte Dr. João Pereira da Silva Dias (Diretor do Ensino Superior e das Belas Artes), Dr. Júlio Dantas(Presidente da Academia de Ciências de Lisboa e Inspetor das Bibliotecas e Arquivos Nacionais), Dr. Jo´se Figueiredo(Presidente da Academia de Belas Artes), Gustavo de Matos Sequeira(Arqueólogo), Luiz Pastor Macedo(Vereador da Câmara Municipal de Lisboa), Luiz Ribeiro Carvalhosa Cristina da Silva(Arquiteto e Professor na Escola de Belas Artes de Lisboa), Júlia César de Almeida e Sousa(Primeiro Oficial, Chefe da Secção do Ensino Artístico da Direção Geral do Ensino Superior e de Belas Artes, servindo de secretário, sem voto).

Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, durante as obras, 1966.
Arquivo da AFCML

Em 1956 foram tomadas medida efetivas para a recuperação e conclusão do edifício, considerando já as necessárias adaptações para a sua nova função. Todavia a cúpula parece ser ainda o aspeto de maior preocupação, novos estudos são pedidos a dez arquitetos, dos quais são destacadas as propostas de António Lino e de Luís Amoroso Lopes, tendo sido escolhido este último para prosseguir o desenvolvimento do trabalho, a partir das várias soluções encontradas.


Traçado da alçada principal do projeto de Amoroso Lopes, 1957
Diagrama da página oficial do Panteão Nacional.

Em 1962 as obras são retomadas, é colocada a cúpula do arquiteto Amoroso Lopes, este projeto viria a ser muito elogiado pelo engenheiro Edgar Cardoso, que também terá estado envolvido na execução do projeto.

Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, durante as obras, 1966.
Foto partilhada pelo arquiteto António Pires em 2013

Quando António Oliveira Salazar visitou o monumento, em 1964, decide quebrar a superstição da construção infindável da obra, ordenando que a mesma deveria ser concluída no prazo máximo de dois anos.

Imagem de Santa Engrácia na fachada do PN
Foto do arquivo da DGPC.

Outros elementos artísticos e decorativos preenchem os espaços vazios, até 1966, data da conclusão da obra, as estátuas de Santa Engrácia, de Santa Isabel, de Nuno Álvares Pereira, de Santo António, de São João de Brito, de São João de Deus e de São Teotónio, todas do escultor António Duarte Silva Santos(1912-1998), são colocadas nos seus lugares.

Panteão Nacional/Igreja de Santa Engrácia, 1967.
Foto Casa Fotográfica Garcia Nunes, Arquivo Municipal de Lisboa.

A inauguração do monumento em 1966, contou com a presença do Presidente do Concelho, António Oliveira Salazar, esta data, por coincidir com com as comemorações do Quadragésimo Aniversário do regime, numa altura particularmente difícil, importava mostrar aos portugueses e ao mundo como o Estado Novo tinha força para destruir mitos de incapacidade. A inauguração contou com uma missa celebrada pelo Cardeal Cerejeira.

Arca tumular de Teófilo Braga, Sala 3 do Panteão Nacional
Foto do arquivo da DGPC.

Ainda no mesmo ano, no início do mês de dezembro, numa cerimónia solene, são transladados os corpos do escritor Almeida Garrett(1799-1854), o politico e escritor Guerra Junqueiro(1850-1923), poeta João de Deus(1830-1895), governante Óscar Carmona(1869-1951), governante Sidónio Pais(1872-1918) e o poeta Teófilo Braga (1843-1924).

Planta da destruição dos túmulos pelas salas do Panteão Nacional
Diagrama da página oficial do Panteão Nacional.
  

Já depois de ter entrado em funções como Panteão Nacional, foi publicado o Decreto n.º 251/70, DG, 1.ª série, n.º 129 de 1970, no qual a Igreja de Santa Engrácia classificado como Monumento Nacional desde 1910, é também o monumento oficial do Panteão Nacional, esta distinção oficial pretendeu estabelecer uma diferenciação pois, em Portugal, hoje, este estatuto de Panteão Nacional é também atribuído, sem prejuízo da prática do culto religioso, ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, e ao Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra.

Arca tumular de Humberto Delgado, Sala 2 do Panteão Nacional
Foto extraída da página do facebook Panteão Nacional.

Simbolicamente a 5 de 1990, os restos do General Humberto Delgado(1906-1965) são transladado para o Panteão, inaugurando a sala 2,  sala do Marechal Humberto Delgado.


 Fachada principal do Panteão Nacional
Foto do arquivo da DGPC.

