domingo, 24 de fevereiro de 2019

Café Cine-Teatro Águia d'Ouro e Clube Fenianos Portuense

Clube Fenianos e Teatro Águia d' Ouro, 1905, veio a dar lugar ao Moov Hotel Porto Centro; 
Postal n. 1, Série Carnaval de 1905, Editor Fotografia Guedes Minha Coleção

A tradição arquitetónica dos teatros do Porto remonta aos finais do século XVIII com a inauguração do Teatro do Corpo da Guarda, sala improvisada de 1762, ou o  primeiro Teatro São João inaugurado em 1798, a apratir daqui, foram-se verificando sucessivas alterações urbana e arquitetónicas, como consequência da necessidade de resposta à evolução desta arte de espetáculo.


Real Theatro de S. João - Porto, 1904. veio a dar lugar ao Novo Teatro Nacional de S. João; 
Portal, n. 241, da Série Geral, Editor Arnaldo Soares, Minha Coleção

Hoje existem no Porto, gerações sucessivas de teatros, de cineteatros, de salas mais ou menos adaptadas onde se faz teatro, mas também de edifícios que foram teatro e já não o são, ou que nunca o foram na origem mas agora servem também de sala de espetáculo musical ou teatral. 

Fachada do Moov Hotel Porto Centro; Foto In hotelmoov.com, s/d.

Exemplo flagrante dessa "reconversão" é o antigo edifício Águia d’Ouro, hoje transformado em hotel, mas com o mérito de o restauro manter em excelentes condições a impressionante fachada arte nova, correspondente à segunda fachada que o edifício viria a ter posteriormente.


Inicio da Rua Santo Ildefonso, Igreja à esquerda e o edifício Águia d'Ouro a direita. s/d

A construção do edifício  é anterior a 27 de janeiro de  1839, data da inauguração do Café Águia D'Ouro. Localizado no antigo largo de Santo Ildefonso, hoje Praça da Batalha, a inauguração anunciada no Jornal de crítica da época,  o "Athleta", de 24 de janeiro de 1839, dizia o seguinte: “Domingo 27 do corrente mez de Janeiro, no Largo de Santo Ildefonso, se abre o novo café da Águia, ao gosto moderno, onde haverá diversas bebidas com bons serviços, e Neve na estação competente. Na mesma casa há todos os dias Gelatina de mão de Vitella e raspa de veado, própria para doentes e melhor para sãos". 

Porto - Praça da Batalha; Postal G.N. n.º 1006, Carte Postale
Union Postale Universelle; Data n/i, In delcampe.net

Fundado por Luís Ferreira de Carvalho, foi seu proprietário até junho de 1904, data em que passa a ser administrado pelos antigos funcionários Alberto Joaquim e Manuel Ventura Vieira de Mesquita. Em março desse mesmo ano,  instala-se no edifício o recém fundado "Club Fenianos Portuenses", donde se fixaria até 1935.




Este café estabelecido no rés-do-chão, numa sala ao nível da rua com mesas de bilhar e a hospedaria no primeiro andar que  recebia sobre tudo rapaziada que se reunia frequentemente em jantaradas animadas. 


Este café foi um dos pontos da cidade do Porto, frequentado por personalidades da literatura, da política e das artes, sobretudo na depois na segunda metade do século XIX, de entre as personalidades mais célebres a frequentar o espaço esteve Camilo Castelo Branco, após o encerramento do Café Guichard, Antero de Quental, Arnaldo Gama, Borges de Avelar, Coelho Lousada, Delfim Maia, Guilherme Braga, Júlio Dantas, para além do próprio Júlio Dinis e Cruz Caldas um ilustre artista que viria a colaborar com o Club Fenianos Portuenses, nas atividades promovidas por este na cidade do Porto.

Cartão de Livre-trânsito para o Exmo. Sr. Cruz Caldas (1966 - 2009),
Teatro Águia D'Ouro, válido para os anos 1925-1926, AMP.

No caso de Camilo Castelo Branco no tempo em que morava no Porto, na Rua de S. Lázaro, ia quase todas as tardes para o antigo e afamado botequim da Águia d’Ouro jogar o dominó, quando não ia para o café das Hortas.



Este lugar esteve na origem de muitos mudanças sociais, desde logo a emancipação feminina pois terá sido o primeiro lugar frequentado por mulheres em que lhes era permitido fumar em público. 


Assuntos ligados à política, literatura, jornalismo e arte, eram frequentemente abordados nas mesas deste café, toda e qualquer questão publicada que agitasse a ordem do dia e a alma nacional.  Alguns conhecidos movimentos tiveram origem neste lugar.


Provavelmente  a presença das tais ilustres  figuras se tenha verificado sobre tudo, apartir de junho de 1899, com a Inauguração do teatro Águia D'Ouro, cuja porta ao lado do café dava acesso a sala de espetáculos, por onde passavam também outros artistas.

