quarta-feira, 29 de maio de 2019

Cine-Teatro e Restaurante Campino, Alcácer do Sal

Escultura Metálica "O Campino", fixada na fachada do Cine-Teatro Campino, 2014. 
Fotografia reproduzida de: quintaisisa.blogspot.com;

O Cine-Teatro e Restaurante Campino, localiza-se na Avenida dos Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, n.º 27 e 29 em Alcácer do Sal. Desenhado e construído pelo arquitecto Amílcar Silva Pinto, o edifício foi concebido para acolher simultaneamente as funções de cinema, teatro, restaurante, bar e esplanada. A sala de espectáculos foi inaugurada em 1950 com o filme "Frei Luís de Sousa" de António Lopes Ribeiro.

Heráldica - Brasão da cidade Alcácer do Sal, 1860-1862.
Bilhete Postal n.º 57, Edição Cultarte Editora, In delcampe.net.

Alcácer do Sal é uma das ex-vilas portuguesas mais antigas da Europa, fundada ainda no tempo dos Fenícios, pela próxima à Reserva Natural do Estuário do Sado e atravessada pelo mesmo rio, desde cedo se mostrou uma localização muito apreciada, quer pelos recursos naturais que possuía, quer pelas condições propicias ao tráfego comercial.

"E vós também, ó terras transtaganas
Afamadas co dom da flava Ceres,
Obedecendo às forças mais que humanas
 Entregando-lhes os muros e os poderes:
 E tu, lavrador Mouro que te enganas,
Se sustentar a fértil terra queres;
Que Elvas e Moura e Serpa conhecidas,
 E Alcácer do Sal estão rendidas"

Lusíadas, Luís Camões


Campino, Províncias de Portugal - Estremadura.
Bilhete Postal, Edições Diário de Noticias, In delcampe.net.

A região dedicava-se ao fornecimento de sal, peixe salgado e cavalos para exportação, os campinos fazem parte da história e tradição da região desde há muito, factor determinante na atribuição do nome ao edifício, evidente também na escultura ostentada pela fachada, "O Campino".

Ante-projecto, Alçado Principal - Cine Teatro de Alcácer do Sal, 1948.
Espólio de Amílcar Pinto, Arquivo Rodrigo Pessoa, reprodução de 2011.

O projecto do Cine-teatro Campino foi durante muitos anos atribuído erradamente a Martins Júnior, Ld.ª, que durante um estudo aos cine-teatros portugueses, levado a cabo por Susana Peixoto da Silva e publicado intitulado de "Arquitetura de Cine Teatros: Evolução e Registo [1927—1959] ", o engano foi desfeito e o verdadeiro autor identificado. Amílcar Pinto construiu o "Campino" em 1948, para alem deste projecto é autor também de outros dois Cine-teatros, o de Gouveia e Almeirim.

Cine-teatro Campino de Alcácer do Sal, recentemente inaugurado, 1950.
Fotografia do espólio de Baltasar Flávio Silva, reproduzida de uma publicação no facebook em 2019.

Em comparação ao projecto inicial, o edifício possui algumas diferenças evidentes, como por exemplo o telhado plano que foi substituído por telhados de duas e quatro águas, dos quatro volumes que compõem o corpo do edifício, o mais pequeno foi excluído, foram ainda alterados e eliminados alguns elementos decorativos, nomeadamente algumas janelas  do volume principal do edifício.

Fachada principal do Cine-Teatro Campino, 2015. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

O Campino é um edifício de grandes dimensões, apresenta-se organizado em sete volumes, corpos de volumetrias diversificadas numa equilibrava composição geométrica verificada também na esquadria de portas e janelas.

Fachada principal do Cine-Teatro Campino, 2017. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Amílcar Silva Pinto, 2017;

Os volumes periféricos criam um equilíbrio assimétrico, organizados em frente de um volume maior, um bloco recuado mais elevado que corresponde às salas de espectáculos.

Interior do Restaurante Campino, 2015. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

Desde o inicio, o projeto contemplava, ao nível do rés do chão, um espaço de restauração que pudesse servir de apoio aos clientes do cine-teatro e outros clientes externos, desta forma, o projecto contemplou um salão de chã integrado no próprio edifício que mais tarde deu origem ao restaurante. Este espaço de socialização possuía uma frente de rua com entrada autónoma e ligação ao átrio do cine-teatro propriamente dito.

Interior do Bar e Sala de Concertos do Cine-teatro Campino, 2015.
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

Esta sala que se localiza ao nível inferior ao do pavimento da entrada principal, e superior ao da sala de espectáculos ou anfiteatro, é composto por bar, e um pequeno espaço para concertos que foi utilizado também como discoteca.
Este espaço tinha total autonomia em relação aos demais, pois para além de entrada independente do resto do edifício, possuía também as suas próprias instalações sanitárias.