Na sequência da intenção de atribuir honras de Panteão a Amália Rodrigues, as honras do Panteão Nacional são redefinidas, segundo a Lei n.º 28 de 29 de novembro de 2000, "as honras do Panteão destinam-se a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade." deferindo ainda que estas honras podem ser contempladas existencialmente por duas formas, "deposição no Panteão Nacional dos restos mortais dos cidadãos distinguidos" ou "afixação no Panteão Nacional da lápide alusiva à sua vida e à sua obra".

Capelas laterais, cenotáfios, Panteão Nacional 
Foto do arquivo da DGPC.

Com efeito o Panteão Nacional abriga nas galerias laterais do corpo central do edifício, os cenotáfios de heróis da História de Portugal, memoriais fúnebres erguidos para homenagear grandes heróis da pátria, cujos restos mortais se encontrem noutro local ou em parte incerta. Neste local encontram-se os cenotáfios do Santo Condestável D. Nuno Álvares Pereira(1360-1441), o navegador Infante D. Henrique(1394-1460), o navegador Pedro Álvares Cabral(1467-1520),  o militar e governante colonial Afonso de Albuquerque(1453-1515), o grande poeta Luís de Camões(1524/5-1580) e o navegador Vasco da Gama(1469-1524).

Arca tumular de Manuel de Arriaga, Sala 1 do Panteão Nacional
Foto extraída da página do facebook Filipa Potier.

Na sequência das alterações no regulamento de "Honras de Panteão" a 8 de julho de 2001, os restos mortais de Amália Rodrigues, são transladados do Cemitério dos Prazeres para a sala 1, também conhecida como sala da Língua Portuguesa.

Arca tumular de Manuel de Arriaga, Sala 3 do Panteão Nacional
Foto extraída da página do facebook Panteão Nacional.

A 16 de setembro de 2004, a trasladação dos restos mortais do primeiro presidente da República, Dr. Manuel de Arriaga, é efetuada para a sala 3, ou sala dos estadistas.

Arca tumular de Aquilino Ribeiro, Sala 2 do Panteão Nacional
Foto extraída da página do facebook Panteão Nacional.

A 19 de setembro de 2007, a transladação do corpo do escritor Aquilino Ribeiro para a sala 2 ou sala do Marchar Humberto Delgado, como cada sala tem a capacidade de acolher apenas quatro túmulos e a sala da língua portuguesa já se encontra lutada. A dimensão da nossa língua é medida também no numero de grandes portugueses que a propagaram e a propagam.

Retrato de Manuel da Silva Passos
Arquivo do wikipedia.

Em 2011 é solicitada a transladação dos corpos de Passos Manuel(1801-1862), o primeiro impulsionador da criação de um Panteão Nacional e do compositor Marcos Portugal(1762-1830), todavia este pedido não é aceite devido a restrições orçamentais, época de TROIKA em Portugal.


Cerimónia da transladação do corpo de Sophia de Mello Breyner, 2004.
Foto do arquivo do Correio da Manhã.

Em 2014 a Assembleia da República comunicou a intenção de transladar o corpo de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) no Cemitério da Caridade, para o Panteão Nacional,  por unanimidade de todo o parlamento a cerimónia da transladação acontece logo a 2 de julho do mesmo ano, no décimo aniversário da sua morte, seu corpo repousa hoje na sala 2 ou sala do Marchar Humberto Delgado.

Arca tumular de Eusébio da Silva, Sala 2 do Panteão Nacional
Foto extraída da página do facebook "Eusébio".

Em 2015 o mesmo acontece com os restos morais do futebolista Eusébio da Silva Ferreira (1942 - 2014), que a 3 de julho desse ano são transladados também para a mesma sala.


Postal Comemorativo do Centenário Do Panteão Nacional
Bilhete Postal dos CTT Portugal, 2016, postais em: delcamp.net

Em 2016, assinalam-se 
os 100 anos da escolha da Igreja de Santa Engrácia para Panteão Nacional, os 50 anos da sua inauguração e os 180 anos em que, através de Decreto de Passos Manuel, se expressa pela primeira vez a necessidade de criação de um Panteão Nacional.

Galeria lateral dos cenotáfios, corpo principal do Panteão Nacional
Foto do arquivo da SIPA.

Um dos aspetos que preocupa a gestão dos espaços é a sua reduzida disponibilidade de acolher mais túmulos e nessa sequência, em 2016, a deposição no panteão nacional dos restos mortais dos cidadãos distinguidos passa a só poder ocorrer 20 anos após a sua morte, enquanto a afixação de lápide alusiva à sua vida e à sua obra pode realizar-se cinco anos após a morte. É concedido o estatuto de Panteão Nacional ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha.

Exposição «Reis e Heróis – Os Panteões em Portugal»
 Panteão Nacional celebra três aniversários, aqui.

