segunda-feira, 3 de junho de 2019

O Misterioso Palacete da Quinta das Conchas, Lumiar

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Palacete da Quinta das Conchas, Lumiar, 2015
Fotografia extraída e editada do site Mistérios de Lisboa, Blog.

A Quinta das Concha de Lumiar é o terceiro maior espaço verde da cidade de Lisboa a seguir ao Parque Florestal de Monsanto e ao Parque da Bela Vista, uma quinta do século XVI, resultado de sucessivas reabilitações, a maior e mais recente ocorreu em 2005 quando a quinta pertencia já ao município de Lisboa, no sentido de a adaptar como espaço público de lazer. Todavia, num canto preenchido por uma densa florestação, encontramos o que não passa já da carcaça de um belo palacete, edificado já no século XX por Francisco de Asis Diego José Maria del Rosário Mantero y Velarde, que não viria a beneficiar da tal reabilitação.

A Quinta das Conchas e a Quinta dos Lilases:


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Percurso do Parque Natural de Lazer da Quinta das Conchas e dos Lilases do Lumiar, Lisboa
Fotografia reproduzida do site da Câmara Municipal de Lisboa, aqui.

Hoje transformadas em parque natural de lazer situado na freguesia do Lumiar, este espaço verde nasceu da recuperação de duas quintas do século XVI, tendo sido instalada por Afonso Torres.

Depois de passar por várias gerações e famílias, a propriedade é adquirida a 22 de Fevereiro de 1899, por Francisco Mantero, importante roceiro em S. Tomé e Príncipe, também chamada dos Mouros, propriedade de D. Maria Juanna da Conceição Alcobia Tavares.

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Percurso do Parque Natural de Lazer da Quinta das Conchas e dos Lilases do Lumiar, Lisboa
Fotografia reproduzida do site da Câmara Municipal de Lisboa, aqui.

A 14 de fevereiro de 1966, as quintas são vendidas à Câmara Municipal de Lisboa, pelo valor de 85 milhões de escudos, mediante escritura. Os espaços foram unificados, transformando-se nas décadas finais do século XX num parque público. Já em maio de 2005, Santana Lopes inaugura a requalificação da Quinta das Conchas, depois de um investimento de cerca de 6,5 milhões de euros em obras. Num entanto, apesar do espaço ter sido melhorado, dotado de equipamentos como recreio infantil, um palco para espectáculos, edifícios de apoio, um bar, de entre outros.

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Espelho d'agua da Quinta das Conchas e dos Lilases do Lumiar, Lisboa
Fotografia reproduzida do site da Câmara Municipal de Lisboa, aqui.

A reabilitação da quinta e transformação em parque de lazer, foi programada a partir de prévios estudos efectuados sobre as características da quinta, por forma a acolher natividades culturais e sócias. O parque foi organizado em três zonas distintas, a Quinta das Conchas, a Mata e a Quinta dos Lilases:

A Quinta das Conchas, área de maiores dimensões, é constituída por um grande relvado central, limitado por oliveiras e zambujeiros. Junto ao grande espelho d'agua, situa-se um maciço de eucaliptos de grande porte, com mesas de merendas.

A Mata é uma zona florestal mais densa, com um conjunto variado de espécies, onde esta inserido o palacete. 

E ainda a Quinta dos Lilases, separada da Quinta das Conchas, apenas por um muro com o seu célebre lago artificial representando as ilhas de São Tomé e Príncipe. A sua flora é mais diversificada, acolhe zambujeiros, eucaliptos, choupos, freixos, ulmeiros e loureiros. A existência de habitats diversificados confere a este Parque um grande valor em termos de biodiversidade, ocorrendo um número de espécies acima do habitual para os espaços verdes urbanos. 

O Palacete Francisco Mantero:


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Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, s/d.
Fotografia reproduzida do site da Geocaching, aqui.

