quinta-feira, 16 de maio de 2019

Ruínas por Fausto Guedes Teixeira


Ruínas


Pelos salões ermos há luares dolentes
D'espelhos trazidos e quadros banaes:
E há já tanto tempo que brancuras doentes
Os não embaciam, aos espelhos quentes
Que alli luarisam os salões reaes!

Mora lá um velho, altivo descendente
D'uma raça extincta de navegadores:
Sobre a porta nobre o seu brazão pendente
Tem flores de liz e um castello albente
Em campo amarello arrascanhado a cores.


Da minha janella cheia de verdura
Vejo-o ao sol-pôr, na sua estranha magua,
A levar, altivo, os olhos pela altura
N'um jardim onde herva dá pela cintura
E ainda rebentam grandes leques d'agua!

E eu queria ser esse velhinho errante,
Talvez a minha Alma no seu arduo peito
Lá fortalecesse o meu ideal fragrante
Na serena luz do seu cantar distante,
No prurido audaz do meu chorar desfeito.

Sua sombra é quasi a minha sombra inqueta,
Para o chão voraz os corpos já a curvar;
Nps seus olhos bons há cilios de violeta;
Tem por certo historia este velhinho ascenta...
Vinde, lindas moças, vinde-m'a contar!

A'vossa lareira, pelas noites calmas,
vossas Mães e irmãs hão-de-a já ter chorado
Emquanto crepitam castanheiros e almas
Por sobre um luar onde se estendem palmas,
Sob um firmamento todo lapidado.


Apagam-se agora as luzes das janellas
Do palacio em frente; ai, dorme bom velhinho,
Que tu tens de guardar as lanças das estrellas
E a serena luz que se esmigalha d'ellas
E'para corar a tua barba de linho.

Teu passado d'oiro, teu coração puro,
Tudo te roubaram braços inclementes;
- A via-lactea é sombra e o claro é escuro;-
E, se a Vida é um fructo immensameente duro,
Os astros do ceu mastigam-se sem dentes.

Talvez tenha amado este velhinho santo
Alguma Princeza que é já morta agora:
Ai, querida alma, p'ra que chorar tanto?...
E'que os olhos nossos, ao travez do pranto,
Veem mais de perto o coração de Aurora!

Plas azinhagas, tristes, descrados
Passam para o campo os rudes lavradores,
Ironicos riem cantos aos bocados...
Miserável mundo que só tem cuidados!
Ai, iniqua vida, que é estendal de dores!


E vão raparigas de celeste olhar
A dizerem, tristes, cantigas doridas...
(Ai! que linda quadra essa popular!
tornae-a dizer, deixai-m'a copiar!)
Que jóias de preço andam ahi perdidas!

Espanca-me o Sol o Sonho que me abriga...
O Velho abre a porta envernizada, escura,
E, chapéu na mão, á luz do sol amiga,
lembra uma figura de ballada antiga,
Que ressuscitasse n'uma illuminura!

Fausto Guedes Teixeira, 1897



 

Fausto Guedes Teixeira, muitas vezes referido como “o poeta do amor e da paixão”, e por isso também conhecido como o "Alfred Musset português", nasceu na freguesia de Almacave, em Lamego, a 11 de outubro de  1871, filho do Visconde de Guedes Teixeira, José Augusto Guedes Teixeira e de sua esposa D. Leopoldina de Queirós Guedes, que haviam casado em 1868.
Após concluir o ensino primário, por volta dos 10 anos, Fausto Guedes Teixeira prossegue os seus estudos no Colégio de Campolide, todavia não se adapta à distancia familiar e três anos depois regressa a Lamego e estuda no Colégio Roseira, ambicionava ser Oficial da Marinhamas seu pai insistiu para se formar em Direito, vai viver para Coimbra e tira o Bacharel na universidade de Direito, apreciador da  vida boémia e sem grande jeito para as leis, foi na escrita que encontrou a sua grande paixão. 

Com uma carta de recomendação de Eça de Queirós, emigra para o Brasil a fim de começar uma carreira Jornalística, mas pelo facto de ter contraído febre amarela regressa a Portugal, estala-se em Lisboa onde se recupera. Procura trabalho pela cidade dentro da área de sua formação, mas é com literários e artistas que acompanha. Vai para Lulé exercer o cargo de ajudante de conservador,  pouco tempo depois casa com D. Margarida Braga, irmã do seu grande amigo e condiscípulo Alexandre Braga (Filho), e parte para Moçambique, onde o espera o cargo de Secretário de Governo do Distrito de Lourenço Marques, mais uma vez, devido a problemas de saúde, em 1900 volta a Portugal.

