Fachada da Ruína da Igreja do Convento de S. Francisco
Rua e Caria, hoje duas freguesias do Concelho de Moimenta da Beira, mas nem sempre assim foi, já foram a mesma, exerceram domínio uma sobre outra e agora independentes entre si, pareço falar-vos de relacionamentos interpessoais.. mas o que é a gestão das povoações se não a vontade, relações e interesses de pessoas?
Designada como Vila de Rua, chegou a ser cabeça do concelho de Caria (ou Caria e Rua), formado em 1512, por foral de D. Manuel. Em 1527, o Cadastro da População do Reino refere que a sede concelhia está em Caria, mas na segunda metade da centúria regressa a Rua. O concelho foi extinto em 1855, data em que passou para o concelho de Sernancelhe, sendo anexo ao de Moimenta da Beira por Decreto de 21 de Maio de 1896. Era priorado da apresentação do ordinário e passou mais tarde a abadia, sendo a sua sede na antiga vila de Caria de Jusã, hoje Vila da Rua. Diocese de Lamego.
Igreja Matriz de Moimenta da Beira
Também Moimenta da Beira, se terá fixado outrora, em coordenadas geográficas divergentes das que ocupa hoje em dia, sim, crê-se que Moimenta tivesse existido entre Baldos e Fornos, duas das suas freguesias, onde se teria erguido uma igreja que mais tarde foi trazida para o local onde hoje está edificada, este habito de transferir edifícios “pedra a pedra” é mais comum do que possamos pensar e em épocas também muito variadas.
Por vezes, nas localidades mais pequenas e relativamente interiores, a Igreja Matriz acaba por ser um ex-libris fazendo uma população e talvez mais tarde afamada, como foi o caso de Moimenta da Beira. Contudo, foi difícil reconstruir um esquema urbanístico da Igreja Matriz, tal como era há mais de 150 anos. O altar-mor foi construído tal como a tribuna, não coincidindo com a estética anterior, vindo por isso um especialista de Braga para a reconstrução fidedigna. Em 1932 foi construída a torre, que abrigou os sinos do Convento de São Francisco.
Torre Sineira da Ruína da Igreja do Convento de S. Francisco
A imagem de São João, o padroeiro da vila, foi para Braga para substituição da cabeça, porque assim quis a população. O adro da igreja, fora do normal, serve de cemitério, tendo sido construído três anos antes de Moimenta pedir o convento para a sua igreja.
Basta juntar vários episódios semelhantes, para perceber como o Convento de S. Francisco chega aos dias de hoje na afirmação de uma “imponente” ruína.
Fonte de S. Francisco e Igreja Matriz da Rua
O Convento da Ordem Terceira de São Francisco terá sido construído no século XV. Existe uma Bula de Fundação do convento concedida pelo Papa Eugénio IV que data de 1443.
Na origem da sua fundação, está uma lenda que diz ter sido sobre a fonte que S. Francisco, um pobre de Assis, profetizou, numa das suas caminhadas a Santiago de Compostela, que aí haveria de ser construído um convento em honra dos seus irmãos Franciscanos. E assim foi. Com a construção do convento, essa fonte terá sido deslocada para o adro da Igreja Matriz da Rua, onde existe também um pequeno coreto.
A Rota “francesa” de Santiago, cruzando o norte da Espanha, passava a fronteira em Escarigo, seguindo para Trancoso, e depois para Norte, passando justamente por Moimenta da Beira, a caminho de Lamego. Uma tradição local pretende mesmo que a futura fundação do Convento de São Francisco de Rua tenha sido profetizada pelo santo, que aí passara em peregrinação a caminho de Compostela.
Pelourinho da Rua, que juntamente com a habitação e pátio,
foram escolhidos como representantes modelo da “Casa Beirã”
Esta representa a existência da ordem franciscana na região e a monumentalidade da freguesia, nomeadamente no Pelourinho da Rua de arquitetura manuelina, um belo exemplar, onde a presença de vieiras parece sugerir uma alusão ao Caminho de Santiago de Compostela.
O Convento foi um dos primeiros a ser fundado da Ordem Terceira Secular em Portugal, com uma pequena igreja, campanário e dormitórios. Neste local passaram a realizar-se celebrações litúrgicas e atividades ligadas à igreja.