O misterioso palacete, localiza-se num recanto, densamente florestado, no topo sudueste da Quinta das Conchas, terá sido construído no inicio do século XX por Francisco Mantero, para casa de verão da família. No entanto, pouco tempo depois, compra a Francisco César Batalha a Quinta dos Lilases, mesmo pegada à Quinta das Conchas, a qual possuía já duas belas casa que Francisco Mantero amplia e a 1916, com um projecto de Norte Júnior, constrói uma galeria metálica que uniu as duas casas, formando uma passagem interior entre os mesmos.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2015.
Fotografia reproduzida e editada do site Misérias de Lisboa, aqui.

Na Quinta dos Lilases onde Francisco Mantero viveu entre 1897 e 1927, dedicou-se com afinco à recuperação e ampliação das casas que aí existiam. A Quinta dos Lilases estava então dividida em duas áreas distintas, a habitacional, onde se situava a casa ainda hoje existente junto à Alameda das Linhas de Torres, com dois corpos, o jardim de inverno, as cavalariças e respectivo picadeiro, o lago e os respectivos pavilhões, e a zona agrícola, com os celeiros e as abegoarias. No então, o tímido palacete, por ficar distanciado e isolado de todos as outras estruturas, viria a ser esquecido ao longo dos anos.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2014.
Fotografia reproduzida do site spea, aqui.

O palacete apresenta-se circunscrito numa área relativamente pequena, composto por três volumes rectangulares que se interceptam entre si formando um único corpo. O edifício apresenta-se composto por dois pisos com excepção de um corpos que se destaca em altura, uma torre, que apresenta mais um piso.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2019.
Fotografia reproduzida do site da Geocaching, aqui.

A cobertura é composta por terraços, sendo o maior deles de utilizado, acedido por uma porta na fachada da torre. Todas as fachadas são rasgadas por vãos de janelas e portas, com destaque especial para a fachada principal que ao nível do segundo piso, apresenta um conjunto de três janelas em arco de volta perfeita. Existem algumas memórias descritas sobre o inteiro da casa de onde de destacam os tectos artisticamente decorados e uma bela escadaria, apesar da sua reduzida dimensão, a casa de veraneio estava mobilada com peças de grande qualidade.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2019.
Fotografia reproduzida do site da Geocaching, aqui.

Depois da morte de Francisco Mantero, a sua viúva, D. Maria Amélia Muller Belard, passo a habitar o palacete a tempo inteiro, na companhia de uma criada, o facto do palacete ter um ambiente aconchegante poderá ter contribuído para essa decisão. Toda via após a sua morte em 1952, o palacete fica definitivamente desabitado e à merece da sua sorte, não foram mantidos cuidados de manutenção e preservação das suas estruturas.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2019.
Fotografia reproduzida do site da Geocaching, aqui.

Poucos anos de pois da morte da viúva de Francisco Mantero, os herdeiros venderam as propriedades, à Câmara Municipal de Lisboa, em 1966 a Quinta dos Lilases e 1968 a Quinta das Conchas. As quintas foram posteriormente unificadas, em 2006 foram realizadas obras de requalificação na Quinta dis Lilases e em 2005 na Quinta das Conchas. Permanecem insondáveis as razões pelas quais o antigo palacete, situado na mata da Quinta das Conchas, não fosse incluído na requalificação.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2011.
Fotografia de JB Antunes, extraída e editada do site Bº da Cruz Vermelha do Lumiar, aqui.

Assim, hoje, permanece hoje o palacete jogado ao esquecimento, em ruínas, já com risco de derrocada, o edifício de três andares comas portas e janelas do primeiro andar emparedadas com tijolos e cobertas com grafites. Em seu redor, são apresentadas placas anunciando o risco de ruína.

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Ruínas do Palacete de Francisco Mantero, Lumiar, 2014.
Fotografia extraída e editada do site Mistérios de Lisboa, Blog.

Em 2017, o Grupo Municipal do Partido Ecologistas "Os Verdes" enviaram um requerimento ao presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, solicitando informações sobre o futuro do palacete, defendendo a realização de um estudo para ver se é possível restaura-lo mantendo as suas características existenciais, mas ao mesmo tempo, permitindo a sua utilidade. 