Em Lisboa passa algumas dificuldades financeiras, consegue um modesto emprego no Mercado Geral de Produtos Agrícolas. Porém, anos depois, as suas condições de vida melhoraram substancialmente. Em 1906, é feito Secretário do Museu das Janelas Verdes e em 1913, Administrador da Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela, posição esta que acumula com a anterior e lhe traz desafogo económico.No ano de 1917, um pouco contrariado, integra uma Embaixada Intelectual ao Brasil, chefiada por Alexandre Braga, então ministro da Justiça, e de que faziam parte também o poeta Augusto Gil e o dramaturgo Marcelino Mesquita, entre outras individualidades.

Em 1918,  morre a mãe que sempre fora uma figura tutelar para o poeta.Por herança de seu tio materno, o 2.º Visconde de Valmor, Fausto torna-se um rico proprietário em Lamego, onde a partir de 1920 vive os últimos vinte anos de vida, isolado do mundo e doente, física e espiritualmente, na herdada Casa do Parque.

Experimenta uma vida mais regrada e devota que lhe confere alguma serenidade de espírito, vivendo quase em absoluto recolhimento. Recusa distinções que lhe queriam conferir e o convite para sócio da Academia das Ciências. Os amigos homenageiam-no com um número especial do jornal" Beira-Douro" de 11 de Outubro de 1938. Morre a 13 de Julho de 1940, repousa no jazigo da família, no Cemitério de Santa Cruz, em Lamego.

Em 1990, por altura do cinquentenário da morte de Fausto Guedes Teixeira, os jornais "Voz de Lamego" e "Lamego Hoje" fizeram-lhe uma verdadeira homenagem. Em 2005, assinalando o 134.º aniversário do nascimento do poeta, a Liga dos Amigos do Museu de Lamego organizou uma exposição bibliográfica e documental. Existe um busto do escritor da autoria de Costa Mota Sobrinho, no Jardim da República, fronteiro aos Paços do Concelho de Lamego. O nome do poeta figura na toponímia da sua cidade natal, de Lisboa e de São Paulo.



Poeta absolutamente singular, o seu trabalho não tem comparação, a originalidade de Fausto Guedes Teixeira consiste sobretudo no obstinado afastamento do poeta em relação a correntes literárias das novas escolas que sucessivamente dominaram o panorama poético, como o parnasianismo, o naturalismo, o simbolismo, o modernismo, mantém-se fiel a um "neo-romantismo serôdio", que o popularizou.

Os seus primeiros trabalhos poéticos foram escritos em 1889, tinha ele apenas 18 anos, e publicados no quinzenário juvenil Miniaturas, de Lamego. O seu primeiro livro saiu em 1892 com o título "Náufragos" sobre Glosava um trágico naufrágio ocorrido na Póvoa de Varzim, constituído por um único poema, escrito em alexandrinos, onde é possível perceber a influência de Junqueiro e Victor Hugo. 

Outras publicações poéticas se seguiram, "Livro d’Amor" em 1894, "Mocidade perdida", em 1886 e reeditado em 1926, "Boa viagem" de 1898, "Esperança nossa" em 1899, "Carta a um poeta" de 1899, "Saudades do coração" de 1902, "Alma triste" de 1903, "O meu livro" de 1908, "Maria" de 1918) e Sonetos de amor em 1922. Os últimos anos de sua vida dedicou-os a uma criteriosa revisão para editar dois volumes de "O meu livro" dois volumes, de 1941 e 1942, respectivamente, edição definitiva e póstuma das obras completas, pela Edições Marânus, do Porto.

Foi um poeta muito apreciado no seu tempo, mas hoje é infelizmente pouco lembrado.

Fontes:

Geni,com;

"Poema Ruínas", Semanário Ilustrado "Branco e Negro", n.º 43 de 1897;

2 comentários:

  1. Tenho muito orgulho de ser sobrinha neta do meu tio Fausto Guedes Teixeira.

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