Monumento Homenagem a Manuel A.C. Campos e Maria de Sá
Campos, pais do antigo Senhores desta Quinta, Amândio Campos
Eram os frades que ali viviam que sacrificavam as suas vidas em prol dos pobres, dos desamparados, durante séculosa até as reformas liberais.
Era, também, o lugar preferido para último repouso das famílias principais, a que nem sempre reagiu com agrado o reitor da paróquia ruense. Pouco se sabe acerca dos quantitativos da comunidade franciscana de Caria. Neste particular, sabe-se apenas que em 1587 o abade de Alcobaça, frei Guilherme da Paixão, visitou a Terceira Ordem de S. Francisco, encontrando no convento de Caria 17 frades.
A ordem foi extinto em 1834 e adquirido por Amândio Campos em 1919 a Margarida Nápoles Alpoim, sem um projeto expecifico para todos os edifícios da quinta, de exploração agrícola, é na arte sacra que se inicia uma pilhagem das suas pertenças que culmina com o inicio da sua gradual degradação.
Aquilino Ribeiro (1885-1963)
Esta Quinta serviu de cenário a uma obra e ficção de Aquilino Ribeiro (A Via Sinuosa). Na Casa de Aquilino, existe um quadro alusivo às ruínas do Convento, assim como pinturas, esculturas alusivas, em alguns casos, a São Francisco e a outros Franciscanos.
Aquilino Gomes Ribeiro(1885-1963), natural do Carregal da Tabosa, Concelho de Sernancelhe, filho de um padre e de uma camponesa, preso acusado de “anarquismo”, estuda em París na faculdade de letras, não termina a licenciatura, regressou derivado a problemas relacionados com a Guerra Mundia, lecionou mas é na escrita que se destaca, considerado por alguns como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Iniciou a sua obra em 1907 com o folhetim “A Filha do Jardineiro” e depois 1913 com os contos de Jardim das Tormentas e com o romance A Via Sinuosa, 1918, e mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos, publicados com regularidade e êxito junto do público e da crítica.
Miradouro da Quinta
Descrita por Aquilino como num dos ex-libris das também por ele batizadas “Terras do Demo” o Convento de S. Francisco localiza-se num dos dois extremos mais altos da encosta que circunscreve a quinta, na outra extremidade um colossal miradouro, que justifica qualquer exagero ficcionário da narrativa literária que o escritor lhe inspirou.
Fachada da Ruína da Igreja do Convento de S. Francisco.
Reminencias criativas à parte, as fotos que acompanham esta tentativa de narração histórica, pretendem transcrever, quanto seja possível, a beleza que ainda descreve cada recanto do lugar.
Pormenores do jardim da quinta
“Atravessada a quinta por esta via, reclina-se suavemente pela encosta, numa compilação florística, hoje muito diferente do que já foi. Arvoredos verdejantes e floridos com matagais, em doces emanações de frescura que as águas brotam e deslizam a seus pés, e leiras fecundas onde outrora cresciam mimos pujantes e hortas viçosas. Bonita e bem lavada de ares constantes, esta é uma quinta de quietude patriarcal, de viver provinciano. O pronunciado declive tem um pico, onde se ergue altaneiro e senhoril um miradouro, que olha das alturas a líquida fita coleante que se alonga por entre alcantis agrestes e prados verdejantes. Daí lobrigam-se sem fusco, serranias churras, pinheirais, cristas pedregosas e ainda vários povoados.”
Capela da Quinta.
“Olhando em redor aprisionam-se os sentidos e por ali ficamos, estáticos, como sôfregos na retrinca. Cada recanto de feição rural revela a ancianidade do local. Olhar para estas aguarelas com olhos de ver, é viajar por várias dimensões e rememorar as idades esquecidas, os legados que ainda não findaram. “
Tanque e fonte do jardim da Quinta.
O espaço é bastante generoso e arquitetónica diversificado, embora não possa precisar a construção de cada uma da estruturas, é certo que não foram todas edificadas nas mesmas épocas, além do convento, com duas estruturas físicas, a igreja e casa residencial dos frades, ambos em ruínas, proliferam ainda distribuídos funcionalmente por este espaço fértil, um solar, o Paço dos Bulários com vários anexos transformados em Escola Profissional Tecnológica e Agrária, além de um belíssimo tanque, algumas fonte, um pombal a capela de Nossa Senhora da Conceição, e vários outros apontamentos menores na sua dimensão, mas não em importância, vários arcos, escadas, varandas cuja seus contornos caracterizam os jardins e a distribuição arvorica.