Uma fonte do gabinete do vereador Sá Fernandes, responsável pelos Espaços Verdes da capital, disse ao jornal de Notícias que estava em andamento um estudo uma solução viável, mas não adiantou nada em concréto para alem das medidas de segurança do perímetro.

D. Francisco de Asis Diego José Maria del Rosário Mantero y Velarde (1853-1928):


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Retrato de D. Francisco de Asis Diego José Maria del Rosário Mantero y Velarde, c.1885.
Colecção José Mantero de Mendonça Alves, in Jorge Forjaz, "Genealogias de São Tomé e Príncipe - Subsídios", 2011.

D. Francisco de Asis Diego José Maria del Rosário Mantero y Velarde, nasceu em Puerto Real, Cádiz, Espanha a 4 de outubro de 1853, filho de Antonio José Maria del Carmen Mantero y Velez, descendente de uma família italiana, de Génova, e de sua mulher D. Joaquina Maria Josefa Ignacia de la Santisima Trinidad Velarde y Romero. 

Casou em Lisboa em 1887 com uma prima, D. Maria Amélia Muller Belard, filha de seu tio, D. Francisco de Assis Velarde y Romero Belard, de quem teve sete filhos.

Em 1869, o seu sogro, já um próspero comerciante e agricultor em S. Tomé e Príncipe, numa altura em que o cultivo do café e cacau emergiam na ilha, convidou-o para o ajudar nos negócios. D. Francisco Mantero começou por se dedicar ao comércio, mas rapidamente começou explorar negócios agrícolas por sua conta. Explorou as roças Monte Macaco e Maianço com o sócio Manuel Joaquim Teixeira, fundou em 1880 a roça Esperança e começou a explorar vastas concessões na Ilha do Príncipe, como a roça Infante D. Henrique, que fundou e administrou.

Mostrou possuir um grande talento para os negócios, e nesse sentido, em 1895, foi convidado para gerir a grande roça Água-Izé, que tinha sido fundada por João Maria de Sousa e Almeida, precisamente barão de Água-Izé, e era então propriedade do Banco Nacional Ultramarino.

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Acção da Companhia da Roça Saudade, com a assinatura de D. Francisco Mantero, 1919.

Foi pioneiro na organização empresarial na ilha, fundando a Companhia da Ilha do Príncipe e a Sociedade Agrícola Colonial, as duas mais importantes sociedades de São Tomé e Príncipe da época, das quais foi administrador e um dos principais accionistas. A Companhia da Ilha do Príncipe veio a comprar a roça Água-Izé em 1898, e a Sociedade Agrícola Colonial integrou entre outras a roça Santa Margarida de seu sogro.

Este modelo de organização empresarial foi levado por sí para outras colónias Portuguesas, D. Francisco Mantero fundou em Angola a Companhia de Cabinda e a Companhia do Cazengo, em Moçambique criou os Prazos de Lugela e fundou a Companhia de Timor.

Com o seu espírito empreendedor, a sua intenção de promover novos meiso de comunicação e transporte, culminou com a criação da primeira linha férrea de São Tomé, ainda que tenha partido da iniciativa privada. Com efeito, em 1895 existiam já linhas de caminho de ferro privadas nas roças mais importantes, como por exemplo na roça Santa Margarida.

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Fotografia de D. Francisco Mantero e família na sua casa em Madrid, c. 1910.
Colecção D. Maria Teresa Mantero de Mendonça Alves. In Jorge Forjaz, "Genealogias de São Tomé e Príncipe - Subsídios", 2011

Depois de regressar definitivamente a Lisboa fundou, em 5 de maio de 1916, a Sociedade Francisco Mantero, Lda., um sociedade que iria durar muito para alem da sua vida, em 1967, a denominação é alterada, por uma questão de enquadramento legal, Sociedade Comercial Francisco Mantero, S.A.R.L, mas o nome do fundador foi mantido.

