quarta-feira, 29 de maio de 2019

Cinema Sado e Fábrica de Pinhões, Alcácer do Sal

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Cinema Sado e Fábrica de Pinhões, Alcácer do Sal, 2017.
Foto extraída do Google Maps, 2019.

Os edifícios onde outrora funcionou uma fábrica de descasque de pinhão e no seu quintal se desenvolveu um cinema ao ar livre, localizam-se na Avenida João Soares Branco em Alcácer do Sal,  num zona antiga da cidade conhecida como Cabo de São Pedro. Em frente ao edifício, existe hoje o Parque de Estacionamento dos Pescadores.


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Heráldica - Brasão da cidade Alcácer do Sal, 1860-1862.
Bilhete Postal n.º 57, Edição Cultarte Editora, In delcampe.net.

Ao entra em Alcácer do Sal pela Ponte Metálica, ao longo do rio Sado, estende-se a montante o Cabo da Vila e a jusante o Cabo de São Pedro, estas zonas funcionavam como cais de pesca, actividade que constituía um dos recursos que fazia a riqueza da terra. Para alem de consumo próprio, o pescado permitia não só o seu envio para outras regiões, como para a exportação. Nesta zona nos arrabaldes do castelo, foi construído mais tarde o porto, os Paços do Concelho e os estaleiros que estabeleciam as ligações para Setúbal, Lisboa e Norte da Europa. No século XV a XVII o comércio do sal constituiu uma das mais importantes actividades económicas do Sado, já no século XIX observaram-se grandes mudanças na paisagem, as grandes salinas são substituídas por extensões de arrozais, e esta economia prolifera ainda hoje.

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Edifício do Sr. Marcelino Rebelo, Cabo de São Pedro, inicio do século XX.
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal.

Na ribeira, a partir do século XV, novas casas são construirias na artéria principal, paralela ao rio. Esta artéria passou a exibir as casas mais ricas da cidade, pertencentes a mercadores, fidalgos e outras figuras públicas. A maioria das casas apresentavam lojas no andar térreo, pois havia necessidade de espaços de armazenagem perto do porto.  Mais afastadas da praça velha, surge outro tipo de moradores, com grande variedade de profissões, desde mesteirais a gente ligada mais ao mar e à construção naval.

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Vista sobre a margem da cidade Alcácer do Sal, c.1945.
Bilhete Postal, Alcácer do Sal - Vista do Castelo, In delcampe.net.

A partir da década de setenta do século XIX as carreiras fluviais entre Setúbal e Alcácer passam a ser asseguradas por lanchas a vapor, os estaleiros de Alcácer ainda laboraram pelo menos até meados do século vinte, onde reparavam várias embarcações específicas do Sado. O transporte fluvial perde a sua intensidade com a  inauguração dos caminhos-de-ferro em 1920 e a construção da ponte metálica em 1945.  A partir de então  o Sado começa a ser visto como um factor de desenvolvimento cultural, com vista a enobrecer Alcácer do Sal, sobretudo no ponto de vista turístico.

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Edifício do Sr. Marcelino Rebelo, Cabo de São Pedro, Alcácer do Sal, c.1940.
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal.

Desconhece-se a data exacta da construção da Casa do Sr. Marcelino Rebelo, ou pelo menos a partir de que momento passou a exibir o aspecto que ainda hoje mantém. Todavia, o seu inteiro sofre obras profundas nas primeiras décadas de XX, a arquitectura exterior reportará certamente ao século XIX, sendo certo também,  que no seu lugar,  já existiria um  edifício primitivo.

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Interior da Fábrica de Pinhões do Sr. Marcelino Rebelo, Cabo de São Pedro, Alcácer do Sal, s/d.
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal.

Alcácer desenvolveu uma tradição na preparação de pinhões e dos característicos doces denominados “pinhoadas”, ainda hoje são várias as fabricas que se dedicam à preparação e exportação de Miolo de Pinhão. Na década de 20 também Marcelino João Rebelo dá os primeiros passos nesta nesta industria, experimentado negociante,  no  edifício havia já uma taberna e agora passou a acolher a fábrica de preparação de pinhões. Também lhe eram conhecidos outros negócios na área energética fóssil, (carvão) e comércio de animais vivos. Na foto anterior podemos observar um grupo de funcionários que operavam nas instalações da sua casa, na direcção do senhor que rodava a manivela, entre as duas senhoras sentadas, posa o senhor Marcelino João Rebelo.

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Sena sobre projecção de cinema na praça, Filme Cinema Paradiso , 1988,
Frame extraída do filme Cinema Paradiso, Giuseppe Tornatore, 1988, In IMDB;

Muitas actividades culturais como o teatro e o circo, foram durante muitos anos apenas acessíveis às cortes e ás classes sociais mais elevadas, nomeadamente o teatro de Gil Vicente no século XVI. Só a partir do século XVIII, as grandes salas de espectáculos são construídas, mas apenas nos grandes centros urbanos. Os espectáculos só começam a ser acessíveis a generalidade da população por volta do século XVII, em muitos lugares eram improvisados barracões para acolher espectáculos de carácter itinerante. Em Alcácer do Sal o primeiro teatro, Teatro Pedro Nunes, é inaugurado no final do século XIX, relativamente tarde, considerando que estamos perante uma das ex-vilas mais antigas de Portugal.