Vista do interior de pormenor da porta de entrada do Cine-teatro Campino, 2015. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

A entrada para o Cine-teatro, era efectuada pelas duas grandes portas laterais, portas envidraçadas de linhas geométricas que foram simplificadas, em relação à composição do projecto inicial. 
No hall de entrada, á esquerda uma porta de acesso ao salão de chá /restaurante, em frente, no lado direito estava situada a recepção e bilheteira. 
No hall posterior, abria-se também uma porta para os lugares da plateia e umas escadas de acesso ao piso do balcão, onde duas portas dispostas nos extremos laterais distribuem os lugares.

Estacada de acesso ao 1.ª andar do Bar e Sala de Concertos do Cine-teatro Campino, 2015. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

A outra grande porta abria-se para uma escada  independente que se elevava até ao piso superior, onde estava situados a pequena sala de espectáculos e bar. Hoje por razões de segurança o acesso ao interior do edifício foi vedado.

Sala de Espectaculoso ou anfiteatro do Cine-teatro Campino, 2015. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

O anfiteatro localizava-se na parte anterior do edifício, correspondente ao volume de maiores dimensões que compunha o edifício, este volume apresentava a maior cota uma vez que foi construído numa cota abaixo do solo. A sala tinha capacidade para 720 pessoas, 534 na plateia, 105 no 2º balcão e 71 no 1º balcão (fonte carece de confirmação).

Sala para palestras, conferencias e representações do Cine-teatro Campino, 2015.
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

Esta pequena sala, situada no primeiro piso, era uma sala multi-funcional, servia para variados eventos desde palestras, conferencias e representações. Possuía uma lotação de 140 lugares.

Bilhete Postal - Café e Restaurante Campino, c. 1950. 
Arquivo de André Picaró. Reproduzido da publicação de José Raimundo Noras, 2013;

Em frente, a todo o cumprimento do passeio, funcionava uma esplanada bastante convidativa, tendo em conta que o edifício voltado para uma grande e simpática avenida, com uma praça longitudinal, que separava os dois sentidos de circulação da mesma.

Sala das maquinas de projecção de fita do Cine-teatro Campino, 2015.
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Alcácer século XX, 2015;

Amílcar Pinto desenvolveu vários projectos no domínio arquitectónico no contexto audiovisual, assumiu um compromisso com a modernidade num contexto politico, Estado Novo, em que até a arquitectura deveria manter uma vertente conservadora. Ainda assim, em simultâneo, conseguiu manter vários elementos de um discurso moderno e uma versatilidade constante nos edifícios dos CTT, Emissoras, Cinemas e Cine-Teatros. Nos seus projectos entre Santarém, Almeirim e Gouveia, Amílcar Pinto foi trazendo o cine-teatro à província desenvolvendo uma linguagem modernista, ainda que com alguns recuos ou reaproximação aos programas tradicionais.

Fachada principal do Cine-Teatro Campino, 2017. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Amílcar Silva Pinto, 2017;

Com efeito, hoje analisando a sua obra, em muitos casos as tipologias arquitectónicas associam-se a modelos formais, nos edifícios público está patente uma linguagem mais modernista, e os projectos habitacionais assumem uma predominância do tradicional, nomeadamente a arquitectura típica da "Casa Portuguesa". Em todo caso, cada projecto resulta numa variedade de factores, que vão, para lá da técnica ou gosto pessoal do arquitecto, desde a encomenda às normas jurídicas da época, ou até à actuação dos poderes locais.

Pormenor da fachada principal do Cine-Teatro Campino, 2017. 
Fotografia reproduzida da página do Facebook: Amílcar Silva Pinto, 2017;

Infelizmente a sala de espectaculoso fechou há já varias décadas, também as bilheteiras do Cine-teatro Campino se sentiram com o desenvolvimento de alternativas audio visuais acessíveis a todos, fruto da evolução tecnológica. Também os outros serviços acabaram por fechar por aparecerem novas ofertas, em todo o caso não será demais referir que o Restaurante Campino foi um dos mais populares restaurantes de Alcácer.


Empresário Sr. Dr. Francisco Serra Lynce:


Dr. Francisco Serra Lynce
Foto extraída da Revista de Turismo do Distrito de Setúbal, 1944.

Dr. Francisco Serra Lynce foi um empresário, sobre tudo agrícola, e benemérito, que gozou de um reconhecido prestigio em Alcácer do Sal.

Herdou de seu pai, José Serra Lynce, (um dos grandes mestres de lavoura do concelho de Alcácer do Sal e um dos pioneiros na cultura do arroz em Portugal), a Casa Agrícola Serra Lynce, um modelo agrícola, no ponto de vista de qualidade e técnica,com algum destaque na agricultura nacional. com origem na região do Vale do Sado.

A actividade desenvolvia-se sobretudo na produção de culturas e criação animal, organizada por duas grandes herdades - a Lezíria, que fica na margem do Sado, em frente de Alcácer do Sal, e a Herdade D. Rodrigo, já situada na freguesia do Torrão, muito rica em cortiças e arroz. Dedica uma grande atenção à sua Casa Agrícola, tém vários trabalhadores a seu cargo e revelava uma grande preocupação social com a população em geral.