Publicidade Cinema Águia d’Ouro
ao filme/documentário da escalada,
publicidade a uma bolacha do Porto,
1917, in cinemasdoporto.com.

Recorte "Voz Pública"de 16 de maio de 1900.

Recorte"Voz Pública"de 14 de junho de 1900.


Gravuras do interior do Theátro Águia d'Ouro, 1901


Em 1908, Sousa Bastos, no clássico e na época "Diccionário do Theatro Português" escreveu sobre o Teatro Águia de Ouro: "Tem 60 camarotes em duas ordens e duas frisas; 600 lugares de plateia e 350 de galeria”.

10 de Julho de 1904

Em 1908, esta velha casa abre-se também ao cinema. A novidade era o “cronomegaphone”, considerado “o mais moderno aperfeiçoamento do cinematógrafo falante”, não sendo cinema sonoro, já que este só apareceu 20 anos mais tarde. Ainda em Agosto de 1907, chegará a estrear o “Cynematographo Edison”, sendo o espectáculo dividido em três partes e visto com um só bilhete.


Fachada do Teatro com anúncio do espetáculo "Chang".na fachada ao lado uma faixa com a 
seguinte informação: "Brevemente reabertura com novos bilhares". ;  No lado esquerdo da imagem
 está o edificio da cervejaria Chic. Foto de 1934, Autor n/i, AMP.

No "Diccionário do Theatro Português"  de 1908, Sousa Bastos, refere ainda outra funcionalidade do teatro, evidenciado a capacidade de adaptação que este comportava ao transformar a sala para acolher espetáculos de circo.


Também funcionou como teatro de ópera, como o atesta designadamente uma placa alusiva à representação da “Tosca” em 4 de março de 1911. E vemos ainda outra placa, esta de homenagem a Ângela Pinto, em 10 de Setembro de 1913.

Edifício Águia d'Ouro com a sua nova fachada "Art Deéco", coroado com o primeiro reclame 
publicitário. Foto de 1935, autor n/i.

Projeto com traçados da fachada principal, 1928.

Projeto com traçados da fachada principal, 1928.

Cine Águia nos anos de 1970, autor n/i.

Em 1926, a "Sociedade nacional de projecção, Lda."(da familia Neves & Pascaud, que mantinha o monopólio cinematográfico da cidade do porto) proprietária do "Águia d'Ouro", encomenda o projeto da fachada e remodelação dos seus interiores, e, em 7 de fevereiro de 1931, apresentando a nova fachada em estilo "Art Deéco" - a atual- a encimar a fachada da entrada,  encontrava-se um placar publicitário com a expressão AGUIA D’OURO CINEMA, mais tarde substituído por CINE AGUIA. e sustentando no seu pórtico o símbolo do seu nome, uma águia de ouro.

Projeto com traçados da porta principal, com a águia sobre o pórtico, 1928.

Foto da águia "derrubada" encabeçando o pórtico do Cine Águia.
Data e autor n/i, in aprenderporto.com.

A nova fachada apresentava a mesma configuração dos três pisos, alterando-se, todavia, a sua plasticidade. 

Publicidade às novas instalações do café Águia d'ouro, 11 de Janeiro de 1934

O café, no piso térreo, manteve-se, mas a hospedaria do primeiro piso deu lugar a um salão de bilhares e outros jogos – os chamados jogos lícitos. O Teatro e Cinema mantiveram-se no segundo piso do edifício. 

Edifício Águia d'Ouro com a sua nova fachada "Art Deéco", coroado com o primeiro reclame 
publicitário. Ao lado direito na foto, o primitivo "Cinema Batalha". Foto de 1931, autor n/i.

O primeiro dos dois, a encimar o café, passou a ser detentor de quatro vãos de iluminação envidraçados e com molduras preciosamente ornamentadas e o segundo manteve as seis janelas de sacada, mas desta vez em serliana, com molduras ornamentadas.

Programa do Cine Águia, Data de 193?, in AMP.

Mas foi a 15 de Setembro de 1930, a verdadeira inauguração com o cinema sonoro do filme “All That Jazz”, com Al Joson.

Bilhete para assistir a um espectáculo custa o mesmo que uma revista.
Data de 1930, in delcampe.net.  

Os preços, para a altura, eram bastantes económicos. Cadeiras 100 réis e galerias a 50 réis.

Programação do Cinema Águia d'Ouro,
Outubro de 1930, In cinemasdoporto.com

Cine Águia nos anos de 1964-1965, autor n/i.

Projeto com traçados da disposição da sala e bancadas, 1928.

Projeto com traçados da disposição da sala e bancadas, 1928.

Projeto com traçados da disposição da sala e bancadas, 1928.

Projeto com traçados da disposição da sala e bancadas, 1928.

O Águia seria, então, uma das melhores salas do Porto.

Edifício Águia d'Ouro com a sua nova fachada "Art Deéco",
coroado com o segundo reclame publicitário.
Ao centro, a demolição do antigo "Cinema Batalha".
Foto de 193?, autor n/i.