Os seus interesses eram bastante diversificados, e com uma grande sensibilidade cultural e social, foi presidente da Câmara de Comércio Espanhola em Lisboa, presidente da direcção do Asilo da Infância Desvalida do Lumiar e da Escola José Estêvão, sócio fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, sócio benemérito da Academia Musical (1883), presidente honorário do Centro Colonial de Lisboa e sócio honorário da Associação de Escritores e Artistas de Madrid.

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Fotografia D. Francisco de Asis Diego José Maria del Rosário Mantero y Velarde, c. 1925.
Colecção D. Maria Teresa Mantero de Mendonça Alves. In Jorge Forjaz, "Genealogias de São Tomé e Príncipe - Subsídios", 2011

Recebeu várias condecorações e não só em Portugal, recebeu a Grã-cruz da Ordem Civil do Mérito Agrícola (24/5/1902), cavaleiro (10/5/1923) e comendador da Ordem de Cristo, cavaleiro de 1ª classe da Ordem do Mérito Naval de Espanha, com distintivo branco, comendador da Ordem de Leopoldo, da Bélgica, e cavaleiro grã-cruz da Ordem de Isabel, a Católica, de Espanha.

D. Francisco Mantero comprou a Quinta dos Lilazes, no Lumiar, e dedicou-se intensamente à restauração e ampliação da casa da mesma. Em 1897 comprou a parte rústica da Quinta das Conchas, que lhe ficava anexa. No centro do grande lago artificial da Quinta das Conchas mandou fazer duas pequenas ilhas arborizadas com palmeiras, que evocam as ilhas de São Tomé e do Príncipe.

Em 1971, a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu o seu nome a uma rua na freguesia dos Olivais.

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Fotografia da capa do livro "Manual Labour - S. Thomé and Principe" de Francisco Mantero, Edição de Autor, Lisboa, 1910.

Já depois de estar em Portugal, publicou várias obras relacionadas com as suas vivenciais coloniais, verdadeiros testemunhos históricos, de onde se destacam "Manual Labour - S. Thomé and Principe", Edição de Autor, Lisboa, 1910 e "A mão d'obra indígena nas colónias africanas", Lisboa, Sociedade de Geografia, 1924.

Faleceu em Lisboa, no Lumiar, a 23 de abril de 1928, tinha então 74 anos de idade.

A lenda de "Uma Maldição":


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Fotografia de mulheres nativas de São Tomé e principe, c.1910.
Reprodução do Livro "Manual Labour - S. Thomé and Principe" de Francisco Mantero, Edição de Autor, Lisboa, 1910.

De 1897 a 1927, Francisco Mantero viveu nas casas da Quinta dos Lilases. No palacete localizado na Quinta das Conchas, vivia a manteuda de Francisco, uma nativa de rara beleza quem Mantero conheceu em S. Tomé e Príncipe, e pela qual se apaixonara, dessa relação nasce uma filha.
Mais tarde acaba por prender a nativa numa jaula de dois metros, sabe-se lá por que razões, e após alguns anos em cativeiro, diz-se que a mulher enlouqueceu e que o fantasma ainda vagueia pela casa.

Tudo o que se conta dos tormentos passados pela nativa leva a que se inventem as histórias mais assustadoras....

Diz a lenda que a casa está assombrada pelo fantasma da louca, que são ouvidos e lamentos suaves que depois se transformam em gritos de desespero, e ainda é vivo o rumor de que lá dentro existe um tesouro cheio de relíquias trazidas de África, mas que até hoje ainda ninguém descobriu, talvez por receio do espírito amargurado e amaldiçoado. O espaço que envolve a casa foi transformado num jardim público, no entanto, misteriosamente, o palacete permanece intocado, foi o único lugar da quinta que não foi recuperado.

Num entanto existe um perigo bem mais real anunciado por um sinal colocado no perímetro da ruína, pelo departamento ambiental da Câmara de Lisboa, avisando o risco de derrocada.
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Fontes:
Artigo "Obras de 6,5 milhões de euros esqueceram antigo palacete" , jornal de noticias, 5 de março de 2011;
Os Belard - belard.armorial.net, genealogia e história de uma família na intrenet;

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