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Car Park Cinema ou Drive-in Cinema, 2011.
Foto de  Andrew Valko publicada em begavet.tumblr.com, 2017.

O cinema ao ar livre começou em Berlim em 1916, no verão as praças enchiam-se de projectores, de cadeiras e de famílias. A estreia de filmes de Hollywood chegavam mesmo a ser fora de portas e com direito à presença dos atores. A coisa foi ficando mais modesta e Hollywood trocou o imaginário do cinema a céu aberto, por filmes vistos dentro de carros.

"No escurinho do cinema
Chupando drops de aniz
Longe de qualquer problema
Perto de um final feliz

Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck
Não vou bancar o santinho
Minha garota é Mae West
Eu sou o Sheik Valentino

Mas de repente o filme pifou
E a turma toda logo vaiou
Acenderam as luzes, cruzes!
Que flagra!
Que flagra!
Que flagra!"

Letra da Musica "Flagra", Rita Lee

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Cinema Sado e Fábrica de Pinhões, Alcácer do Sal, 2017.
Foto extraída do Google Maps, 2019.

Em Alcácer do Sal a 7.ª arte chega da década de 30 pela iniciativa de Marcelino Rebelo, por esta época, o empresário aberto ao público um cinema ao ar livre, o "Cinema Sado", como foi baptizado, foi improvisado no quintal fronteiriço à casa onde Marcelino tinha já instalada a fábrica de pinhões.

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Sena sobre projecção de cinema na praça, Filme Cinema Paradiso , 1988,
Frame extraída do filme Cinema Paradiso, Giuseppe Tornatore, 1988, In IMDB;

Numa época em que os filmes ainda eram mudos, as fitas eram exibidos a preto e branco acompanhados por musica ambiente de gira-discos. As projecções eram efectuadas sobre a fachada , os filmes e a máquina de projecção portátil, eram alugados. O quintal era vedado de forma a garantir alguma privacidade a quem assistia confortavelmente nas bancadas às primeiras experiências visuais  com a foto em movimento. Não é de mais referir que em meados da década de 30, também a televisão dava os primeiros passos em Portugal.

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Cinema Sado e Fábrica de Pinhões, Alcácer do Sal, 2019.
Foto extraída do Google Maps, 2019.

A abertura do Cine-teatro Campino, no início da década de 50, ditou o fim do Cinema Saldo que por desenvolver a actividade ao ar livre, nas épocas de inverno não podia garantir o conforto necessário para os clientes. E convenhamos que é essencial  a existência de uma sala de cinema numa cidade com grande população, nos anos 50, a população do concelho era superior a 22 mil habitantes.

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Cinema Sado e Fábrica de Pinhões, Alcácer do Sal, 2019.
Foto extraída do Google Maps, 2019.

Hoje o edifico encontra-se fechado de uma forma quase que definitiva, este é apenas mais um com uma bonita historia que ficou certamente na memória da população mais avançada de Alcácer do sal.
Pela localização privilegiada, sobranceira sobre o Sado, que o edifício Cinema Sado apresenta, é duplamente triste e até doloroso, assistir à degradação em que se encerra.


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Cinema Sado e Fábrica de Pinhões, Alcácer do Sal, 2017.
Foto extraída do Google Maps, 2019.

Em pleno século XXI, o cinema voltou às principais praças do país, durante o verão, multiplicam-se as iniciativas e promoção de eventos que contemplam sessões de cinema ao ar livre e de forma gratuita. São alguns exemplos promotores deste tipo de actividades, o Município de Lisboa, Maia, Vila Real de Santo António, Viseu, entre muitos outros. Desde 2013 que esta iniciativa se tem multiplicado e são cada vez mais as cidades a aderir. 

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Cinema ao ar livre no centro Histórico de Viseu, 2018.
Foto reproduzida do Jornal do centro, Publicação de julho de 2018.

Esta medida cultural acaba por sensibilizar e despertar o gosto pelo grande ecrã ao fazer chegar ao grande público o cinema que não chegaria de outra maneira. 
Por outro lado, não se coloca a questão de concorrência desleal com a industria de distribuição de cinema, uma vez que os filmes exibidos não estão em cartaz, há já vários anos.
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Fontes:
"Do Castelo à Ribeira – a urbanização de Alcácer ", Comendas Urbanas das ordens Militares, Texto de Maria Teresa Lopes Pereira, 2016;
Artigo "Onde ver cinema ao ar livre", Jornal Expresso, Texto de Ana Maria Pimentel, Julho, 2017;
"Rio Sado - Atlas do Sudoeste Alentejano", Publicações CIMAL;
"Instantâneos: o cinema que era uma fábrica" - O Sal da História, fevereiro, 2019;

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