Entre 13 de dezembro de 2016 e 1 de maio de 2017, o Panteão Nacional acolheu uma exposição "Reis e Heróis – Os Panteões em Portugal”. A exposição contempla várias peças emblemáticas, revestidas de valor histórico, simbólico e artístico, alusivas às personalidades integradas nos vários Panteões. A iniciativa, viria a revelar-se bastante positiva no sentido de abordar os diferentes locais que ao longo do tempo foram escolhidos para Panteões, principalmente numa altura em que o estatuto de Panteão acaba de ser reposto a outros monumentos.

Mário Alberto Nobre Lopes Soares (1924-2017)

A 6 de julho de 2018, os líderes parlamentares do PSD, Fernando Negrão, e do PS, Carlos César, assinam um projeto de resolução para que sejam concedidas honras de Panteão Nacional ao antigo Presidente da República e primeiro-ministro Mário Soares. Logo em agosto, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) num comunicado, defendeu que os restos mortais do músico José Afonso, “uma das figuras mais marcantes da história da vida cultural e artística portuguesa”, devem ser trasladados para o Panteão Nacional.


Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches (1885-1954)

Também Aristides de Sousa Mendes tem sido promovido quer pelos populares, quer por órgãos políticos para Honras de Panteão, em 2014 foi iniciada uma petição online para este fim, atualmente (abril de 2019) a petição ronda as 2.100 assinaturas. Também José Jorge Letria, escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, ou Rui Tavares, historiador e político, têm sido das figuras públicas que mais têm trazido esta questão ao debate público. 

Vista panorâmica do Panteão Nacional
Foto do arquivo TVI24.

Com efeito, não se compreende muito bem como um país tão antigo como é Portugal e com uma história tão rica, cheia de venturas e feitos heróicos, só em pleno século XX, institui um Panteão Nacional, sendo certo que a honra às memórias das grandes personalidades, como o foram, os representantes das quatro dinastias que definiram e governaram este país durante séculos, foi reconhecida muito no seguimento do que também acontecia um pouco por toda a Europa, assegurando em vida a construção a seu gosto dos grandes túmulos com indicações precisadas do local onde pretendiam que fossem colocados. Também os nobres e as mais altas figuras da igreja, tiveram direito a túmulos e sepulturas de destaque, determinação conferida pela sua posição social, o mesmo não acontecia com outras figuras como escritores, navegadores e militares cujo reconhecimento  não conferiu estatuto social suficiente que permitisse perpetuar a sua memória em merecidos monumentos tumulares. 

Corografia Portuguesa e descrição topográfica do famoso reino 
de Portugal. Crónicas do Padre António Carvalho da Costa 
Tomo III, Lisboa, 1712. Arquivo Biblioteca Nacional Portuguesa

Associada à demora da sua conclusão, está a expressão muito popular "Obras de Santa Engrácia", utilizada para caracterizar a lentidão na execução de uma tarefa que teve origem nesta construção.
Outra expressão também associada ao prolongamento das obras da igreja, sem fim à vista, mas talvez menos conhecida "É tão certo eu morrer inocente, como estas obras nunca mais acabarem!", nos registos de Antanho de 15 de janeiro de 1630, há referencia a um "Desacato de Santa Engrácia" que envolveu um jovem, Simão Pires, um cristão novo. A primeira igreja havia sido assaltada e consequentemente profanada, tendo desaparecido o sacrário e outros utensílios sacros, Simão Pires de Solis, foi considerado suspeito por ter sido visto próximo ao local e com atitudes suspeitas, declarado culpado foi condenado à morte na figueira pelo Tribunal do Santo Ofício. Costa-se que antes de ter sido condenado, ao passar em frente à Igreja de Santa Engrácia, que se encontrava já em construção, lançou a maldição que "é tão certo eu morrer inocente como essas obras nunca mais acabarem!". Com efeito o jovem estava de facto inocente uma vez que o verdadeiro ladrão foi capturado mais tarde em Ourense, Espanha, um antigo criado dos frades de Santo Elói, que condenado à morte por outro crime, havia confessado também este. Uma investigação foi levantada sobre o propósito das frequentes visitas noturnas de Simão ao local a quando do roubo, constatando-se que estava apaixonado por uma jovem fidalga de seu nome Violante, freira no Convento de Santa Clara, ali perto. Por viverem um amor proibido, planeavam fugir juntos e por este facto negou-se a contar a verdade para não por em causa a reputação da donzela.


Fontes:

"Olisipo" - Boletim do "Amigos de Grupo Lisboa", Anno VII, N.º 28, outubro de 1944;
Direção geral do Património Cultura, Texto de Rosário Carvalho;
Sistema de Informação Para o PAtrimónio Arqitetónico, texto de Albertina Belo 1993 e Cecília Matias 1999;
pt.wikipedia.org;
panteaonacional.gov.pt;

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