Pormenores do jardim da quinta.
“Louçainho de ricos pormenores de antanho que o mugre fétido parasitamente procura elidir, possidente, o convento encontra-se, hoje, em sepultura de vala aberta. O esqueleto que dele resta está apossado da sôfrega natureza, rubuste milhafre que o abocanha e suga. Sem suficiência, porém, para esconder ricos pormenores de antanho que a incúria do tempo e dos homens não conseguiu letificamente fazer ruir. Da igreja avulta, de nariz arrebitado, altaneira e senhoril, uma torre sineira de três secções verticais que se elevam da base através de colunas de pedraria uniformemente talhada, que suportam o peso de todo o conjunto.”
Fachada da Ruína da Igreja do Convento de S. Francisco.
“Com janelas circunferenciais e quadrangulares de pequena bordadura granítica exterior, destinadas à luminescência, sobressai o derradeiro elemento seccional, cimeiro, ligeiramente mais estreito, como aquele que mais ornatos permite esquadrinhar. Os quatro cunhais de pilastras quadrangulares, onde convergem as paredes deste elemento seccional quadrifacetado, terminam em jeito de capitel onde assentam quatro lintéis que servem de base ao telhado de cujos vértices saem quatro gárgulas em forma de corneta. Cada uma das faces desta torre possui quatro aberturas em janela pronunciada de onde se vislumbravam e irradiava a equissonância de sineiras composições.”
Pormenor da porta principal da Ruína da Igreja do Convento de S. Francisco.
“O resto da igreja apresenta-se sob duas faces. A do meio, contígua à torre, assume a centralidade do edifício. A reentrância do portal de ampla quadratura inicia-se com arco de três arestas ladeado de cunhais encimados de remate. Segue-se uma portentosa janela rectangular com bordadura exterior, como todas as outras do edifício, por onde se fazia a iluminação do interior. Ombreia com duas outras, igualmente de traçado rectangular mas com menor área, que estreitecem para dentro, isto é, com traçado oblíquo na espessura da parede em jeito de lancis de quebra-luz. Termina o conjunto em telhado triangular de face ornada com arco semi circunferencial a guardar nicho granítico de traçado esbéltico, assente em base saliente e suportado por pequenas colunas de base fuste e capitel, destinado, por certo, ao patrono. A outra face, no cerne de dois poderosos cunhais, autênticas longarinas, comporta um portal robusto, de menor área do que o anterior, em conjunto quadrangular encimado de janela circunferencial elevada a cerca de 6 metros.”
Citações do meu conterrâneo e também contemporâneo de Escola Dr. Joaquim Dias Rebelo (Homenagem a titulo “Pretumo”), Dr. Jaime Gouveia em “A História da Nossa Terra”, 30 de março de 2013.
Ruína da fachada da Casa dos Frades da Ordem Terceira de São Francisco.
Em completo abandono, restam apenas as ruínas da igreja, onde sucintamente é visível uma fachada em granito, característica própria do modo de vida da Ordem que lhe deu origem, pobre e modesta todo o edifício apresenta ainda pequenos elementos decorativos, com algumas referências classicistas e uma torre sineira. Existe também um outro edifício anexo,mais recente de traça barroca – a Casa dos Frades da Ordem Terceira de São Francisco.
Ruínas de edifícios anexos
Hoje restam as memórias e lendas que por ali passaram.
Prato exemplificativo do aspeto da Marrâ
E são muitos os que por alí passam e param de quando em vez, é realizada uma feira anual que assinala o fim das colheitas, num largo com o mesmo nome e em honra do patrono do convento S. Francisco, esta feira é realizada pelo menos desde 1664, data em que aparecem relatos em manuscritos relativos à congregação, é popularmente conhecida como a feira da “Marrã” cujo termo muito antigo, designa a bácora que já deixou de mamar ou simplesmente a sua carne. Marrã, também popularizado em outras feiras pelo pais, cuja variedade vai de encontro às tradições gastronómicas da região, “nós por cá”, vulgo carne de porco ou torresmos, são os mais comuns.
Bom apetite!!!
Ruína da Torre da Igreja e da fachada da Casa dos
Frades da Ordem Terceira de São Francisco
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Arcos do jardim da quinta