A vertente cultural também lhe despertava interesse, com um espírito altruísta, faz-se sentir em todo o concelho de Alcácer do Sal, uma das suas iniciativas foi a criação do Cine-teatro Campino, encomendou o projecto de Amílcar Pinto em em 1948 e foi inaugurado em 1950,

Arquitecto Amílcar Silva Pinto (1891-1978):


Arquitecto Amílcar Silva Pinto.
Espólio de Amílcar Pinto, Arquivo Rodrigo Pessoa, reprodução de 2011.

Amílcar Marques da Silva Pinto nasceu em Lisboa a 12 de Março de 1890 e faleceu a 6 de Julho de 1978 na mesma cidade. Licenciado em arquitectura pela Escola de Belas Artes de Lisboa, iniciou cedo a sua vida profissional, ingressando no serviço público logo após a fase de tirocínio, estabelecendo-se num atelier situado na Rua do Ouro, desde 1919. 

Desde 1918 a 1927 desenvolveu projectos ligados ao serviço público, a sua formação clássica agradava ao regime, construiu escolas, de entre elas os seus projectos mais conhecidos são Escola Primária das Azenhas do Mar, Sinta e da Escola Primária de Vila Verde de Ficalho, Serpa. Nesta época realiza ainda alguns projectos de moradias nas Beiras e no Alentejo, modelos histórico-cultural "Casa Portuguesa" ou até com algumas influências revivalistas. O seu percurso fica marcado por rupturas e continuidades.

No anos 30 a construção do Pavilhão da Achiles Brito coincide com a ruptura das formas clássicas como uma espécie de modernidade disfarçada, porem os edifícios dos Emissores e das Estações CTT assumiam já uma modernidade aproximada dos paradigmas internacionais.

Em 1938  Amílcar Pinto projectou uma da suas obras mais emblemáticas onde aplicou de forma eximia o seu conceito de “moderníssimo ”, apesar de abandonado, o Teatro Rosa Damasceno em Santarém, é ainda assim uma das suas obras mais conhecidas.

A partir de 1946, Amílcar Pinto desvinculou-se do serviço público. O período do pós-guerra trouxe o regresso das concepções tradicionais à obra do arquitecto. Assim nos anos 50 e 60, volta aos modelos associados à corrente “Casa Portuguesa” com simplificações decorativas e formais. Moradias unifamiliares, de considerável dimensão e luxo são características neste período da obra de Amílcar Pinto. 
Partindo de um processo de simplificação do tradicional, Amílcar Pinto desenvolve formas decorativas recorrentes, as quais associadas ao cuidado da decoração interior (desenhada pelo próprio) assumindo um estilo particular. Ainda hoje referido por “Casa Amílcar Pinto”, em certas localidades ribatejanas.

Durante a década de 60, brindou-nos ainda com alguns projectos, sobretudo de habitação particular, onde reincorpora pormenores de modernidade que actualizam a sua arquitectura a um certo “modernismo regional”. É exemplo destas características  a Casa do Campino em Santarém de 1964. Objecto sem declarado valor arquitectónico, desfasado do tempo e da arte, mas que assume toda a simbologia da vivência tradicional do Ribatejo.

Amílcar Silva Pinto, um arquitecto português, hoje esquecido, mas cuja a obra se confunde com o percurso da arquitectura portuguesa do século XX, de entre as mais relevantes destacam-se:

Moradia da Quinta do Corjes, Covilhã, 1925;
Palacete na Rua Jacinto Freire de Andrade de António Joaquim Palma, Beja, 1925;
Escola primária as Azenhas do Mar, Sintra, 1927;
Pavilhão da Achiles Brito (Salão de Outono da Moda e das Artes Decorativas), Lisboa, 1927;
Casa para Magistrado (Biblioteca de Serpa), Serpa, 1928;
Mercado Municipal de Ponte de Lima, ponte de lima, 1931;
Emissora Nacional (Rua do Quelhas), Lisboa, 1933;
Emissora Nacional (Barcarena), Oeiras, 1933;
Café Central, Santarém, 1936;
Estação CTT, Ponte de Lima, 1936;
Estação CTT, Santarém, 1938;
Teatro Rosa Damasceno, Santarém, 1938;
Teatro Cine, Gouveia, 1942;
Teatro Cine Café Imperial, Almeirim, 1941;
Cine-Teatro e Restaurante Campino, Alcácer do Sal, 1948;
Hotel e Pastelaria Abidis, Santarém, 1942/44;
Moradia na Avenida Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Santarém, 1955;
Prédios multifamiliares na Avenida 5 de Outubro, Santarém, 1965/67;
Casa do Campino, Santarém, 1964/66;

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Fontes:
"Amilcar Pinto - Um Arquitecto Português do Século XX", José Raimundo Noras, Coimbra, 2011;
"Projecto de Reabilitação do "Cine-Teatro "Campino" para Casa de Arte", Maio de 2011;
Revista de Turismo do Distrito de Setúbal - o concelho de Alcácer do Sal em 1944;

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