Até 1947, antes da construção do atual edificio do Cinema Batalha, cujo nome já pertence ao numero dessa rua desde 1913, mas foi em 1908 que o então Cinema High Life, se mudou da Cordoaria, onde esteve "provisoriamente" dois anos, desde o aparecimento do cinema no Porto, em recinto fechado. durante  dois anos: em 29 de Fevereiro de 1908 assentou arraiais na Praça da Batalha, juntando mais uma palavra — «Novo» — ao seu já prestigiado nome. Nessa época, a cidade do Porto assistiu ao aparecimento de novas salas dedicadas à arte do cinema (Cine Foz, Cinema Éden, Salão Trindade, Salão Jardim Passos Manuel, Olympia, etc.), como também assistiu à passagem de cinema em vários espaços teatrais (Águia D'Ouro,  Rivoli, Carlos Alberto e Sá da Bandeira) e nos maiores armazéns comerciais.

Fachada do Cine Águia em ruína, Foto de 2008, autor n/i.

Essa tradição de cineteatro e mesmo de ópera, manter-se-ia no antigo Águia d’Ouro, até que em 1989, fechou portas e desistiu  dos espetáculos. Nessa altura já o café havia fechado as portas, há mais de uma década, 1978,  e a ausência de espectadores nas salas de cinema traçou o destino do teatro.

Fachada do Águia d'Ouro em ruínas. Foto de 2007, partilhada em skyscrapercity.com.

Foi comprada pela Solverede - Sociedade e investimentos Turísticos da Costa Verde, S.A." com o intuito de abrir um bingo, tal como aconteceu ao "Olympia" na Rua Passos Manuel. O projeto viria a ser reprovado pela Câmara, e o espaço ficou ao abandono até 2006.

Reclame publicitário do Cine Águia, Foto de Carla Cruz, 2006

Foram várias as tentativas de devolução do espaço, enquanto centro de cultura, à cidade do Porto. Em 2006, após o restauro parcial do Cinema Batalha, foi muita a especulação sobre a reabertura do Águia D’Ouro. Na Internet, surgiu uma petição, dirigida ao presidente da Câmara, Rui Rio, que pedia uma solução para o cinema que corria “o risco de desaparecer, dado ao seu elevado estado de degradação”. “Salvem o Águia D’Ouro e abram o Cinema Batalha”, exigia-se.

Vendido em 2009 por três milhoes de euros, ao grupo textil portugues, "Endutex - revestiemntos texteis, S.A." sediado em Santo Tirso.

Demolições do interior do edifício do Águia d'Ouro, Foto de Carlos Romão, 2009.

Demolições do interior do edifício do Águia d'Ouro, Foto de Carlos Romão, 2009.

Demolições do interior do edifício do Águia d'Ouro, Foto de Carlos Romão, 2009.

Demolições do interior do edifício do Águia d'Ouro, Foto de Carlos Romão, 2009.

Demolições do interior do Cinema-teatro "Águia d'Ouro" em 2009.

Fachada do antigo Águia d'Ouro, adaptado ao novo hotel, Moov Hotel Porto
Centro. Foto de 2017, inportotasty.com.

Do Cinema-Teatro resta a esplandorosa fachada. Mas mais alguma coisa - e sobretudo, a memória urbana, desde logo, na parede, placas recuperadas assinalando espetáculos “memoráveis” para a época, onde o espírito do cinema continua vivo.…

Apontamentos da história do Cine Águia, presentes na decoração do Moov
Hotel Porto Centro,Foto atual, in hotelmoov.com.

Apontamentos da história do Cine Águia, presentes na decoração do Moov
Hotel Porto Centro,Foto atual, in hotelmoov.com.

Apontamentos da história do Cine Águia, presentes na decoração do Moov
Hotel Porto Centro,Foto atual, in hotelmoov.com.

Mas também um arquivo fotográfico que recorda a harmonia da sala à italiana, com as frisas e camarotes antes das primeiras obras e fotografias da fachada, marcante na beleza estilística e decorativa, mas num estado de conservação duvidoso: felizmente, nas obras de restauro e adaptação a hotel, houve o bom senso e bom gosto de recuperar o esplendor e rigor estilístico do edifício, hoje notável no ponto de vista arquitetónico.

Perspetiva da fachada do Moov Hotel Porto Centro, Foto atual, in hotelmoov.com

Curiosamente , depois de ter começado como Hospedaria, o edificio alberga, desde 2011, o "Moov Hotel Porto Centro" - anteriormente "B&B hotel" - com 120 quartos cujo projeto de remodelação e adaptação a hotel e restauro do exterior da fachada foi da responsabilidade dos arquitetos Nelson de Almeida e rosário Rodrigues, da firma FAA Arquitectos", continuando propriedade do grupo textil portugues , "Endutex - revestiemntos texteis, S.A." .

FONTES:

Sites municipais culturais;
Boletins Informativos de arquivo digital, municipal e nacional.

Sem comentários:

Enviar um comentário